Ucrânia e uma guerra que atualiza conceitos e nos faz repensar sobre a globalização no século XXI

No espaço do IHU Ideias de hoje, Bruno Cava mergulhará nas questões de fundo do conflito e seus desdobramentos no que considera “novas linhas da globalização”

Foto: Joachim Schnürle | Pixabay

Por: João Vitor Santos | 11 Agosto 2022

 

Talvez os mais desavisados possam não ter mais percebido, mas o conflito que pôs o mundo em alerta e com a respiração trancada segue em curso. Se por um lado o dia 24 de fevereiro de 2022 parece distante, quem vive no território ucraniano não esquece um só dia que estão em guerra desde que as tropas russas de Vladmir Putin avançaram sobre suas fronteiras. Aliás, se a pauta da guerra foi esfriando nas manchetes dos jornais pelo mundo, no tabuleiro da geopolítica os confrontos seguem quentes. Ou seja, significa pensar que essa guerra, para além de todas as causas e efeitos mais diretos, nos abre uma espécie de rasgo epistêmico e nos coloca rendidos diante de conceitos que já considerávamos dominados há séculos, como o de globalização. Afinal, diante desse cenário, no que consiste pensar em globalização na terceira década do século XXI?

 

Essa é apenas uma das questões que devem nortear as reflexões de Bruno Cava na conferência do próximo IHU Ideias, intitulada “Guerra na Ucrânia e as novas linhas da globalização. Impactos globais e no Brasil”. A atividade, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ocorre logo mais às 17h30min, com transmissão ao vivo.

 

 

 

Em artigo publicado no sítio do IHU em julho desse ano, e que reproduzimos abaixo, Cava já dava indícios por onde andam suas reflexões enquanto acompanha o avançar dessa guerra. Evocando Jean Baudrillard e suas elaborações acerca de signos e como, de forma displicente, vivemos ameaças bélicas globais como a Guerra no Golfo e a Guerra Fria, que poderiam bem ter descambado para uma III Guerra Mundial, olha para o conflito de hoje entre Rússia e Ucrânia e pontua: “na nossa transposição, Putin ocupa a posição de Bush pai e a Rússia a dos Estados Unidos, embora Putin não tenha conseguido reunir uma frente ampla consigo, mal tendo êxito em arregimentar a vizinha Belarus no esforço de guerra. Mas a operação da guerra de informação no interior de uma campo tramado de representações, o que Baudrillard chama de hyperréalité, é bastante parecida”.

  

 

A inferência de Cava chega depois de trabalhar muito bem Baudrillard e esses conflitos, mas, mesmo assim, de sopetão, nos revela que a velha ideia de nacionalismo e imperialismo talvez não deem conta desse mundo em que vivemos. Aliás, como nunca, sua análise alerta para o fato de que, numa guerra, não há vilão e mocinho, como figuras estáticas num jogo de poder. Segundo Cava, não podemos perder a perspectiva que há “de um lado, Putin, tecnopopulista megalomaníaco que se imagina combatendo uma guerra híbrida contra todo o Ocidente, a resgatar e recauchutar o imaginário da Guerra Fria, digerível para os apparatchiks putinistas pelo mundo e suas nostalgias do mundo binário”. E, ainda, a de que há “do outro, Zelensky, o herói iconopolítico que funciona com as imagens indexadas pela experiência vívida da guerra, conseguindo falar com as multidões e para elas, angariar pressões relevantes sobre governos aliados e reforçar o esforço de guerra para além das fronteiras ucranianas”.

 

Guerra híbrida

 

Nessa mesma análise de julho, Bruno Cava suscita uma outra reflexão sua, também publicada pelo IHU, só que em abril de 2022. Nesse primeiro texto de 2022, que reproduzimos abaixo, ele provocou a pensarmos na guerra que ocorre na Ucrânia não nos habituais moldes das guerras do século XX, mas como o que chamou de guerra híbrida. O conceito é tomado por ele a partir do trabalho de Jonas Medeiros na resenha da obra de Andrew Korybko, “Guerras Híbridas: das revoluções coloridas aos golpes” (Expressão Popular, 2018).

 

 

Cava adverte que “Guerra Híbrida é um conceito bastante controverso na teoria da estratégia. A literatura é repetitiva e o conceito pode significar muitas coisas ou quase nada”. Recorda que “surgiu no contexto da reorientação das Forças Armadas norte-americanas, na sequência aos atentados de 11 de Setembro de 2001. A Guerra Híbrida fora ali invocada na forma de um grande alerta ou perigo, endereçado aos ‘estrategas’ e ‘policymakers’ do país. Com o fim da Guerra Fria, se argumentava, de nada adianta a superioridade acachapante dos Estados Unidos em meios de guerra se o inimigo no século XXI era outro, capaz de renivelar as suas desvantagens comparativas”. Mas, agora, no atual cenário, observa que o conceito é peculiar “porque esclarece a ligação entre as Guerras Híbridas e o rechaço ao ciclo de lutas exprimido pelas primaveras árabes (2010-16)”.

 

 

 

Embora cometamos aqui um salto de ideias na fruição da reflexão de Cava ao longo do texto, pulamos para o ponto em que indica que pensar na situação do conflito entre Rússia e Ucrânia desde uma perspectiva da Guerra Híbrida permite pensar este não como um fato isolado. Pelo contrário, é ainda olhar para a realidade brasileira tendo em perspectiva movimentos políticos por detrás das cortinas do palco de guerra. É o que chama “putinização” das esquerdas e que, por sua vez, respinga na realidade brasileira. Para Cava, o quadro composto para pensar a Guerra orquestrada pela Rússia pode ser o mesmo pelo qual a esquerda brasileira leu fenômenos como Junho de 2013 e até mesmo o impeachment de 2016.

 

“A invasão da Ucrânia em 2022, que não é um fator distante nem alienígena às preocupações brasileiras, ainda menos em ano eleitoral. Segundo a matriz narrativa das Guerras Híbridas, Putin não está agredindo o país vizinho. Nessa lógica, ele está simplesmente elevando o batente de uma guerra preexistente, da condição não-convencional e denegável para a convencional e atribuível, assim recalibrando os níveis e as escalas da resposta russa à agressão híbrida conduzida pelo Ocidente. Essa guerra precede a entrada das tropas em 24 de fevereiro”, aponta Cava.

 

Trabalhando com as linhas

 

Inquieto como é, Bruno Cava ainda complexifica mais o olhar para enxergar estes tempos que temos vivido. São tempos de uma guerra erguida sobre raízes que dizem mais de nossa realidade do que podemos imaginar. Talvez seja por isso que, em sua página no Facebook, diz que precisamos tanto de linhas rígidas quanto flexíveis e de fuga para “pensar teoria e prática na globalização na terceira década do século XXI”. Assim, a partir do que nomina como lutas tanto na Ucrânia quanto no Brasil, busca inspiração em Paul Klee para, com ajuda de Giuseppe Cocco, constituir uma análise desses quadros de luta a partir de um “trabalho das linhas”.

 

 

Trabalho esse que define como o traçado de “algumas linhas de reflexão sobre a mundialização”.

 

“Em sua antropologia comparada da linha, Tim Ingold nos lembra: 'O que há de comum entre caminhar, costurar, cantar, contar uma história, desenhar e escrever? A resposta é que todas essas ações se desenrolam segundo diferentes tipos de linhas'. As linhas estão por toda parte, mas diferem umas das outras. Para Delanda, as civilizações se distinguem umas das outras pelo fato de serem ou não lineares. Ingold sugere outro caminho, outra linha de diferenciação. A questão não é de linearidade ou não-linearidade, mas quem impõe essas linhas”, reflete.

 

Saiba mais sobre Bruno Cava

 

Graduado em Engenharia pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, pela qual também é mestre em Filosofia do Direito, oferece cursos livres presenciais e online por meio do canal Horazul (Youtube). Autor de vários livros, como "A multidão foi ao deserto" (Annablume, 2013) e, com Alexandre Mendes, "A constituição do comum" (2017).  No próximo semestre, juntamente com Giuseppe Cocco, lançará o livro "A vida da moeda; crédito, imagens, confiança", pela editora Mauad.

 

Bruno Cava 

Foto: acervo IHU

 

 

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