"Considerando todas as dinâmicas desvantajosas que estão a convergir rapidamente hoje em dia, há poucas dúvidas de que a guerra por procuração da OTAN contra a Rússia está a diminuir, embora isso não signifique automaticamente que o conflito irá congelar em breve", escreve Andrew Korybko, em artigo publicado em sua newsletter e enviado pelo autor ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou e autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular).
Eis o artigo.
O fracasso da contra-ofensiva da Ucrânia, a vitória da Rússia sobre a OTAN na “corrida da logística”, a priorização da ajuda a Israel pelo Ocidente no meio da sua guerra com o Hamas, a disfunção do Congresso dos EUA e a próxima época eleitoral combinaram-se para criar uma crise para a guerra por procuração da OTAN, na Rússia através da Ucrânia. Estas análises a partir do final de Agosto irão colocar todos a par do que está a acontecer, caso não tenham acompanhado de perto este conflito da Nova Guerra Fria nos últimos meses:
- 18 de agosto: “Um cruel jogo de culpa está estourando depois que a contra-ofensiva previsivelmente falhou”;
- 20 de agosto: “Os legisladores dos EUA são pegos em um dilema criado por eles mesmos após a contra-ofensiva fracassada”;
- 25 de agosto: “Os artigos críticos do NYT e do WSJ sobre a contra-ofensiva de Kiev explicam por que ela falhou”;
- 3 de setembro: “Os principais meios de comunicação canadenses revelaram que equipamentos médicos deficientes colocam em perigo um milhão de soldados ucranianos”;
- 7 de Setembro: “O principal oficial militar da Polónia desacreditou acidentalmente a OTAN em vários aspectos”;
- 9 de setembro: “WaPo relatou que os ucranianos desconfiam do Ocidente e flertam com um cessar-fogo”;
- 14 de setembro: “Por que Zelensky foi excessivamente defensivo em sua última entrevista com o economista?”;
- 14 de setembro: “O New York Times confirmou que a Rússia está muito à frente da OTAN na corrida da logística”;
- 31 de outubro: “A revista Time compartilhou algumas verdades ‘politicamente inconvenientes’ sobre a Ucrânia”;
- 3 de novembro: “O Comandante-em-Chefe da Ucrânia fez um último apelo pela ajuda americana”;
- 5 de novembro: “O New York Times quer que todos saibam sobre a crescente rivalidade Zelensky-Zaluzhny”;
- 8 de novembro: “Os últimos relatórios sugerem que estão ocorrendo negociações secretas entre os EUA e a Rússia”;
- 14 de Novembro: “O público ocidental deve prestar atenção às palavras do ex-comandante supremo da OTAN sobre a Ucrânia”;
- 19 de novembro: “Zelensky está desesperado para desacreditar preventivamente os protestos potencialmente futuros contra ele”;
E aqui está uma série de relatórios dos últimos dias mostrando o quanto tudo mudou:
- 16 de Novembro: “Acabar com o ‘pensamento mágico’ sobre derrotar a Rússia – especialistas dos EUA”;
- 16 de novembro: “Os tanques Abrams dos EUA não fizeram diferença – Zelensky”;
- 17 de novembro: “Zelensky teme um novo ‘Maidan’ – Bloomberg”;
- 17 de novembro: “Biden assina projeto de lei de financiamento que exclui a Ucrânia”;
- 18 de novembro: “Bidens deu as boas-vindas aos russos – vice-primeiro-ministro”;
- 18 de novembro: “O principal assessor de Zelensky critica a lentidão na entrega de armas ocidentais”;
- 19 de Novembro: “A Ucrânia deve preparar-se para a perda do apoio dos EUA – ex-embaixador”;
- 19 de novembro: “Bloomberg descreve como a Rússia ignorou as sanções”;
- 19 de novembro: “O principal assessor de Zelensky questiona a ‘sobrevivência’ da Ucrânia”;
- 20 de Novembro: “O tempo está se esgotando para a ajuda militar dos EUA à Ucrânia – NBC”;
- 20 de novembro: “Zelensky exige ‘mudanças rápidas’”;
- 20 de Novembro: “Ucrânia ‘totalmente dependente’ da ajuda dos EUA – Secretário do Tesouro”;
- 20 de novembro: “FIQUE FORA: Zelensky alerta os generais ucranianos que envolver-se na política coloca em risco a unidade do país”;
- 20 de Novembro: “Ucrânia ‘preocupada’ com a pressão ocidental para negociações com a Rússia – chefe de segurança”;
- 21 de Novembro: “Não há ‘bala de prata’ para a Ucrânia – Washington”;
- 21 de novembro: “Ucrânia em ‘grandes problemas’ – ABC News”.
Essa série de relatórios acrescenta credibilidade à avaliação de que esta guerra por procuração parece estar a diminuir.
As principais conclusões são que: 1) a ajuda financeira e militar ocidental está de facto a evaporar; 2) A Ucrânia está agora em pânico e a espalhar medo sobre o futuro; 3) as rivalidades políticas nesse país estão a intensificar-se; 4) o Ocidente está de facto a pressionar a Ucrânia para encetar conversações de paz com a Rússia com o objectivo de congelar o conflito; e 5) protestos populares orgânicos poderão eclodir em breve em toda a Ucrânia. Contudo, não era assim que tudo deveria ser, uma vez que Kiev prometeu um futuro completamente diferente.
Parece que foi há muito tempo, mas há apenas seis meses o Ocidente estava a exaltar toda a gente sobre o que esperar da então iminente contra-ofensiva de Kiev, que deveria ser um golpe de mestre de Clausewitz que mostraria a superioridade militar do Ocidente. Em vez de a Rússia ser perseguida até às suas fronteiras anteriores a 2014, no entanto, o New York Times admitiu no final de Setembro que “a Rússia controla agora quase 200 milhas quadradas a mais de território na Ucrânia em comparação com o início do ano”.
Muito claramente, que um país por si só foi capaz de resistir ao ataque da guerra por procuração das “mais de 50 nações” que Biden recentemente se vangloriou de terem se juntado aos EUA no armamento da Ucrânia. Mesmo contra essas probabilidades, em última análise, foi a Rússia – e não a Ucrânia – que lançou com sucesso a sua própria contra-ofensiva, expandindo a área sob o seu controlo em 200 milhas quadradas. No entanto, os arsenais ocidentais foram esgotados e o que resta está destinado a Israel, pelo que essa métrica poderá multiplicar-se no início do próximo ano.
Se a frente acabar por entrar em colapso na direcção oposta à que o Ocidente esperava que acontecesse há apenas meio ano, então este bloco da Nova Guerra Fria poderá sentir-se pressionado a lançar uma intervenção convencional no terreno para salvaguardar alguns dos ganhos que o seu povo pagou mais de US$ 160 bilhões para garantir. Nesse cenário, o risco de a Terceira Guerra Mundial rebentar por erros de cálculo aumentaria, o que nenhum decisor político responsável deseja que aconteça. Afinal, por mais radical que seja a elite ocidental, não é suicida.
A Rússia também está ciente do que está em jogo se conseguir alcançar um avanço nos próximos meses, caso a frente entre em colapso como resultado dos problemas multidimensionais da Ucrânia, e é por isso que parece ainda estar comprometida com os fortes sinais do Presidente Putin deste Verão sobre a negociação paz. Contudo, enquanto Zelensky se recusar a cumprir as exigências dos seus patronos ocidentais a este respeito, o cenário acima mencionado permanecerá credível e poderá materializar-se mais cedo ou mais tarde.
É aí que reside a importância da sua crescente rivalidade com o Comandante-em-Chefe Zaluzhny. O principal oficial militar da Ucrânia poderia orquestrar um golpe militar com a aprovação do Ocidente – independentemente de se seguir à eclosão de protestos populares orgânicos – ou ser deposto por Zelensky com a sua aprovação como recompensa por recomeçar negociações de paz significativas com a Rússia em alguma capacidade. Seja como for, espera-se que Zaluzhny desempenhe um papel importante nos próximos meses, seja como “herói” ou “vilão”.
Considerando todas as dinâmicas desvantajosas que estão a convergir rapidamente hoje em dia, há poucas dúvidas de que a guerra por procuração da OTAN contra a Rússia está a diminuir, embora isso não signifique automaticamente que o conflito irá congelar em breve. Provavelmente continuará, mesmo que apenas em baixa escala, à medida que as negociações de paz, incluindo as potencialmente secretas, ocorrerem (a menos que a ameaça onipotente de um cisne negro se materialize). Para todos os efeitos, no entanto, esta guerra por procuração será provavelmente travada num ritmo diferente a partir de agora.
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