22 Março 2020
A pandemia de Covid-19 pode servir como um eletrochoque para mudar nosso modelo econômico, acredita o pesquisador François Gemenne, membro do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).
A entrevista é de Thibaut Déléaz, publicada por Le Point, 19-03-2020. A tradução é de André Langer.
Os planos de recuperação da economia estatais, uma vez superada a crise do coronavírus, podem ser uma oportunidade para iniciar uma verdadeira transição ecológica.
Fábricas pararam, aviões estão em solo, consumo e deslocamentos em queda livre... As medidas de reclusão tomadas na China e agora em muitos países para conter a pandemia de Covid-19 trouxeram um estancamento sem precedentes da atividade econômica. E enquanto a humanidade combate o vírus, o planeta desfruta de um descanso bem merecido.
Este é o efeito inesperado desta crise sanitária global. Na China, e agora na Itália, observa-se uma redução drástica da poluição do ar. Em algumas cidades chinesas geralmente nubladas pela poluição, os moradores descobrem o céu azul. E se essa pandemia fosse o tão aguardado eletrochoque para os seres humanos tomarem consciência de sua pegada ecológica?
Eis a entrevista.
Ao nos forçar a reduzir nosso consumo, nossa produção e nossas viagens, essa crise sanitária pode ter efeitos benéficos para o planeta?
Certamente sim. Este é o paradoxo da crise atual. O nível de poluição será reduzido, graças a medidas drásticas que não foram escolhidas. Podemos ver a qualidade do ar que está melhorando, na China ou nos últimos dias na Itália, os golfinhos que voltam a nadar nos portos da Sardenha… Os dados são impressionantes. Por fim, é a pandemia que terá o maior impacto sobre o aquecimento global. Na China, ela quase poderia ter efeitos benéficos em termos de saúde pública! As mortes associadas à poluição do ar são estimadas em um ou dois milhões de pessoas a cada ano, e a poluição diminuiu de 20% a 30% durante a crise. Para um número estimado de 3.500 mortes de coronavírus, quantas vidas foram salvas pela melhor qualidade do ar?
Um declínio dessa magnitude e também repentina de emissões de gases de efeito estufa, é a primeira vez que acontece?
O único elemento de comparação é a crise econômica e financeira de 2008-2009. Vimos uma redução drástica nas emissões de gases de efeito estufa. Mas houve um efeito rebote muito forte depois... Talvez após a pandemia, as emissões voltem a subir como depois da crise de 2008. Daí a necessidade de pensar na saída da crise agora, e como transformar nosso modelo.
Justamente, quando a crise da saúde terminar e os governos quiserem reaquecer a economia, não existe o risco de o meio ambiente ficar em segundo plano e não ser a prioridade?
É bem possível que medidas em favor do meio ambiente sejam adiadas ou simplesmente abandonadas. No final desta crise, como você quer falar novamente, por exemplo, sobre a tributação do querosene quando as companhias aéreas sofreram tanto? Isso será completamente inaudível.
Em seu discurso de 12 de março, Emmanuel Macron disse que essa crise deve nos levar a repensar nosso modelo. Não é uma oportunidade para implementar uma política ambiciosa de transição ecológica?
Ele está absolutamente certo. A questão é saber o que vamos fazer para reinventar esse modelo. As medidas econômicas e as ajudas que serão concedidas às empresas depois da crise podem ser um vetor de transformação e não servir apenas para compensar as perdas para retornar à situação anterior à crise. O Estado vai se tornar um planificador econômico e investir centenas de bilhões de euros. Ele poderia aproveitar a oportunidade para avançar rumo a uma economia descarbonizada. Vale a pena salvar todas as companhias aéreas, especialmente as de baixo custo? Vamos salvar as companhias de petróleo? Esta é uma oportunidade ímpar para fazer uma verdadeira transição ecológica.
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