07 Novembro 2024
Trump, portanto, pode se apresentar como o candidato da restauração. Seu slogan "Make America Great Again" costumava se referir a um passado nostálgico, mas agora pode se referir simplesmente à memória recente. A mídia de direita amplificou o diagnóstico de que o problema são as elites democratas desconectadas do povo comum, que tentam controlar suas vidas impondo sua visão de mundo. Aparentemente, essa campanha foi eficaz.
O artigo é de Patrick Iber, professor assistente de História na Universidade de Wisconsin, autor de Neither Peace nor Freedom: The Cultural Cold War in Latin America (Harvard UP, Cambridge, 2015), publicado por Nueva Sociedad, novembro-2024.
Donald Trump conseguiu ganhar não apenas a maioria do Colégio Eleitoral, mas também o voto popular. As previsões sobre uma eleição disputada desapareceram e o republicano chega novamente à Casa Branca com um projeto ainda mais radical.
Nos dias anteriores à eleição, as pesquisas apontavam para uma disputa acirrada entre Donald Trump e Kamala Harris. Nem em 2016, nem em 2020 Trump havia conseguido o apoio majoritário dos eleitores americanos. Mas desta vez, as coisas mudaram. A eleição esteve longe de ser realmente disputada. O eleitorado se deslocou significativamente para a direita e o magnata nova-iorquino atraiu novos eleitores. Ele melhorou seus resultados em quase todos os grupos demográficos. Uma maioria de americanos quer que ele volte a ser presidente e também lhe deu a maioria no Senado, enquanto a composição da Câmara dos Representantes ainda está em jogo.
Para o triunfo do candidato republicano, há três hipóteses explicativas possíveis.
A primeira é que sua campanha foi a mais abertamente racista e intolerante da história moderna dos Estados Unidos. Ela transformou vários grupos de imigrantes em inimigos exemplares, afirmando que o país estava sendo invadido por bandos de venezuelanos, que os haitianos estavam comendo animais domésticos e que Joe Biden e Kamala Harris estavam deliberadamente importando pessoas do "Terceiro Mundo" para que as votassem. Claro, nada disso era verdade. No entanto, na Convenção Nacional Republicana, os participantes levantaram cartazes exigindo "Deportação em massa já!". A campanha de Trump também direcionou o ódio contra as pessoas trans, afirmando em seus anúncios que "Harris é para eles, não para você". Poder-se-ia concluir simplesmente que um país racista e sexista optou pelo candidato racista e sexista, rejeitando a coalizão multicultural liderada pela candidata que expressava a posição contrária.
Uma segunda hipótese sustenta que o problema foi que os democratas erraram de candidata e tomaram más decisões estratégicas. Biden era reconfortante para os eleitores moderados em 2020, mas Kamala Harris, uma mulher racializada de São Francisco, podia ser vista como excessivamente "de esquerda", mesmo quando cortejava eleitores moderados. Além disso, ao substituir Biden no último momento, ela não foi escolhida por meio de um processo competitivo de primárias. E, finalmente, como vice-presidente em exercício, ela não podia se distanciar significativamente do governo atual. Isso foi especialmente angustiante para eleitores palestinos e árabes e seus aliados da ala esquerda do Partido Democrata, muitos dos quais consideram o apoio de Biden à guerra de Israel em Gaza como complicidade com um genocídio.
Ambas as hipóteses capturam sem dúvida uma parte do quadro, mas apenas uma parte. Harris gerou um entusiasmo considerável entre os democratas. Em todo o país, dezenas de milhares de voluntários trabalharam para persuadir seus vizinhos e fazer com que votassem na vice-presidente, uma mobilização da qual a campanha de Trump careceu. Harris esmagou Trump em seu único debate e centrou seus esforços de maneira inteligente nos estados que precisava ganhar para obter uma maioria no Colégio Eleitoral. Mas isso, no final, não teve importância. Michigan, com um grande número de eleitores árabes, foi um estado menos disputado do que a Pensilvânia, onde eles são menos numerosos. Candidatos democratas com um perfil diferente — como o senador Sherrod Brown, de Ohio, um homem branco e pró-classe trabalhadora — também perderam.
É verdade que Trump atraiu eleitores racistas. E também é verdade que ele obteve o apoio de muitos grupos étnicos e raciais, aos quais convidou a se unir à sua coalizão reacionária. O ex-presidente conseguiu conquistar terreno, principalmente entre os homens. No caso dos homens afro-americanos, a erosão de seu voto foi relativamente pequena. Hillary Clinton ganhou esse grupo por 69 pontos sobre Trump em 2016, Biden por 60 em 2020, e Harris ganhou por 58 pontos. Mas, entre os homens latinos, Trump fez avanços surpreendentes. Em 2016, eles favoreciam Clinton por 31 pontos frente a Trump, enquanto em 2020 Biden venceu esse grupo por 23 pontos. Agora, é Trump quem venceu Harris por 10 pontos entre esse grupo.
Uma perspectiva ampla confirma a tendência de que a polarização educacional substitui a polarização de classe como o eixo central da divisão política. Eleitores com diploma universitário votam cada vez mais nos democratas, e os que não têm diploma tendem a votar nos republicanos. Trump venceu entre os eleitores brancos com diploma universitário por 3 pontos em 2016. Harris venceu esse grupo por 10 pontos em 2024. Eleitores racializados sem diploma universitário favoreciam Hillary Clinton por 56 pontos em 2016. A vantagem de Kamala Harris nesse grupo foi de apenas 32 pontos. Trump, surpreendentemente, fez o Partido Republicano mais multirracial, enquanto se apresenta com uma plataforma que adota muitas de suas ideias dos nacionalistas brancos.
Isso nos leva à terceira hipótese explicativa do resultado, que de certo modo é a mais simples. As pessoas culpam Biden, um presidente impopular com índices de aprovação em torno de 38%, pelo estado da economia, e Harris é sua vice-presidente. Embora Trump tenha estado no poder no início da pandemia de covid-19 — e tenha gerido isso muito mal —, Biden supervisionou o seu final e as suas sequelas. Muitas pessoas simplesmente lembram os três primeiros anos de Trump como uma época de prosperidade. E isso acontece apesar do fato de que os efeitos inflacionários da interrupção da cadeia de fornecimento (e o estímulo econômico) foram relativamente menores nos Estados Unidos. A economia americana surgiu como a mais forte do mundo pós-covid, e o fez sem recessão, aceitando alguma inflação em vez de aumento do desemprego. Mas o crescimento salarial na faixa mais baixa de renda ajudou a elevar os preços diários dos alimentos, e os preços da habitação continuam extremamente altos.
Trump, portanto, pode se apresentar como o candidato da restauração. Seu slogan "Make America Great Again" costumava se referir a um passado nostálgico, mas agora pode se referir simplesmente à memória recente. A mídia de direita amplificou o diagnóstico de que o problema são as elites democratas desconectadas do povo comum, que tentam controlar suas vidas impondo sua visão de mundo. Aparentemente, essa campanha foi eficaz.
A campanha de Harris tentou enfrentar essa situação com três mensagens principais. Uma, a ameaça à democracia representada por Trump após a tentativa de golpe de Estado de 6 de janeiro de 2021. A segunda, a promessa de restaurar o direito ao aborto retirado pelos juízes que Trump nomeou para a Suprema Corte. A terceira, uma agenda econômica de redução de preços e expansão das ajudas ao trabalho de cuidados. Os dois primeiros estavam perfeitamente enquadrados na defesa da "liberdade". O terceiro nunca superou a ideia de muitos eleitores de que as coisas estavam melhorando com Trump.
Agora, os Estados Unidos levaram à presidência alguém com instintos autoritários. Mas, desta vez, o governo de Trump será diferente do de 2016. Trump já advertiu que os primeiros dias de seu governo serão especialmente duros, mobilizando as forças de segurança contra os imigrantes. Ao contrário de 2016, quando Trump não esperava ganhar, agora ele tem os quadros para cobrir todas as áreas do governo. Remodelou o Partido Republicano à sua imagem e semelhança. Preencheu o Poder Judiciário, incluindo a Suprema Corte, com pessoas de sua confiança. O Partido Republicano do final da Guerra Fria — que combinava o "livre mercado" inspirado nas ideias de Milton Friedman e o apoio a uma forte presença militar mundial por meio da força unificadora do anticomunismo — desapareceu em favor do movimento MAGA. Trump, de certa forma, inverteu a fórmula: absorveu o antineoliberalismo em termos de política comercial, mas pode se mostrar favorável ao laissez-faire diante das ações de ditadores estrangeiros. Conseguiu atrair eleitores insatisfeitos com o "sistema" para suas fileiras.
A luta contra a pandemia de covid-19 e contra Trump tornou os democratas institucionalistas, mas agora os republicanos controlam as instituições. Trump é um tolo e muitos dos que trabalharam estreitamente com ele o descrevem como um fascista. E também pode ser a figura política mais significativa do século XXI até agora.
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Como Trump conseguiu fazer isso novamente? Artigo de Patrick Iber - Instituto Humanitas Unisinos - IHU