08 Agosto 2022
Os coordenadores da Conferência de Lambeth procuraram enfatizar pontos de unidade interna pelas 42 províncias da Comunhão Anglicana de todo o mundo através da fé cristã, apesar das profundas divisões sobre a sexualidade humana. Em 04 de agosto, os mais de 650 bispos reunidos na Universidade de Kent ampliaram seus focos para lutar por unidade entrar todas as denominações cristãs, assim como esforços para construir pontes entre cristãos e povos de outras fés.
A reportagem é de David Paulse, publicada por Episcopal News Service, 04-08-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
As duas plenárias do dia apresentaram painelistas compartilhando suas experiências com relações ecumênicas e inter-religiosas, e a sessão fechada dos bispos no final do dia ocupou dois Chamados de Lambeth, que são os documentos que esta conferência está usando para iniciar a discussão e recomendar pistas de ação aos bispos para quando regressarem às suas províncias e dioceses.
“A desunião da Igreja é uma ferida contínua e prejudicial no corpo de Cristo”, diz o Chamado à Unidade dos Cristãos, referindo-se a um século de história de trabalho ecumênico desde que “Um apelo a todos os cristãos” foi emitido pela Conferência de Lambeth de 1920. O Chamado à Unidade dos Cristãos, no entanto, diz que o progresso diminuiu nos últimos anos, limitando a capacidade das Igrejas cristãs de compartilhar mais de perto os ministérios e sacramentos, incluindo a Comunhão Anglicana. Também está em jogo o testemunho cristão compartilhado pela reconciliação “em um momento em que em muitas partes do mundo, a regulamentação governamental, a perseguição e até o terrorismo tornam os cristãos vulneráveis em sua vida e testemunho”.
O texto em português dos Chamados de Lambeth.
“Apesar de nossas divisões, reconhecemos em outras Igrejas cristãs a fecundidade da obra do Espírito Santo, o compromisso com a proclamação do Evangelho e a lealdade à instituição dos sacramentos de Jesus que prezamos em nossas próprias vidas”, diz o Chamado à Unidade dos Cristãos.
A presença de cerca de 40 representantes de outras Igrejas, organizações cristãs e parceiros ecumênicos pode ser vista como um sinal de esperança. Esses indivíduos se juntaram ou planejam se juntar à reunião dos bispos anglicanos na Universidade de Kent até 8 de agosto, e vários convidados foram recebidos como palestrantes para a primeira plenária deste nono dia da conferência.
O cardeal católico romano Kurt Koch, prefeito do Dicastério para a Promoção da Unidade Cristã, não pôde comparecer pessoalmente à Conferência de Lambeth, mas apresentou uma declaração escrita que foi lida em seu nome pelo reverendo Anthony Currer. Referia-se ao tema da Conferência de Lambeth, “Igreja de Deus para o Mundo de Deus”, que foi escolhido pelo arcebispo de Canterbury, Justin Welby, que está convocando a conferência.
“Este lema só pode ser fiel ao seu significado se a Igreja puder realizar sua missão global de forma reconciliada”, disse Koch em sua declaração, que examinou alguns dos desafios para melhorar as relações ecumênicas. “Precisamos de uma visão comum, porque nos distanciaremos se não apontarmos para um objetivo comum”.
David Wells, vice-presidente da Conferência Mundial Pentecostal, também falou dos desafios e benefícios do ecumenismo.
“O ecumenismo espiritual nos ajudou a chegar cada vez mais à mesa”, disse Wells sobre sua igreja. Ele reconheceu que quando as denominações se concentram apenas em suas próprias práticas cristãs, “alguém pode acabar com um conjunto fixo de identidade, e isso pode levar a uma visão míope da família de Deus e disso às vezes surge arrogância e julgamento”. As Igrejas cristãs podem manter suas crenças centrais, disse ele, mas também “entendem que há muito mais a aprender com nossos outros irmãos e irmãs”.
Dois outros palestrantes destacaram as maneiras pelas quais os membros da igreja cristã global podem responder juntos às questões do dia. O arcebispo ortodoxo grego Nikitas, de Thyateira e da Grã-Bretanha, citou o exemplo do tráfico de pessoas e formas modernas de escravidão. “Os pecados do passado estão vivos e prosperando em um mundo moderno que ousa falar de direitos humanos, justiça e verdade”, disse o arcebispo. “Portanto, é hora de nós, como cristãos, unificarmos nossos esforços e fazermos o que Deus exige para falar contra a injustiça e todo mal”.
E representando a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a reverenda Marinez Bassotto, bispa da Amazônia, descreveu alguns dos trabalhos recentes de sua diocese com parceiros ecumênicos para apoiar os direitos dos povos indígenas. Eles foram oprimidos por um governo que permite abusos contínuos por empresas famintas por suas terras e seus recursos, disse ela.
“A Igreja é testemunha de que somente com respeito incondicional é possível viver de acordo com Cristo”, disse Bassotto por meio de um intérprete.
A referência aos grupos anglicanos separatistas que formaram suas próprias províncias sobre divergências teológicas e doutrinárias, particularmente sua oposição à plena inclusão LGBTQIA+ na vida da Igreja, estava ausente dessas discussões oficiais. A Igreja Anglicana na América do Norte, ou ACNA, e a Igreja Anglicana no Brasil não são reconhecidas como províncias membros da Comunhão Anglicana, embora ainda mantenham relações com algumas das províncias e bispos mais conservadores da comunhão.
Welby havia convidado a ACNA para participar desta Conferência de Lambeth, mas como observador. O arcebispo da ACNA Foley Beach respondeu recusando-se a participar, “enquanto o arcebispo de Canterbury estiver convidando bispos para Lambeth que estão vivendo em imoralidade e continuando a rasgar o tecido da Comunhão”.
A relação entre a ACNA e a Comunhão Anglicana é complicada, o reverendo Will Adam falou ao ENS quando perguntado sobre o rótulo de observador da ACNA. Adam foi secretário-geral adjunto da Comunhão Anglicana e hoje serve como arquidiácono de Canterbury.
Outras Igrejas cristãs foram convidadas a participar como observadores ecumênicos ou participantes, mas não existe uma categoria tão fácil ou estabelecida para Igrejas que são compostas em grande parte por grupos separatistas de ex-membros da Comunhão Anglicana. “Você não pode colocar a Igreja Anglicana da América do Norte na mesma caixa que a Igreja Ortodoxa Grega”, disse Adam.
“O que eu estaria realmente interessado em ver no futuro é se a próxima geração, particularmente a Igreja Anglicana na América do Norte – se a próxima geração ainda acabar lutando as mesmas batalhas que as anteriores”, disse Adam. A geração de líderes da ACNA “que não deixaram nada” pode alimentar a esperança de um degelo nas relações.
O bispo John Bauerschmidt, da Diocese Episcopal do Tennessee, em entrevista ao ENS, disse que não estava ciente de nenhum diálogo episcopal ou anglicano em andamento com a ACNA, mas, como Adam, expressou esperança para o futuro. Bauerschmidt é membro de um grupo de bispos episcopais e anglicanos canadenses conservadores conhecidos como Communion Partners (Parceiros da Comunhão).
“Às vezes, são aqueles que estão mais próximos de nós onde há mais atrito”, disse ele, observando que muitos clérigos da ACNA são ex-clero episcopal. “Há uma nova geração em cada igreja que não compartilha essa história e também não compartilha a história de conflito, então haverá um novo dia no relacionamento entre nossas igrejas, pois há uma mudança geracional. Essa seria minha esperança e oração”.
Bauerschmidt, que também serviu no mês passado no Comitê de Relações Ecumênicas e Inter-religiosas da 80ª Convenção Geral, disse estar satisfeito que esta Conferência de Lambeth tenha dado um perfil tão alto à unidade cristã. “As pessoas às vezes falam sobre um 'inverno ecumênico'”, disse ele. “Acho que o inverno ecumênico está começando a derreter”.
Ele apontou exemplos do que é conhecido como “ecumenismo receptivo” por meio de organizações e iniciativas como o Conselho Mundial de Igrejas e a Comissão Internacional Anglicana-Católica Romana. “É uma espécie de vontade de ver os dons que cada um traz para ajudar a construir ambas as Igrejas”, disse ele.
Quanto às relações inter-religiosas, “seria um erro que os cristãos simplesmente se concentrassem em seu próprio diálogo dentro da família cristã”, disse Bauerschmidt. “Devemos estar cientes do que está acontecendo em outras tradições religiosas”.
A plenária da tarde sobre as relações inter-religiosas foi intitulada “Hospitalidade e Generosidade”. A oradora principal, a bispa Guli Francis-Dehqani, de Chelmsford, da Igreja da Inglaterra, compartilhou sua experiência de infância como refugiada cristã. Sua família fugiu do Irã quando ela tinha 14 anos em resposta à Revolução Iraniana de 1979. Seu pai era o bispo anglicano da diocese no Irã, e seu irmão foi morto lá, presumivelmente devido a sua ligação com a Igreja.
E, no entanto, disse Francis-Dehqani, ela se sentiu chamada por sua fé cristã a desvendar o paradoxo do envolvimento cristão com outras religiões “quando elementos dessas religiões nos desejam mal”. Ela passou a acreditar que “os males que se abateram sobre a igreja não são um reflexo de toda a fé islâmica”, disse ela, assim como a violência das Cruzadas medievais e os movimentos nacionalistas cristãos de hoje não são um reflexo de toda a fé cristã.
O Chamado de Lambeth para Relações Inter-Religiosas alude à diferença às vezes dramática nos contextos em que os anglicanos ao redor do mundo interagem com pessoas de outras religiões.
“Para alguns na Comunhão Anglicana há a liberdade de chamar as pessoas ao batismo e ao discipulado, e nossos vizinhos de outras tradições religiosas também podem se tornar parceiros no trabalho pelo bem comum, abordando áreas de preocupação compartilhada, como a pandemia ou as mudanças climáticas”, afirma o chamado. “Em alguns contextos, no entanto, os anglicanos enfrentam hostilidade e até perseguição”.
Na entrevista coletiva da manhã antes das plenárias, Francis-Dehqani disse que encontra esperança em vez de problemas na variedade de religiões globais.
“Como seres humanos, estamos programados para ser atraídos mais naturalmente por pessoas que são como nós”, disse ela. “[Quando] na verdade, ficamos muito mais enriquecidos quando nos envolvemos com pessoas que são diferentes de nós e começamos a ter a sensação de ver o mundo através de seus olhos e entender suas experiências. É mais difícil, mas acho que é mais enriquecedor – e muito mais nos conecta como seres humanos”.
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Holofotes se voltam para relações ecumênicas e inter-religiosas nas sessões da Conferência de Lambeth - Instituto Humanitas Unisinos - IHU