09 Agosto 2022
"Um ministério de paternidade que encontrou a via sinodal de praticar a unidade na Comunhão Anglicana, ou seja, de salvaguardar a fraternidade eclesial onde contextos, culturas, histórias se abrem a diferentes leituras da Escritura e da doutrina; e que, ao mesmo tempo, apoia o ministério católico petrino para um exercício compartilhado e fraterno do primado como presidência paterna sobre a multiplicidade eclesial da fé cristã", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 08-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A 15ª Conferência de Lambeth termina hoje, com a saída dos bispos participantes - após a liturgia de encerramento realizada ontem.
A decisão de fazer coincidir o encerramento oficial dos trabalhos da Conferência com o retorno dos bispos às suas próprias províncias e dioceses não é acidental: de fato, inicia-se assim a terceira fase da própria Conferência de Lambeth, aquela que leva os conteúdos dos documentos e as discussões para as várias igrejas locais espalhadas no mundo.
A atenção da mídia, e a preocupação da Conferência, concentrou-se no texto sobre "Dignidade Humana" - que (também) abordou questões de moral sexual individual e a doutrina da Comunhão Anglicana sobre o casamento. Quase como se a unidade da Igreja em matéria de prevenção e gestão de abusos, sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, sobre empenho ecumênico e colaboração inter-religiosa, fossem elementos marginais - quase dados como certos quando, na verdade, não o são.
O arcebispo de Canterbury, Justin Welby, de fato destacou o fato de que a unidade da Igreja e da Comunhão Anglicana é obra da ação de Deus dentro de instituições compostas por homens e mulheres pecadores; e que a reconciliação na Igreja não conduz à homogeneidade sem distinções e diferenças, mas é a ação de Deus que permite o reconhecimento mútuo da pertença à mesma comunidade de fé das diferenças que existem dentro dela.
Welby passou brilhantemente no teste do tema que poderia potencialmente causar divisão: a homossexualidade e a doutrina do casamento. Exerceu uma liderança de autoridade não hierárquica (afinal, aquela que compete ao seu papel na Comunhão Anglicana).
A sessão dedicada ao texto sobre "Dignidade Humana" ocorreu a portas fechadas, permitindo assim uma liberdade de expressão franca e sincera aos bispos; até a sua conclusão sem declarações verbais de assenso, mas caracterizada por um longo tempo de silêncio e oração comum.
Antes disso, Welby havia endereçado uma breve carta aos participantes. Existem dois pontos-chave a partir do reconhecimento das "grandes diferenças na Comunhão no que diz respeito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à sexualidade humana".
O primeiro diz respeito à resolução 1.10 da Conferência de Lambeth de 1996 que reafirma a doutrina tradicional sobre o casamento entre um homem e uma mulher: reafirmando sua validade, como também afirma o documento sobre "Dignidade Humana" discutido na atual Conferência. Aqui, e este é o segundo ponto, se reconhece o fato de que "outras províncias se abriram ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, após um cuidadoso processo de reflexão teológica e um processo de recepção".
Partindo da consciência de que "esta situação também faz parte da realidade da nossa Comunhão", Welby proferiu aos participantes um discurso introdutório aos trabalhos sobre o documento "Dignidade Humana" - no qual retomou e aprofundou os pontos principais de sua carta e convidou a “falar com franqueza, mas com amor”.
Ao final, todos os bispos presentes se levantaram e aplaudiram - reconhecimento do papel efetivo de mediação e custódia da unidade eclesial que Welby conquistou no terreno mais difícil da vida da Comunhão Anglicana. Em suas palavras, ambas as visões sobre sexualidade e casamento se reconheceram e se sentiram reconhecidas.
A Welby também deve ser creditado o mérito de ter dado forma primorosamente sinodal à sessão sobre a "Dignidade Humana", criando um espaço eclesial que possibilitou "permanecer em relação uns com os outros com profundas diferenças - que é uma forma da diversidade, e nós pensamos que a diversidade é uma coisa boa” (M. Curry, presidente da Igreja Episcopal dos Estados Unidos).
A Igreja Católica em seu processo sinodal global também pode aprender algo com essa delicada passagem para a Comunhão Anglicana - porque, no final, "não lutamos para eliminar o outro, mas nos esforçamos juntos dando um passo à frente até podermos encontrar uma solução desejada por Deus” (T. Makgoba, arcebispo anglicano da Cidade do Cabo).
Da XV Conferência de Lambeth surge um modo de presidência eclesial que assenta num acordo mais sinodal do que parlamentar, onde a doutrina e as experiências de fé podem começar a encontrar o justo equilíbrio na construção da unidade de uma comunidade cristã que tenta encontrar o seu caminho no seguimento de Deus no mundo contemporâneo.
Um modo que olha o ministério petrino de Francisco como algo que diz respeito à própria Comunhão Anglicana, em um entrelaçamento ecumênico do ministério de presidência de uma Igreja cristã ainda dividida confessionalmente, mas em busca de imagens e práticas que a recomponham sem submissões ou homologações das histórias confessionais que toda Igreja carrega consigo: "as disposições para a separação se enraizaram profundamente nos últimos cinco séculos - disse Welby -, mas acredito que hoje a maioria dos anglicanos reconhece o Papa Francisco como o pai da Igreja no Ocidente”.
Um ministério de paternidade que encontrou a via sinodal de praticar a unidade na Comunhão Anglicana, ou seja, de salvaguardar a fraternidade eclesial onde contextos, culturas, histórias se abrem a diferentes leituras da Escritura e da doutrina; e que, ao mesmo tempo, apoia o ministério católico petrino para um exercício compartilhado e fraterno do primado como presidência paterna sobre a multiplicidade eclesial da fé cristã.
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Lambeth-Welby: presidindo a fraternidade. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU