22 Março 2023
Enquanto Justin Welby comemora seu 10º aniversário como arcebispo de Canterbury, analisamos seus esforços incomuns para colocar sua Igreja em declínio no caminho da evangelização.
A reportagem é de Matthieu Lasserre, publicada por La Croix International, 21-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Andrew Morsley sai da estação de Farringdon, no centro de Londres, debaixo de uma chuva torrencial. Apesar das greves que paralisam a capital britânica, esse diretor operacional do sistema de transportes de Londres está trabalhando hoje. “Temos que ajudar as pessoas a encontrarem seu caminho”, sorri, antes de se dirigir a um café próximo.
Na casa dos 40 anos, com seu cabelo penteado para trás, Morsely não apenas orienta os londrinos em suas jornadas diárias. Nos últimos três anos, ele também liderou uma comunidade de uma dezena de fiéis anglicanos em Harrow, seu bairro no noroeste de Londres.
“Começamos a nos encontrar por videoconferência regularmente durante a pandemia”, diz ele, enquanto derrama leite em seu chá. “Mas, depois que o lockdown acabou, minha esposa e eu sentimos que Deus nos chamava para nos envolvermos em nosso bairro. Era estranho dirigir até a igreja todos os domingos”, lembra ele.
Agora a comunidade se reúne todos os domingos nas casas de seus membros e uma vez por mês em um café. Orações e a partilha da Bíblia substituem o culto e os sacramentos.
Esses encontros inspirados no Evangelho aumentaram em toda a Inglaterra nos últimos 10 anos – desde que o Dr. Justin Welby foi empossado como arcebispo de Canterbury em 21 de março de 2013. Desde que se tornou o bispo presidente da Igreja da Inglaterra, esse veterano de cargos administrativos na indústria do petróleo empreendeu um projeto de evangelização de alcance sem precedentes no secularizado Velho Continente.
O plano de visão e de estratégia da Igreja, liderado pelo arcebispo Stephen Cottrell, de York, e uma iniciativa chamada Myriad, foram adotados em 2021. O objetivo é criar 10.000 comunidades locais lideradas por leigos, como aquela em que Morsley está envolvido, até o ano de 2030. Foi através da Myriad que Morsley pôde frequentar cursos de formação para aprender a liderar seu grupo. “Eu senti que podia usar minhas habilidades de gestão para servir à minha fé”, diz ele.
Por dois anos e meio, líderes como ele aprendem a administrar a comunidade, enquanto mantêm uma conexão com um padre anglicano ordenado. “Em vez de enviar um seminarista para nove anos de formação, decidimos ajudar os leigos a assumirem a liderança”, explica o Pe. John McGinley, diretor da Myriad.
“Assim, dizemos às pessoas que, se tiverem uma visão de uma nova forma de ser Igreja junto àquelas pessoas que não vêm aos cultos, vamos apoiá-las e treinar voluntários onde estiverem. Isso também ajuda a compensar o declínio no número de padres”, aponta.
McGinley acredita que essa iniciativa pode conter o declínio contínuo no número de fiéis. De acordo com suas próprias estatísticas mais recentes, a Igreja da Inglaterra passou de mais de um milhão de membros em 2009 para cerca de 850.000 em 2019 antes da pandemia. Esse é o menor número de todos os tempos.
Atualmente, de 20 a 25 igrejas estão sendo fechadas a cada ano. Cerca de 11% delas foram fechadas entre 1969 e 2010. “Costumo dizer que estamos em declínio constante há 70 anos. Você acha que talvez devamos tentar algo diferente?”, brincou o diretor do Myriad.
Em seus esforços para dar nova vida ao anglicanismo nas Ilhas Britânicas, Welby e a Igreja da Inglaterra estão tentando ir além do círculo daqueles que praticam sua fé. Em seu escritório na novíssima Lambeth Palace Library, inaugurada em 2021 no terreno da residência do arcebispo de Canterbury, em Londres, o bispo Graham Tomlin observa a chuva batendo na janela.
Ele é o diretor do Center for Cultural Witness, um projeto que o Dr. Welby criou. “Nossa tarefa é levar a palavra da Igreja da Inglaterra para a nossa sociedade”, explica Tomlin. “Criamos um programa para permitir que as principais vozes cristãs, de membros do Parlamento a bispos, teólogos e artistas, afinem suas vozes para testemunhar o modo como os cristãos veem o mundo.”
O centro também lançou um site de informações em 15 de março, chamado “Seen and Unseen”. O objetivo é ser “um lugar para encontrar pontos de vista cristãos sem entrar em controvérsias”, diz o bispo.
Para entender esse impulso evangélico e evangelizador, é preciso saber de onde Justin Welby veio. Sua vocação está enraizada no bairro nobre de Brompton, especificamente na Paróquia da Santíssima Trindade, onde ele foi um líder leigo por muito tempo.
Foi aí que os cursos Alpha foram criados. Essa fórmula, que propõe um processo de conversão a partir da (re)descoberta dos fundamentos do cristianismo, destinava-se inicialmente aos fiéis, antes de ser estendida aos não crentes ou pessoas que se afastaram da Igreja. Desde os anos 1990, esses cursos se espalharam por todo o mundo cristão e tornaram a Holy Trinity Brompton (HTB) famosa.
A visão de Welby para a Igreja da Inglaterra tem sua gênese aí. A rede, que se caracteriza por uma proposta espiritual fortemente influenciada pela renovação carismática, especializou-se há muito tempo em estabelecer novas igrejas.
“Nos anos 1980, começamos a reviver paróquias abandonadas”, lembra Mark Elsdon-Dew, diretor de comunicações e criação de igrejas. “Então, com o passar do tempo, desenvolvemos nossas próprias comunidades por conta própria.”
Quanto a Alpha moldou o trabalho do Dr. Welby como arcebispo de Canterbury? “Assim como nós, Justin apoia muito a criação de novas comunidades”, enfatiza Elsdon-Dew.
“Seria uma caricatura reduzir Welby à HTB, mas ela desempenhou um papel importante, sem dúvida”, diz David Porter, que atuou muitos anos como chefe de gabinete do arcebispo de 2016 a 2022. “O evangelismo é uma prioridade máxima para Justin Welby, junto com a oração e a renovação da vida religiosa”, acrescenta Porter, que agora trabalha meio turno como consultor estratégico do Palácio de Lambeth.
Todas essas iniciativas estão tendo dificuldade em chegar a alguns clérigos anglicanos. Para muitos, esses projetos são feitos em detrimento das paróquias, ao direcionar uma parte substancial do orçamento da Igreja da Inglaterra para essas comunidades.
“No entanto, vários relatórios e estudos mostram que as paróquias são o principal fator de desenvolvimento”, diz a Rev. Alison Milbank, uma pastora em Nottingham que critica a HTB. Ela lamenta que os leigos não recebam uma formação adequada. “Uma iniciativa anterior, com meios financeiros significativos, tinha surgido em 2014”, acrescenta. Milbank lançou uma campanha chamada “Save the Parish” em agosto de 2021.
“Dos 90.000 novos membros esperados, a Igreja da Inglaterra acumulou menos de 13.000”, aponta ela. “A tradição anglicana se baseia na Eucaristia e em seu clero, que formam sua espinha dorsal”, insiste Milibank. “De fato, estamos perdendo aquilo que nos torna fortes. Só nos resta segurar firme, à espera de tempos melhores.”
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O homem que está tentando impedir o declínio da Igreja Anglicana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU