05 Abril 2022
"Enquanto há quem pense que ainda seja possível salvar a alma de Kirill e tentar manter uma brecha aberta para o diálogo, toda ação do Patriarca parece sugerir que Vladimir Michailovič Gundjaev já fez a escolha de embarcar com Caronte numa estrada que tem uma única parada: o Inferno", escreve Pasquale Annicchino, jurista, pesquisador do departamento de direito da Universidade de Foggia, foi Professor Adjunto de Direito na St. John's Law School, em Nova York, e Bolsista de Pesquisa no Robert Schuman Center for Advanced Studies na EUI, em artigo publicado por Domani, 04-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Enquanto os corpos ainda estão quentes e as imagens da retirada russa de algumas cidades ucranianas revelam o horror dos massacres e das covas comuns, das mulheres estupradas e dos assassinatos, a Sagrada Aliança Moscovita entre Trono e Altar continua firme e sem hesitações. Numa lógica de intercâmbio "fecundo", útil apenas para justificar as atrocidades da agressão russa.
Enquanto os corpos ressurgiam das entranhas da terra, o Patriarca Kirill voltava a ser protagonista, durante a liturgia celebrada na Catedral Patriarcal erguida em honra à Ressurreição de Cristo, principal edifício de culto das forças armadas da Federação Russa localizado no distrito de Odintsovo na região de Moscou.
Justamente em 3 de abril de 1969, Vladimir Michailovič Gundjaev recebia o nome de Kirill e a tonsura monástica do Metropolita de Leningrado e Novgorod Nikodim (Rotov). Será depois ordenado diácono em 7 de abril do mesmo ano e se tornará sacerdote em 1º de junho de 1969.
Ontem, na Catedral Patriarcal estavam presentes figuras proeminentes da Igreja Ortodoxa Russa e numerosos representantes das forças armadas. O comunicado de imprensa publicado pelo Patriarcado especifica que "os hinos litúrgicos foram executados pelas tropas de engenharia das forças armadas da Federação Russa".
Entre estes foi executado "Pela Fé e a Pátria-mãe". Estavam presentes representantes do Ministério da Defesa de Moscou também. A cerimônia foi também transmitida em vários canais de televisão próximos do Patriarcado. Além disso, a Catedral da Ressurreição tem sua própria história particular.
No interior, há um afresco que reproduz a anexação da Crimeia em 2014, no qual inicialmente estava prevista a representação de Putin, do ministro da Defesa Sergej Shoigu e do governador da Crimeia Sergej Aksenov.
Em outro afresco, Cristo é visto empunhando a espada, outras representações celebram os sucessos militares soviéticos. Assim, não surpreendem os pedidos de oração pelo repouso das almas dos "líderes e guerreiros que deram a vida no campo de batalha pela fé e pela pátria".
Sempre com o poder político
Em seu discurso, Kirill elogiou a dedicação dos militares que "dedicam suas vidas à defesa da pátria", criticando a "força colossal" que influencia muitos países do mundo e "se opõe à força de nosso povo".
O povo russo deve "entender que chegou um momento especial do qual pode depender o seu destino". Em uma espécie de impulso paradoxal o Patriarca chega também a dizer “Somos um país e um povo que ama a paz (...) não temos desejos de guerra ou de fazer algo que poderia prejudicar os outros”, no entanto "amamos a nossa pátria e estaremos prontos para defendê-la da maneira que apenas os russos podem defender seu país”. Esta é a natureza da história e do povo russo para Kirill.
No final do discurso, a solicitação retórica de Kirill torna-se mais forte e mais direta: "Afinal, quebramos a coluna do fascismo que, sem dúvida, teria derrotado o mundo se não fosse pela Rússia, pela empreitada de nosso povo". Não faltam referências aos "irmãos e irmãs da Santa Rússia" hoje envolvidos no conflito e que "várias forças, querendo enfraquecer a Rússia, empurraram uns contra os outros, levando-as a cair em lutas internas".
Kirill associa assim o "paganismo monumental" do edifício e o "paganismo pastoral" da sua ação que se revela evidentemente pelo que é: uma justificação constante das ações do poder político e a exaltação da ação militar das forças armadas russas.
Enquanto há quem pense que ainda seja possível salvar a alma de Kirill e tentar manter uma brecha aberta para o diálogo, toda ação do Patriarca parece sugerir que Vladimir Michailovič Gundjaev já fez a escolha de embarcar com Caronte numa estrada que tem uma única parada: o Inferno.
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Bucha, o Patriarca Kirill abençoa todos os horrores da guerra para apoiar Putin. Artigo de Pasquale Annicchino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU