30 Março 2022
O estupro, sobretudo o coletivo, desconhecido entre os animais, é uma arma de intimidação totalmente humana e tem um valor simbólico grave e devastador.
A opinião é da escritora italiana Dacia Maraini, em artigo publicado em Corriere della Sera, 29-03-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Erra muito quem ainda pensa e escreve que o estupro é um ato desencadeado por um ímpeto sexual ou, melhor, por um desejo repentino e ardente pelo corpo feminino. O estupro, sobretudo o coletivo, desconhecido entre os animais, é uma arma de intimidação totalmente humana e tem um valor simbólico grave e devastador.
No ato do estupro, o pênis torna-se a espada que corta, fere e penetra no lugar sagrado do nascimento, apropriando-se alegoricamente da grande força da procriação. É como se o homem que estupra dissesse, na poderosa linguagem dos vitoriosos: “Eu, aqui e agora, sou o senhor, invado o seu corpo inimigo e o encho com o meu sêmen, e, se você tiver um futuro, ele portará os sinais da minha dominação e da minha propriedade”.
Como imaginar uma ofensa mais profunda do que a de um inimigo que introduz a sua identidade no projeto procriador do vencido? Como se defender de um ataque tão insinuante à especificidade profunda de um povo?
Acho que é possível entender que, em vez do desejo sexual que, na sua normalidade, se baseia na partilha e na reciprocidade, entram em cena instintos primitivos de dominação, apropriação violenta e controle do território. Instintos que são sempre acompanhados de brutalidade, agressividade, ódio. Todos impulsos que a guerra desperta e cultiva.
A guerra é profundamente reacionária e regressiva: detesta as liberdades e a reivindicação dos direitos. Provavelmente é por isso que ela agrada tanto os tiranos. Além do fato de que toda ação de guerra compacta automaticamente o senso de pertença e o ódio ao próximo e ao diferente.
Para as mulheres, além disso, é realmente uma desgraça. Além de arriscarem a vida, de terem que enfrentar emergências e sofrimentos, elas serão forçadas a ocupar os papéis tradicionais. Vimos isso nestes dias com a Ucrânia: mulheres e crianças indo embora, homens indo à guerra. Voltam automaticamente as divisões das tarefas. E, com as divisões das tarefas, voltam também as divisões de responsabilidade e de representação.
“Quando as coisas ficam sérias”, ouvi um militar dizer, “nós, homens, temos que assumir as responsabilidades pelo caso”. Muito bem. Mas é uma pena que, junto com as responsabilidades, eles também assumam o privilégio das decisões sobre as liberdades de gênero e sobre a construção do futuro.
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O que revelam os estupros de guerra. Artigo de Dacia Maraini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU