05 Janeiro 2023
"Eu diria que, em nível nacional, nós na Inglaterra e no País de Gales abrimos o caminho sinodal para os irmãos e as irmãs ecumênicos e os incluímos em nossas discussões tanto nacional quanto localmente. Foi uma verdadeira manifestação da tentativa de implementar de forma prática um ecumenismo mais receptivo", conta o Ir. Jan Nowotnik, diretor do Escritório Ecumênico e Missionário Nacional da Conferência dos Bispos Católicos da Inglaterra e País de Gales.
A entrevista é de Cristiano Vanin, publicada por Settimana News, 04-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Jan Nowotnik é sacerdote da Arquidiocese de Birmingham, mora em Londres e atualmente é diretor do Escritório Ecumênico e Missionário Nacional no Secretariado da Conferência dos Bispos Católicos da Inglaterra e País de Gales (CBCEW). Trabalha em nível ecumênico com irmãos e irmãs de outras comunidades cristãs para construir boas relações e promover o debate teológico. No mês passado, tive a oportunidade de perguntar a ele como vai o diálogo entre as igrejas católica e anglicana no Reino Unido.
Reverendo Nowotnik, sua contribuição para o Secretariado da Conferência dos Bispos é muito significativa. Qual foi o seu percurso de estudos?
Obtive licenciatura em Teologia Ecumênica no Angelicum de Roma e recentemente concluí meu doutorado, aprofundando-me em eclesiologia da Igreja local no Vaticano II e no magistério pós-conciliar, como prelúdio para uma Igreja sinodal.
Em maio passado, o Papa dialogou com os membros da Comissão Internacional Anglicano-Católica Romana (ARCIC), falando sobre o caminho percorrido no diálogo com anglicanos e católicos. A que ponto estamos?
O debate chegou à redação do texto Caminhando juntos pelo caminho (Walking Together on the Way) fruto de vários anos de diálogo e discussões no âmbito da eclesiologia. O Papa ressaltou os resultados ao reiterar que o diálogo e o estar em caminho juntos não significa apenas falar um com o outro, mas que se deve construir um verdadeiro conhecimento mútuo, que considere as preocupações, alegrias e desafios comuns que o outro vive.
Estou certo de que este é um dos objetivos a serem alcançados pela ARCIC que, através de boas relações – que estão no centro de um caminho ecumênico – está empenhada em um intercâmbio teológico útil e frutífero entre as duas Igrejas.
O Papa encorajou, no diálogo ecumênico, a recuperar a categoria de “dom”, para nos lembrar que não somos suficientes por nós mesmos. Em sua opinião, qual é a atitude correta para que uma troca de dons não se reduza a uma espécie de ato formal ou de circunstância?
A “troca de dons” é um conceito ecumênico interessante e o Papa Francisco o ressaltou justamente enfatizando a esse respeito a ARCIC que – como ele disse – leva a um diálogo “onde cada um assume as sementes que Deus semeou no outro”. Destaca que esse foi o trabalho da Comissão, ou seja, aprender uns com os outros de forma aberta e empenhada.
Existe um ramo da teologia ecumênica, melhor descrito como "ecumenismo receptivo", que acredito ser fruto da ARCIC e de diálogos semelhantes, segundo o qual existe um autêntico intercâmbio teológico e o desejo de aprender uns com os outros na busca da plena comunhão visível. É também uma abertura à humildade, para acreditar verdadeiramente que a Igreja irmã tem algo a oferecer e do qual nós, Igreja Católica, podemos aprender, aproveitando a oportunidade para um empenho sério.
Do seu ponto de vista, como está evoluindo a Igreja Anglicana? Encontra pontos de contato com os desafios que a Igreja Católica está enfrentando?
Certamente aqui na Inglaterra as Igrejas Anglicana e Católica enfrentam desafios semelhantes, especialmente aqueles evidenciados pela atual crise do custo de vida no Reino Unido e os problemas causados pela pandemia global. Tanto a Igreja Anglicana quanto a Católica estão enfrentando um declínio no número de pessoas que frequentam a igreja aos domingos e isso leva ambas as Igrejas a buscar maneiras de incentivar as pessoas a voltarem à prática da fé.
A morte da rainha Elizabeth demonstrou que existe um desejo de entrar em contato com algo além deste mundo, mas também destacou que as pessoas nem sempre têm certeza sobre com quem ou com o que se conectarão após a morte. As igrejas são desafiadas a mostrar o caminho que leva a Deus e certamente é algo que ambas compartilham.
Para a Igreja Anglicana, a reflexão atual sobre a sexualidade humana, a abordagem das relações homossexuais e a eventual união matrimonial são temas de discussão pelo colégio dos bispos, antes de chegar ao Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra. Esse debate revelou algumas tensões teológicas que acredito que os bispos da Igreja Anglicana terão que enfrentar, e isso poderia representar para eles um terreno de discussão complicado.
Imagino que os temas eclesiológicos e éticos sejam os que mais dificultam o diálogo. Concorda? Por outro lado, quais são os temas onde é possível um encontro e um intercâmbio mais frutífero?
É verdade que questões eclesiológicas causaram algumas tensões no passado, particularmente em relação à primazia papal, que os papas anteriores como Paulo VI e João Paulo II evidenciaram, sugerindo que esse é um âmbito a ser trabalhada com seriedade no diálogo. A ordenação de mulheres na Igreja da Inglaterra também tem causado problemas para o diálogo teológico, mas na prática os ministros de ambas as Igrejas ainda conseguem estabelecer boas relações.
As questões éticas também podem resultar complexas, pois nem sempre há uma linha de pensamento clara para todos os anglicanos em questões morais, como, ao contrário, é mais presente para a Igreja Católica. No entanto, os diálogos sobre esses desafios estão abertos à discussão.
O Papa Francisco em sua mensagem à ARCIC em maio foi muito claro quando afirmou: “Não devemos cair na escravidão do conflito. É por isso que o caminho da unidade é superior ao conflito". [1] Acho que o que ele quer sugerir é que precisamos discutir as questões desafiadoras com verdade e honestidade, para que possamos realmente olhar para a unidade da Igreja.
Nos últimos anos, alguns padres anglicanos pediram para serem acolhidos na Igreja Católica. Esse fenômeno continua e como é vivenciado pela Igreja Anglicana?
A minha arquidiocese de Birmingham, como muitas outras na Inglaterra, acolheu ex-sacerdotes anglicanos que foram ordenados sacerdotes católicos. Esses homens deram uma contribuição muito valiosa para a diocese, trouxeram muita experiência e uma riqueza de abordagem pela qual podemos ser muito gratos.
Tenho certeza de que isso causou alguma dor aos membros da Igreja Anglicana, mas eles permanecem pragmáticos em sua abordagem e isso não impede um diálogo significativo entre as duas Igrejas.
Também é verdade que, depois dos primórdios em que mulheres foram ordenadas na Igreja da Inglaterra, fenômeno que levou muitos a pensar nessas mesmas ordenações também na Igreja Católica, essas instâncias são atualmente menos difundidas.
O diálogo entre católicos e anglicanos foi definido como um “caminho”. A Igreja Católica universal está empenhada em outro caminho, o do Sínodo. Do seu ponto de vista, como a Igreja Católica inglesa está vivendo isso? O diálogo ecumênico também se insere nesse caminho sinodal?
Como o resto da Igreja universal, nós na Inglaterra e no País de Gales estamos aprendendo cada vez mais o que significa ser uma Igreja sinodal e o que envolve encontrar novas maneiras de discernir a vontade de Deus para a Igreja local, buscando maneiras de acompanhar uns aos outros no caminho.
Eu diria que, em nível nacional, nós na Inglaterra e no País de Gales abrimos o caminho sinodal para os irmãos e as irmãs ecumênicos e os incluímos em nossas discussões tanto nacional quanto localmente. Foi uma verdadeira manifestação da tentativa de implementar de forma prática um ecumenismo mais receptivo. Eu mesmo estive envolvido em seminários teológicos que destacaram esse caminho e estou contribuindo a organizar outra conferência semelhante em Durham em junho de 2023.
Como o Papa Francisco está encorajando, devemos buscar continuamente maneiras para caminhar juntos e apoiarmo-nos uns aos outros ao longo do caminho.
[1] Papa Francisco, Audiência aos Membros da Comissão Internacional Anglicana-Católica Romana (ARCIC), 13.05.2022 (disponível aqui).
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Católicos e anglicanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU