07 Fevereiro 2024
"Será realmente impossível dividir a Terra em duas partes? Para mim não. Portanto, não estou a pensar, por exemplo, numa Jerusalém dividida em duas, mas finalmente numa cidade unida, com as suas duas vertentes administrativas, reguladas por uma legalidade partilhada e respeitada, de ambos os lados, criando então um município maior e grande município. Mas, para o conseguir, precisamos de ultrapassar o problema mais grave que é o da colonização dos Territórios Palestinos, do qual - na nossa região - se fala muito pouco", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 06-02-2024.
Donald Trump volta a aparecer no Oriente Médio e, por isso, nas páginas do meu diário: fez saber que, em 2020, quando Israel abandonou, à última da hora, a operação para eliminar o líder do Pasdaran, Qasem Soleimani, ele ficou desapontado e, portanto, executou tudo sozinho, porque Soleimani havia causado a morte de muitos fuzileiros navais americanos.
As palavras de Trump – hoje – dirigem-se claramente sobretudo a Biden que não atingiu o Pasdaran, nem aos alvos iranianos, na sua reação ao assassinato dos fuzileiros navais por milícias certamente treinadas pelo Pasdaran. Em suma, no incêndio no Oriente Médio, Trump mostra que se sente confiante: saberia o que fazer para ampliar o conflito!
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Entretanto, quem já não sabe como sobreviver é o povo de Gaza, aquele a quem o mundo evidentemente nada tem a dizer, dado que Rafah - a última cidade antes da fronteira com o Egito onde foi obrigado a refugiar-se - poderia ser bombardeado.
As esperanças de um ponto de viragem - tanto para os civis de Gaza como para os reféns israelitas, que em todos estes meses de guerra não foram encontrados nem libertados - dependem de negociações que enfrentam enormes dificuldades, ainda longe de alcançar qualquer bom objetivo.
Gaza é agora o principal incêndio no centro de muitos incêndios na região, começando pelo já intenso na Cisjordânia. Um possível acordo sobre o “cessar-fogo” estaria ligado – em perspectiva – à constituição do Estado Palestino: atualmente uma miragem, se olharmos para os anos e as guerras que passaram desde que deveria ter sido travado – pacificamente – em 1948, ao lado de Israel!
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No entanto, esta é a única saída possível. Vários objetam que dividir o pedaço de terra em dois – entre a Terra de Israel e a Palestina – é, por razões históricas e ideais, impossível. Mas, no Mediterrâneo, existem muitos estados assim: estados inventados da noite para o dia, estados desenhados com uma régua no mapa geográfico. Será realmente impossível dividir a Terra em duas partes? Para mim não. Portanto, não estou a pensar, por exemplo, numa Jerusalém dividida em duas, mas finalmente numa cidade unida, com as suas duas vertentes administrativas, reguladas por uma legalidade partilhada e respeitada, de ambos os lados, criando então um município maior e grande município.
Mas, para o conseguir, precisamos de ultrapassar o problema mais grave que é o da colonização dos Territórios Palestinos, do qual - na nossa região - se fala muito pouco. Portanto, compreendemos muito pouco sobre as sanções impostas a quatro colonos violentos pelos Estados Unidos, uma medida que mal aborda o quebra-cabeça da divisão do território palestiniano.
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Então o mundo deve resignar-se? Sou daqueles que acreditam que este pragmatismo não é nada pragmático. O caminho principal, na minha opinião, não passa pelas doutrinas dos líderes da Casa Branca. Afirmo que nenhuma potência externa será capaz de impor as escolhas necessárias às partes, porque a paz nunca pode ser um ditame imperial: o modelo da pax Americana está agora, de fato, ultrapassado; Não funciona mais, se é que alguma vez funcionou. A única paz que pode realmente funcionar é entre os povos da região.
Claro: nem mesmo a retórica irenista funciona. Eu não sou a favor disso. Só o concreto faz as coisas mudarem. Estou a pensar na integração político-cultural de Israel no espaço do Oriente Médio, com plena cidadania em organismos regionais, como a atual Liga Árabe, com o reconhecimento de um verdadeiro Estado para os palestinos, seguindo as fronteiras de 67.
Para conseguir isto, o sistema político árabe deve, acima de tudo, mover-se e mudar. Mesmo aí as ideologias falharam – desastrosamente – deixando em campo o despotismo militarista, iliberal, autoritário e cleptocrático. Livrar-se desse sistema foi o empreendimento empreendido pela Primavera Árabe, que os regimes árabes sufocaram com ferocidade, com o Ocidente a apreciá-lo. Se o povo tivesse conseguido iniciar o processo de construção de democracias árabes, tingidas de Islã, como nós estamos tingidas de Cristianismo, a grande negociação com Israel poderia ter sido procurada.
Hoje, os regimes árabes não parecem estar interessados em integrar um Israel pacificado com os palestinos. O que interessa, se é que existe alguma coisa, é uma OTAN no Médio Oriente, com os EUA e contra o Irã. Se isso exigir a assinatura de um tratado com Israel, eles estão dispostos a fazê-lo. Mas sem uma verdadeira integração, porque metade do mundo árabe – sob o controlo dos pró-iranianos – levantar-se-ia. Teerã, de fato, reivindica o estatuto de protetor do Iêmen, da Síria, do Iraque e do Líbano.
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A crise da UNWRA é emblemática. Vou tentar explicar brevemente. Israel alegadamente descobriu que uma dúzia de funcionários da agência da ONU que lida com os refugiados palestinos – de um total de cerca de 30 mil – ajudaram o Hamas a levar a cabo o pogrom de 7 de Outubro. Os principais doadores, a começar pelos EUA, suspenderam, portanto, as suas contribuições para a UNWRA enquanto se aguardam esclarecimentos. Entretanto, o perigo de que ninguém cuide dos seres humanos que, na Faixa, sofrem com a fome, o frio, as doenças, as epidemias e a morte é cada vez maior.
Naturalmente, o exército israelita em particular notou isto, necessariamente: tal cenário poderia comprometer a continuação da campanha militar. Na verdade, abriu uma investigação para apurar como as notícias das acusações contra funcionários da UNWRA chegaram aos americanos, levando a que a crise financeira pesasse sobre a UNWRA.
Mesmo este cancelamento - se desejado - pode ser facilmente resolvido: basta uma contribuição extraordinária dos sauditas, dos Emirados, do Catar, do Kuwait ou de outros monarcas: e, no entanto, ninguém levanta um dedo, nem parece estar a pensar nisso.
Não estou dizendo que os iranianos, os sírios, os iraquianos, os libaneses devam fazê-lo, ou seja, aquela frente de “firmeza” que, em palavras, defende os palestinos sem nunca tê-los defendido: estes países, hoje, objetivamente, não não têm mais um dólar em seus cofres públicos, apenas nos privados.
Enquanto os petromonarcas – sim – obtêm enormes lucros: receitas petrolíferas que tornariam mais fácil evitar o apagão, não só em Gaza, mas em todos os campos de refugiados, já no final de fevereiro.
Mas, no momento, nada está acontecendo. Quem sabe se isto não é uma pressão política deliberada: dado que alguém terá que cuidar de Gaza depois que esta guerra terminar de alguma forma. E que as indicações da maioria recaem justamente sobre os petromonarcas.
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Diário de guerra (31). Uma saída para Gaza. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU