Para a neurocientista, o coronavírus tem levado nossa sociedade a situações-limite e esses momentos devem servir para concepção de outros caminhos para uma humanidade global
Muitas pessoas estão entrando na terceira semana de isolamento. Se no começo a pandemia trazia consigo o medo da doença, do colapso global, agora, todo esse tempo de reclusão tem suscitado muitas outras questões. E até o próprio isolamento, já comprovado por autoridades do mundo todo como a melhor forma de conter a propagação do vírus, tem sido questionado sob o argumento de que a economia corre risco. Além disso, há a inquietação sobre que sociedade sairá de toda essa experiência, como se darão as relações, e a necessidade de reerguer o mundo, os laços e a economia. Diante de todas essas questões, a IHU On-Line propôs um bate-papo via WhatsApp com a neurocientista Claudia Feitosa-Santana, que tem se dedicado a pesquisar o comportamento humano. “Trabalhamos muito mais do que nossos ancestrais, e um vírus como este se beneficia justamente dessa nossa fragilidade”, observa. Por isso, acredita que a presença do coronavírus precisa ser vista como uma oportunidade para parar e refletir. “É algo que não fazemos e que pede uma reflexão extremamente profunda sobre a forma como nós vivemos”, aponta.
É dessa reflexão que Claudia imagina que possa sair uma nova chave de leitura deste mundo, de uma sociedade que se tornou global sem pensar muito nesses processos e suas consequências. Afinal, como observa, “uma gripe na China pode significar uma pneumonia no mundo inteiro”. “Aqui, neste momento, existe a chance de uma revisitação de toda a nossa estrutura e uma necessidade de cooperação. Mas não é somente uma cooperação do cidadão, e sim uma cooperação no sentido de criar uma espécie de governo mundial, porque o que acontece do outro lado do mundo, hoje, afeta muito rapidamente o lado oposto”, pondera.
Ao longo desse bate-papo, a cientista ainda analisa o negacionismo de nossos tempos. “Quanto maior a instrução e a formação científica de uma pessoa, menores as chances de ela passar pelo negacionismo”, defende. Ou seja, é preciso fazer o que chama de uma educação para ciência, o que passa por trazer as pessoas para perto dessas realidades, compreender os processos científicos e demonstrar como eles são parte da vida. “Como não conhecemos o coronavírus completamente, não tem como ficar sem medo, mas não podemos ficar em pânico, o que não era possível durante a gripe espanhola, por exemplo, porque, naquela ocasião, as pessoas não se tratavam e estar infectado significava que a chance de morrer era muito grande. Hoje não é assim”, explica.
Sobre o outro medo, o da recessão e os seus efeitos, observa: “é totalmente compreensível as pessoas que têm uma formação econômica e entendem de economia, do mercado financeiro, reconhecerem a importância do isolamento como arma, mas também ficarem extremamente preocupadas com a questão econômica. Porque já podemos dizer que estamos entrando numa recessão mundial e isso é inegável”. Mas, para ela, o caminho vai, mais uma vez, pelas vias da cooperação. Não adianta reverter o isolamento e sofrer as consequências da doença, sem a esperada recuperação econômica. “Tem uma frase que li esses dias na internet, não sei qual o autor, que diz: ‘o falido se recupera; o falecido não’. Na verdade, isso serve para repensarmos essa questão financeira”, exemplifica.
Por fim, para quem teme uma sociedade global ainda pior depois da pandemia, em que impere o individualismo absoluto, Claudia contrapõe: “não existe a chance desse individualismo. Eu duvido. A nostalgia de que nós fomos muito melhores no passado é uma falácia”. Para ela, a humanidade sempre “se desenvolve culturalmente cada vez mais e sempre para melhor”. E conclui com uma observação para quem ainda teme o que há por vir. “Essa nossa caminhada para sermos mais humanos é como se fosse uma guerra e uma guerra só se ganha com pequenas batalhas. Esse nosso desenvolvimento para melhor é sempre passo a passo, uma batalha de cada vez”.
Claudia Feitosa-Santana (Foto: Arquivo Pessoal)
Claudia Feitosa-Santana realizou pós-doutoramento em Neurociências Integradas pela University of Chicago, doutorado em Neurociências e Comportamento pelo Programa de Pós-graduação em Neurociências e Comportamento da Universidade de São Paulo - NEC/USP, mestrado em Psicologia Experimental com foco em neurociência pelo Instituto de Psicologia da USP, especialização em Gerenciamento pela Escola Politécnica da USP - POLI/USP, graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP - FAU/USP e graduação em Engenharia Civil pelo Mackenzie. Entre seus livros mais recentes publicados, destacamos O Direito e suas interfaces com a Psicologia e a Neurociência (São Paulo: Appris, 2019).
IHU On-Line – Vivemos numa sociedade em que parece haver um imperativo de que não podemos parar, sequer adoecer. Como compreender o impacto desse episódio do coronavírus na humanidade?
Claudia Feitosa-Santana – Hoje, nós trabalhamos muito mais do que nossos ancestrais, e um vírus como este se beneficia justamente dessa nossa fragilidade. A presença do coronavírus entre nós é uma oportunidade de reflexão, porque está obrigando o mundo a parar. É algo que não fazemos e que pede uma reflexão extremamente profunda sobre a forma como nós vivemos.
Por um lado, nós estamos parando e vamos pagar um preço gigantesco, porque já estamos em recessão mundial. Por outro lado, precisamos estar cientes de que este não é um único vírus e há probabilidade de surgir um novo vírus tão perigoso quanto esse, daqui a cinco ou dez anos, e podemos passar por isso novamente em pouco tempo. Aqui, neste momento, existe a chance de uma revisitação de toda a nossa estrutura e uma necessidade de cooperação. Mas não é somente uma cooperação do cidadão, e sim uma cooperação no sentido de criar uma espécie de governo mundial, porque o que acontece do outro lado do mundo, hoje, afeta muito rapidamente o lado oposto. Então, uma gripe na China pode significar uma pneumonia no mundo inteiro.
IHU On-Line – Como a senhora analisa as reações da população às orientações das autoridades? Como compreender desde o negacionismo ao pânico e histeria?
Claudia Feitosa-Santana – Em primeiro lugar, nós temos que lembrar que o ideal não é simplesmente obedecer a uma lei. O ideal é que as leis sejam tais que as pessoas concordem com elas. Essa é a melhor forma de fazer valer uma lei. Quando nós compreendemos a importância de uma regra, seguimos a regra. E isso é muito mais fácil de ser visto em governos em que existe confiança dos cidadãos. Nos governos em que não existe uma confiança, que é o caso do Brasil - e não falo de um governo em específico, pois nós temos um histórico de não confiança -, é muito mais difícil fazer uma lei, ou mesmo uma recomendação, ser cumprida.
Entendida essa primeira questão, é preciso compreender que o negacionismo é algo muito natural do ser humano. Um biólogo evolucionista, o Stephen Stearns, diz o seguinte: é natural do ser humano polarizar. Se pegarmos dez crianças que nunca haviam se visto e dividi-las em dois grupos, um azul e um vermelho, em 20 minutos elas se tornam inimigas. Desde os primórdios, é natural da nossa sociedade que se adote um líder e vários seguidores. Estamos mudando, mas não mudou completamente. Com a internet, a sociedade está mais horizontalizada e podemos ter mais líderes. Quando aprendemos por que se polariza, fica mais fácil desconstruir. Mas precisa ser com muita empatia, muita escuta.
Se é muito natural esta negação e se agora nós estamos numa corrida contra o tempo – porque quanto mais pessoas, por mais tempo, ficarem circulando desnecessariamente nas ruas, mais doentes vamos ter e mais mortes vamos ter –, na verdade, precisamos reduzir o negacionismo, e a prática que as pessoas estão usando para alertar os outros não só é ineficiente, como também atrapalha. Precisamos entender que, para sensibilizar o outro e ajudá-lo a sair da negação, é preciso escutá-lo. Ao escutá-lo, ele mesmo chega a essa conclusão; ou podemos entender qual é o raciocínio dessa pessoa e buscar fontes nas quais ela confie.
Nem todo mundo nega, então não são todos que passam pelo negacionismo. Quanto maior a instrução e a formação científica de uma pessoa, menores as chances de ela passar pelo negacionismo. Do negacionismo, se passa para outra fase: a de consciência e, junto com isso, vem um medo muito grande. Em muitas pessoas isso se expressa pelo pânico. E o que acontece neste momento?
Para que as pessoas saiam desse estado de pânico, que muitos chamam de histeria, é preciso ter acesso à informação adequada. Buscar essa informação também é complicado, porque hoje somos metralhados por fake news. Não tem como estarmos completamente isentos de medo. O que podemos fazer é ter foco e concentração no que é possível resolver aqui e agora e enfrentar este medo. Como não conhecemos o coronavírus completamente, não tem como ficar sem medo, mas não podemos ficar em pânico, o que não era possível durante a gripe espanhola, por exemplo, porque, naquela ocasião, as pessoas não se tratavam e estar infectado significava que a chance de morrer era muito grande. Hoje não é assim; já temos algumas informações de como enfrentar esse vírus.
A negação da ciência é absolutamente natural porque o natural do ser humano foi, primeiro, criar explicações espirituais para a nossa vida e a nossa morte. Esse é o nosso natural. A ciência é muito nova. Há quantos anos fazemos ciência de verdade? Aproximadamente 500 anos. Para que a população mundial não negue a ciência, ela precisa compreender a ciência. Para entendê-la, precisamos de uma educação científica; isso é fundamental. Com este caso do coronavírus, aprendemos que realmente temos que fazer um investimento em massa em educação científica. Não se trata apenas de alfabetizar, é muito mais do que isso: é educar cientificamente.
Em primeiro lugar, o limite da ciência é a possibilidade do outro compreender a ciência. Como eu disse, se o ideal é que tenhamos leis que todo mundo compreenda e aceite, precisamos de educação científica. Fora toda a produção científica gigantesca produzida na últimas semanas – são mais de mil artigos sobre o coronavírus –, o que precisamos é de uma cooperação mundial.
IHU On-Line – Mesmo numa sociedade hiperconectada, com o suporte de toda a tecnologia, o isolamento social parece ter grande impacto entre as pessoas. Por quê?
Claudia Feitosa-Santana – O isolamento social, mesmo com o suporte da tecnologia, certamente tem impacto nas pessoas, porque somos seres sociais e essa sociabilidade pode se dar virtualmente também, mas nós precisamos mesmo do contato físico: de tocar, olhar – isso é muito importante para o ser humano.
Mas, veja que interessante: estávamos numa sociedade onde as pessoas estavam todas na rua, em contato umas com as outras, mas conectadas no celular. Nós estamos, nos últimos anos, e particularmente nos últimos meses, estressando este ponto: as pessoas estavam perdendo a qualidade dos relacionamentos estando apenas conectadas. Então, agora, temos a possibilidade e a oportunidade de verificar que o contato físico é fundamental e estamos indo para o lado oposto: não vamos ter contato físico e vamos ter que nos apoiar virtualmente, e é para isso que serve a tecnologia. Ela serve para trazer para perto quem está muito longe, mas quando você está perto das pessoas, você precisa usufruir do contato físico, o que muitos não estavam fazendo.
IHU On-Line – O isolamento social pode trazer danos psicológicos? Como cumprir a recomendação das autoridades quanto ao isolamento, minimizando os efeitos sobre a saúde mental?
Claudia Feitosa-Santana – Sim, ele pode trazer danos psicológicos, mas a nossa maior experiência do que sabemos sobre isolamento social é a solitária. Nós não estamos presos dentro de uma solitária, sem janela e sem sol. Nós estamos, na verdade, optando pelo isolamento social e temos que enfrentar essa situação um dia de cada vez. Nós podemos nos apoiar nos relatos e recomendações dos países asiáticos que estão fazendo o isolamento social e estão revezando entre endurecer e afrouxar as regras de isolamento e distanciamento social.
É fundamental, aqui, nessa situação, entender que não estamos numa guerra entre nós. Então, não existe a possibilidade de cair uma bomba aqui ao meu lado e eu ter que sair correndo para um bunker. Esse nosso isolamento traz danos psicológicos, sim, mas ele poderia ser muito pior. Precisamos ter um olhar mais positivo e precisamos cuidar daqueles que terão problemas econômicos e, ainda, precisamos cuidar muito dos idosos, que são extremamente frágeis neste momento.
IHU On-Line – Há quem reconheça a importância do isolamento, mas teme os efeitos econômicos pós-pandemia. Vivemos num tempo em que a ordem política e social está pautada pela economia, mas como equalizar isso?
Claudia Feitosa-Santana – É totalmente compreensível as pessoas que têm uma formação econômica e entendem de economia, do mercado financeiro, reconhecerem a importância do isolamento como arma, mas também ficarem extremamente preocupadas com a questão econômica. Porque já podemos dizer que estamos entrando numa recessão mundial e isso é inegável. A questão aqui não é bem essa. A questão é um pouco mais profunda, porque se os países da Ásia, como a China, não tivessem feito o isolamento, deixando o vírus se propagar, eles certamente teriam hoje vários focos epidêmicos e muitos milhares de mortes. Na verdade, estariam a caminho de milhões de mortes.
Muitas pessoas, equivocadamente, olham para países como China, Coreia, Singapura, Taiwan e Japão e dizem que não precisamos fazer isolamento porque alguns poucos milhares de pessoas morreram e a situação já está se estabilizando. Porém essa estabilização só existe porque eles fizeram um controle muito rígido. Eles estão, em geral, há mais de dois meses revezando entre o isolamento agressivo, draconiano, e um distanciamento muito rígido de, no mínimo, dois metros de distância entre pessoas saudáveis. Começou com um metro e hoje já são dois.
O que fica aqui? O que essa pandemia está trazendo é diferente de todas as outras do passado e ela nos diz que não vamos poder continuar vivendo do mesmo jeito, com o mesmo sistema, porque daqui a cinco ou dez anos teremos uma nova pandemia. E novamente o mundo para? Não, nós precisamos nos reestruturar e repensar nossa lógica social, econômica e financeira.
Preocupação econômica e financeira é inegável. Tem uma frase que li esses dias na internet, não sei qual o autor, que diz: “o falido se recupera; o falecido não”. Na verdade, isso serve para repensarmos essa questão financeira, e o mundo vai ter que se movimentar, pois, do contrário, uma quantidade gigantesca de pessoas vai falir e isso não pode acontecer. O Brasil, sobretudo economicamente, é considerado um país de renda média. Mas nós somos um país, no fundo, extremamente rico. A nossa renda é que é extremamente mal distribuída. As contas do funcionalismo público brasileiro seriam completamente inaceitáveis em um país nórdico, pois se tem funcionário público com 60 dias de férias, salários altíssimos e mais uma série de benefícios, tem senadores e deputados com um monte de assistentes. Isso tudo precisa ser destruído e daí vem muito dinheiro. Esse é só um exemplo de mudanças na nossa estrutura que não podem mais tardar.
Não existe aqui a opção muito fácil de conciliar essas duas coisas, porque a recessão já é certa, economicamente já é um problema seríssimo. O que é preciso fazer hoje é um controle rígido para salvar muitas vidas, milhares, talvez milhões.
IHU On-Line – Como a senhora analisa o comportamento das populações de lugares como Taiwan e Singapura, por exemplo, em que se conseguiu frear a propagação do vírus pela adoção de medidas preventivas, como o isolamento?
Claudia Feitosa-Santana – Taiwan e Singapura são dois exemplos de locais extremamente organizados e a aceitação das ordens governamentais ocorre com muito mais facilidade. Além disso, como há um controle desde o começo de uma forma muito próxima, não podemos nem nos comparar com eles. Se tivermos de nos comparar com alguém, devemos nos comparar muito mais com a Itália do que com esses dois exemplos.
Desde que foram informados de um novo vírus na China, Taiwan e Singapura estão fazendo um controle muito rígido. Então, estão praticamente há quase três meses nesse controle, e revezam entre isolamento e distanciamento. Assim, endurecem e afrouxam essas regras. Mas, por exemplo, agora recentemente, tivemos notícia das duas primeiras mortes em Singapura, e o registro de mais 18 casos importados e cinco casos locais. Isso fez com que Singapura, que já estava com certo afrouxamento das regras, redefinisse e entrasse novamente numa fase mais rígida, porque senão eles podem perder o controle, a partir do momento em que eles já têm registrado caso de transmissão local.
Nós, brasileiros, estamos muito atrás das práticas que eles conduziram. São populações menores, Singapura deve ter pouco mais de cinco milhões de habitantes e Taiwan tem praticamente 25 milhões de habitantes. Mas eles conseguem fazer. Nós somos muito maiores e temos governos estaduais e municipais que, se todos eles se movimentarem, podem reduzir esse impacto.
E o que se ouve falar muito pouco são dos danos psicológicos de se enterrar pessoas queridas cujas vidas poderiam ser poupadas. Este é um evento que engloba o mundo inteiro, então aqui temos a chance de sermos melhores do que somos com questões locais. Não vale comparar com uma gripe comum, com a dengue, entre outras doenças. Se temos aqui a chance de fazer diferente, por que vamos fazer igual e deixar que os mais pobres sejam sempre os mais afetados?
IHU On-Line – A Covid-19 é uma doença que acomete principalmente pessoas mais idosas. Isso faz com que muitos digam que “é apenas uma doença de velho”. O que isso revela de nossa sociedade sobre a relação com as pessoas mais velhas? Aliás, quem são os idosos de nosso tempo?
Claudia Feitosa-Santana – Nós, seres humanos, temos uma dificuldade muito grande de perceber o futuro, ter uma clareza da percepção do futuro. Então, quanto mais jovens nós somos, maiores são as chances de considerarmos um idoso muito próximo da morte. Eu tenho quase 50 anos e percebo que alunos de 20 ou 22 anos me veem como uma pessoa muito mais velha e muito mais próxima da morte. Na minha cabeça, eu tenho apenas quase 50 anos. Tem um relato engraçado que ouvi, não vou lembrar a fonte, de uma mocinha que vai a um velório e chega ao lado de um senhor e diz: “Ah, mas ele também já tinha 98 anos de idade. Tava na hora de morrer”. E o senhor vira para a cara dela e fala: “Mas como assim? Eu tenho SÓ 95 anos”.
Essa percepção do idoso é muito subjetiva e nós precisamos compreender isso e respeitar. Mas os brasileiros, em geral, são dos mais solidários com os mais idosos nessa equação. No entanto, me chamam atenção as pessoas que não respeitam as orientações e dizem que é apenas uma questão de velho. É uma falta de sensibilidade que é compreendida por esse nosso mecanismo comportamental e cerebral. Isso não revela o raciocínio de uma sociedade inteira, porque como nós, em geral, temos familiares, pais ou avós, que são idosos, já temos uma sensibilização e não queremos que nossos idosos sofram com isso.
Mas, enfim, certamente, o se sentir idoso é muito subjetivo. Teoricamente, neste quesito, qualquer pessoa acima de 60 ou 65 anos já é considerada um grupo de risco e, quanto mais velho, maiores as chances de agravamento. Porém, com relação às pessoas com menos de 60 anos, existem relatos de muitas que também adoecem e muitas também desenvolvem a pneumonia e precisam de assistência hospitalar por dias ou semanas.
IHU On-Line – Quais os maiores desafios para não tornar essa pandemia um caminho para o individualismo, por exemplo, cessando auxílio aos pobres e àqueles que precisam de ajuda, especialmente neste momento?
Claudia Feitosa-Santana – Aqui não existe a chance desse individualismo. Eu duvido. A nostalgia de que nós fomos muito melhores no passado é uma falácia, um equívoco. Nós hoje somos muito melhores do que éramos na II Guerra Mundial, somos muito melhores do que éramos na Revolução Industrial, somos muito melhores do que éramos na Idade Média. A nossa sociedade se desenvolve culturalmente cada vez mais e sempre para melhor. Mas essa nossa caminhada para sermos mais humanos é como se fosse uma guerra e uma guerra só se ganha com pequenas batalhas. Esse nosso desenvolvimento para melhor é sempre passo a passo, uma batalha de cada vez. E aqui, nessa situação, temos grande chance de caminhar para uma cooperação mundial. É o único caminho, não existe outro.
Outro caminho seria haver uma redução gigantesca da população, porque quando se caminha para o individualismo se aumenta essa desigualdade e a maioria das pessoas desfavorecidas morrem. Conhecendo nossa história, não consigo vislumbrar esse caminho, não acho possível. Aqui, na situação que estamos vivendo, fica muito clara a nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, o potencial que todos nós indivíduos temos de sermos grandes líderes.
Tanto é que nós, no passado, passamos a ser o animal mais poderoso do planeta; era um grupo muito pequeno e provavelmente todos eram líderes. Assim, vemos como a ação individual tem um poder de impacto gigantesco, como no nosso caso agora, deixando de sair às ruas. Uma das principais questões é que cada um de nós possa enxergar-se como um grande líder, como uma parte fundamental nesse quebra-cabeça.