21 Novembro 2023
Em meio à guerra entre Israel e o Hamas a que assistimos, é mais necessário do que nunca compreender as causas históricas deste conflito que devasta a região há mais de um século.
Neste artigo proponho descrever em linhas gerais as mudanças territoriais pelas quais a região passou desde a criação do Estado de Israel em 1948.
A reportagem é de Eduardo Baura García, publicada por The Conversation, 18-11-2023. A tradução é do Cepat.
Eduardo Baura García, doutor em Ciências Humanas, diretor da Graduação em Educação, professor de História Contemporânea e Educação na Universidade CEU San Pablo.
No dia 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 181. Este acordo, referendado com 33 votos a favor, 10 abstenções e 13 votos contra, consagrou a divisão do Mandato Britânico da Palestina em dois Estados. Em termos gerais, a resolução contemplava a criação de um Estado fundamentalmente judeu, que correspondia aos territórios mais povoados pela referida comunidade, e outro território árabe, deixando Jerusalém – o local mais cobiçado tanto por judeus como por muçulmanos devido ao seu caráter sagrado – como zona de administração internacional.
Plano para a divisão do território da Palestina pela ONU, em 1947. Rowanwindwhistler/Wikimedia Commons, CC BY-SA
Ora, esta divisão em dois Estados, que hoje é aceita por grande parte da comunidade internacional como a melhor opção para resolver o conflito, não foi bem recebida na época por todos.
Muitos judeus saíram às ruas para celebrar a criação de um Estado nacional. Este era um anseio tradicional que se tornou mais intenso com a ascensão do sionismo e as perseguições às comunidades judaicas durante o final do século XIX e a primeira metade do século XX, especialmente durante o regime nazista. Não em vão, na festa da Páscoa judaica muitas famílias brindavam dizendo “no próximo ano, em Jerusalém”.
Embora nem todos os judeus fossem a favor do Estado de Israel – uma facção dos ultra-ortodoxos opôs-se, e continua a fazê-lo, uma vez que de acordo com o Talmud, os judeus não poderiam ter o seu Estado até a chegada do Messias –, a alegria da maioria desse povo contrastava drasticamente com a consternação com que a população árabe residente na Palestina recebeu a resolução da ONU.
Para eles, a divisão do território significou a negação do desejo de um Estado árabe que abrangesse toda a região. Além disso, significava que uma parte considerável da comunidade árabe viveria num Estado governado por judeus, algo que os muçulmanos não estavam dispostos a tolerar... e, de acordo com as pesquisas mais recentes, parece que os líderes judeus também não estavam dispostos a tolerar...
A resolução da ONU previa que a formação de ambos os Estados entrasse em vigor no dia 15 de maio de 1948, quando o último soldado britânico deixasse a região.
Entretanto, durante os meses que faltavam até aquela data, as facções mais violentas de ambas as comunidades decidiram travar uma luta feroz. O objetivo era que, através dos fatos, em maio de 1948 os territórios do seu respectivo país fossem maiores do que o estipulado no plano da ONU.
Naquela época ocorreram massacres realmente brutais, como o de Deir Yassin, localidade onde as forças paramilitares judaicas do Irgun assassinaram mais de cem árabes, incluindo mulheres e crianças. Uma atrocidade que seria denunciada até por Albert Einstein, uma das mais importantes personalidades judaicas da época.
Finalmente chegou o dia marcado em vermelho. No dia 14 de maio de 1948, de madrugada, David Ben Gurion proclamou o nascimento do Estado de Israel. Poucos minutos depois, foi reconhecido pelos Estados Unidos.
Nesse mesmo dia, os vizinhos Transjordânia, Egito e Síria, auxiliados por tropas iraquianas e libanesas, declararam guerra ao novo Estado. Passaram então a ocupar os territórios destinados a constituir o novo país da Palestina: a Cisjordânia, no caso da Transjordânia, e Gaza, ocupada pelo Egito.
Esta manobra foi um primeiro exemplo daquilo que, com o passar do tempo, se tornaria uma constante: a utilização do povo palestino nas mãos dos seus vizinhos árabes para alcançar os seus próprios objetivos políticos e territoriais.
Contra todos os prognósticos, Israel aproveitou-se da desunião do lado inimigo e conseguiu deter o seu avanço. Obteve assim uma vitória que, com o tempo, seria conhecida como “a guerra da independência”. Este nome contrasta com a denominação palestina do referido conflito: Nakba, “o desastre”.
Além de implicar o deslocamento de quase um milhão de refugiados palestinos, este primeiro conflito foi decisivo em termos geográficos. Após o armistício assinado em 1949 entre Israel, Egito, Transjordânia (e Jordânia), Líbano e Síria, o território palestino – um país que nunca foi efetivamente estabelecido – ficou dividido, até hoje, em duas áreas distintas: a Cisjordânia, ocupada pela Jordânia juntamente com a parte oriental de Jerusalém (incluindo o Muro das Lamentações) e Gaza, ocupada pelo Egito.
As guerras subsequentes entre Israel e os Estados árabes vizinhos apenas exacerbariam esta deriva territorial, em que o primeiro continuaria a aumentar a sua dimensão em detrimento dos palestinos. Isto aconteceu de forma marcante em 1967, após a brilhante e esmagadora vitória israelense na Guerra dos Seis Dias, que marcou a culminância das conquistas territoriais israelenses, ao tomar o controle da Cisjordânia, de Gaza, da Península do Sinai e das Colinas de Golã.
Israel e os territórios ocupados após a Guerra dos Seis Dias. Kordas/Wikimedia Commons, CC BY-SA
Contudo, a conquista mais importante e simbólica dos israelenses nesta guerra foi a conquista de Jerusalém Oriental. Pela primeira vez em mais de dois milênios, os judeus recuperaram o controle do seu santuário: o Muro das Lamentações, o único vestígio permanente do lendário Segundo Templo.
No entanto, os jordanianos mantiveram a autoridade sobre a Esplanada das Mesquitas localizada logo acima. Ali se encontram os lugares sagrados islâmicos que fazem de Jerusalém a terceira cidade sagrada para os muçulmanos: as mesquitas de al-Aqsa e a Cúpula da Rocha.
Após a Guerra do Yom Kippur (1973), na qual a Síria e o Egito pegaram o governo israelense de Golda Meir desprevenido e estiveram prestes a derrotá-lo, começaram as conversações entre Israel e o Egito.
Estas negociações culminaram nos Acordos de Camp David de 1977. Estes representaram o primeiro reconhecimento oficial da existência de Israel por um Estado árabe – o que custaria a vida do presidente egípcio Anwar el-Sadat anos mais tarde –, bem como a retirada israelense da Península do Sinai.
Contudo, na Palestina as coisas não mudaram e a sua população continuou exigindo a criação do seu próprio Estado. Após a Primeira Intifada, a OLP, uma organização liderada por Yasser Arafat que afirmava representar o povo palestino, começou a negociar diretamente com Israel. Os resultados destas conversações foram a Conferência de Paz de Madri (1991), primeiro, e os Acordos de Oslo/Washington (1993), mais tarde. Este foi o momento em que se esteve mais perto de alcançar uma solução pacífica para o conflito, embora os elementos mais extremistas, tanto do lado israelense como do lado palestino, tenham sido responsáveis por arruinar essas esperanças. O melhor exemplo foi o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, em 1995, pelas mãos de um extremista nacionalista israelense.
Apesar de tudo, estes acordos, baseados na premissa “paz por territórios”, deixaram claro o roteiro que deveria ser seguido no futuro. Em troca da cessação das atividades terroristas da OLP e de outros movimentos palestinos, Israel devolveria os territórios até então ocupados na Cisjordânia. Isto seria feito através de um sistema complexo em que este território seria dividido em três tipos de zonas (A, B e C), que gozariam de diferentes graus de autonomia, com o objetivo de se tornarem progressivamente zonas independentes de Israel. Tal fim nunca foi alcançado, mas ocorreu a divisão entre as três zonas, resultando numa configuração territorial ainda mais complicada da Cisjordânia.
Mapas do Estado de Israel e da Palestina. O da esquerda é de 1994, após os Acordos de Oslo. Em azul claro, o Estado de Israel; em azul escuro, os territórios da Cisjordânia ocupados ilegalmente por Israel, e em verde, os territórios palestinos controlados pela ANP. No mapa da direita, de 2007, pode-se ver como a Faixa de Gaza, em vermelho, não é mais controlada pela OLP, mas pelo Hamas. Wikimedia Commons, CC BY-SA
Em 1994, a Autoridade Nacional Palestina tornou-se o titular nominal do governo tanto em Gaza como na Cisjordânia. Esta situação perdurou até 2006, quando o Hamas venceu as eleições em Gaza e assumiu o poder naquele território. Desde então, o que conhecemos como Palestina tem sido governado de uma forma bidirecional, com uma ANP mais moderada na Cisjordânia e um Hamas beligerante e violentamente anti-Israel na Faixa de Gaza.
Apesar das diferentes escaladas que ocorreram na região – guerras entre Israel e o Líbano, diferentes intifadas… –, desde então a situação territorial não mudou substancialmente. O que restou foi a ocupação constante por Israel de áreas da Cisjordânia através da criação de colonatos que foram repetidamente denunciados como ilegais pela ONU.
Esta política expansionista, intensificada nos últimos meses pelo Governo de Benjamin Netanyahu, somada ao histórico de privações sofridas pelo povo palestino, estão sem dúvida entre as razões do sangrento ataque do Hamas no dia 7 de outubro. Uma ação terrorista desprezível que deve ser condenada com força e sem paliativos, mas que não pode ser compreendida sem ter em conta a evolução territorial da região durante as últimas décadas. Dessas poeiras, essas lamas.
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De Davi a Golias, ou como Israel vem ganhando territórios desde 1948 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU