Por: Patricia Fachin e Wagner Fernandes de Azevedo | 01 Agosto 2018
A proposta do papa Francisco de realizar um Sínodo dos Jovens, que ocorrerá em outubro de 2018, pode ser compreendida como “uma grande novidade e uma grande necessidade”, mas, além disso, é a “confirmação” de que o Papa, “em sua vida ministerial, sempre valorizou a juventude”, afirma Hilário Dick à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Na avaliação dele, com a condução deste Sínodo o Papa “está sendo profeta mais pela proposta do que pelo conteúdo, preocupando-se com a situação dos jovens no mundo. Todos os Sínodos são, em geral, importantes pelo conteúdo. A pergunta que o documento faz surgir é: Como se configura, hoje em dia, a população juvenil, no mundo?”.
Já na avaliação de Luis Duarte Vieira, ex-coordenador nacional da Pastoral da Juventude, o Sínodo sobre os Jovens “ocorre num momento histórico da Igreja no Brasil (e na América Latina) em que há muita tensão (muitas vezes mais velada que explícita) acerca das compreensões do papel e da missão da Igreja”.
Na entrevista a seguir, também concedida por e-mail, ele menciona que através do Sínodo o papa Francisco “convoca uma Igreja pobre e para os pobres”, e propõe “retomar uma Igreja aberta ao diálogo com a humanidade toda e não somente um diálogo com os fiéis. É preciso assumir decididamente esse movimento de Francisco, que coloca a Igreja em diálogo com a vida real das pessoas, demonstrando um cuidado mais central com a vida dos pobres”. Nesse contexto, frisa, “almeja-se que o Sínodo desencadeie processos e caminhos para que a Igreja no mundo e no Brasil retome dedicadamente o compromisso com processos de educação na fé atentos à integralidade do jovem, ao acompanhamento, à formação de sujeitos autônomos, críticos, cuidantes e comprometidos com o bem comum, à espiritualidade libertadora, à organização própria dos jovens e, portanto, geradora do protagonismo, à defesa radical da vida da juventude”.
Entre as várias questões tratadas no documento final da reunião pré-sinodal, Dick destaca que o “que o Papa abraça, neste Documento, é o Projeto de Vida, na vida do jovem”. A conclusão do documento, que propõe questões concretas para a evangelização dos jovens em todos os continentes, também “é a prova de que o papa Francisco deseja ser ‘pedagógico’. Deseja que se procurem respostas em comunidade”, frisa. Vieira pontua ainda que um dos pontos positivos do Sínodo “foi a possibilidade de uma ampla participação dos/as jovens em seus processos. Trata-se de um elemento muito positivo e talvez esse seja o que merece maior destaque”. No Brasil, relata, “a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB convocou e mobilizou os/as jovens a participarem. Muita gente se envolveu no processo. Em muitos lugares aconteceram encontros, seminários e estudos do material preparatório”.
Hilário Dick também comenta a recepção do questionário do Sínodo dos Jovens na Igreja brasileira, na qual “se observa” que “houve e há mais submissão aparente ou preguiçosa do que de entusiasmo. Em várias camadas da igreja institucional depararíamos com o desconhecimento. A juventude não é mais um assunto empolgante quando se trata de assumir pedagogias que ajudem na construção de pessoas com protagonismo. Falamos tanto em ‘recepção’ como em vontade de ‘divulgar’”, lamenta.
Hilário Dick | Foto: Reprodução do Facebook
Hilário Dick é graduado em Teologia pela Pontifícia Faculdade do Colégio Máximo Cristo Rei e em Filosofia e em Letras pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. É mestre e doutor, também em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Entre seus vários livros publicados, citamos Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na história (São Paulo: Loyola, 2003) e Cartas a Neotéfilo – Conversas sobre assessoria para grupos de jovens (São Paulo: Loyola, 2005). Junto de Carmem Lucia Teixeira e Lourival Rodrigues da Silva publicou Juventude: acompanhamento e construção de autonomia. É autor do Cadernos IHU número 18, intitulado Discursos à Beira dos Sinos. A emergência de novos valores na juventude: o caso de São Leopoldo.
Luis Duarte Vieira | Foto: Arquivo Pessoal
Luis Duarte Vieira é licenciado em Matemática e tem especialização em Docência e Metodologia em Matemática. Foi coordenador nacional da Pastoral da Juventude entre 2009 e 2012. É membro do Centro de Formação, Assessoria e Pesquisa em Juventude - Cajueiro, e coordena o projeto de cursos virtuais para assessores e animadores de grupos de jovens. Contribui com o boletim Centinela da Pastoral Juvenil Latinoamericana - Celam e é um dos organizadores do livro Somos Igreja Jovem — Pastoral da Juventude: um jeito de ser e fazer (2012).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como avalia a proposta do papa Francisco de realizar um Sínodo sobre os jovens? Qual é o significado desse Sínodo?
Hilário Dick - A proposta de Francisco, desejando um Sínodo sobre a Juventude, é uma grande novidade e uma grande necessidade. “Novidade” porque será o primeiro e único Sínodo onde o assunto central foi ou é a Juventude. O Papa, neste sentido, está sendo profeta mais pela proposta do que pelo conteúdo, preocupando-se da situação dos jovens no mundo. Todos os Sínodos são, em geral, importantes pelo conteúdo. A pergunta que o documento faz surgir é: Como se configura, hoje em dia, a população juvenil, no mundo?
Podemos começar pela Índia, onde encontramos 1 bilhão e 324.000 jovens (país), seguida pela China com número muito semelhante: 1 bilhão e 379.000 jovens (país). Num quase-continente, podemos ir à Indonésia, com 262 milhões de jovens. Num arquipélago semelhante, como o Caribe, no Mar das Caraíbas, encontram-se 39 milhões e 200 mil jovens, não esquecendo que a América Latina (sem Caribe), tem 630 milhões de jovens.
Uma curiosidade grande é a África que desejamos olhar mais de perto, algum dia. Ela conta com um total de 1 bilhão e 216 milhões de jovens, enquanto a Europa se sente pequena com 741 milhões de jovens. Entre dois continentes — Ásia e Oceania — temos um país que se denomina Indonésia, uma república, cuja capital é a cidade de Jacarta, com uma população de cerca de 10 milhões de pessoas. O papa Francisco tinha em sua frente, certamente, este mundo – e muito mais - quando escreveu o documento Os jovens, a fé e o discernimento vocacional — DOCUMENTO PREPARATÓRIO do Sínodo sobre os jovens a se realizar em outubro de 2018.
IHU On-Line - O que o Sínodo da Juventude pode afirmar ou transformar na Igreja?
Luis Duarte Vieira - O Sínodo da Juventude pode retomar uma Igreja aberta ao diálogo com a humanidade toda e não somente um diálogo com os fiéis. É preciso assumir decididamente esse movimento de Francisco, que coloca a Igreja em diálogo com a vida real das pessoas, demonstrando um cuidado mais central com a vida dos pobres.
O Sínodo pode devolver para a Igreja do mundo todo a metodologia VER-JULGAR-AGIR, que é utilizada no Instrumentum laboris a partir dos verbos RECONHECER – INTERPRETAR – ESCOLHER. Igualmente, o Sínodo pode devolver para a Igreja a beleza e profundidade do discernimento, tão falado e tão pouco vivido de fato.
O Sínodo da Juventude poderá ajudar a Igreja a escutar a Palavra que o Senhor quer lhes dizer pelos/as jovens e através de suas vidas. Essa beleza de escuta do Senhor falando pelos/as jovens pode ajudar a transformar toda a Igreja, porque nos fará reconhecer o Divino no/a jovem e assim nos abrirmos às novidades do Espírito. O Sínodo ainda provocará e muito a Igreja a reafirmar a sua necessidade de estar com os/as pobres e nas lutas pela vida do povo.
IHU On-Line - Qual sua avaliação geral tanto da temática do sínodo dos jovens: “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, como do documento preparatório que orienta o Sínodo?
Hilário Dick - O papa Francisco, em sua vida ministerial, sempre valorizou a juventude. Veja-se a forma como ele fala da Peregrinação dos Jovens argentinos para o Santuário de Luján. A definição da temática deste Sínodo é uma confirmação do que estamos afirmando. Uma pessoa que não ama a juventude, não ama a si mesma. O mesmo vale para a Igreja e para o papa Francisco. Recorde-se o que foi a juventude de alguns papas como Pio XII, Paulo VI e João Paulo II. Francisco encara de frente muitas questões, mas uma, muita significativa, que o Papa abraça neste Documento, é o Projeto de Vida, na vida do jovem.
IHU On-Line - Quais temas serão centrais no Sínodo?
Luis Duarte Vieira - As temáticas centrais do Sínodo estarão nas questões da vida da juventude e do discernimento vocacional, para responder de modo mais pleno ao Amor. Se fará uma reflexão profunda sobre a ação evangelizadora e pastoral com os/as jovens, a partir da realidade juvenil e da compreensão da vocação como resposta a um chamado para o Amor.
IHU On-Line - Alguma questão fundamental não foi contemplada pelo documento preparatório?
Hilário Dick - A resposta é complexa, mas insistiria no “estudo” da juventude na sociedade e, especialmente, nas igrejas. São poucos os lugares ou instituições onde se propõe Cursos de Pós-Graduação em Juventude. A Juventude parece não ter peso para ser estudada em profundidade: teses, pós-graduações. A Conferência dos Bispos da Igreja Católica do Brasil pode orgulhar-se em ter oferecido ao povo de Deus e a todos que se interessam pelo assunto, Evangelização da Juventude – Desafios e Perspectivas Pastorais, um documento que encara com certa coragem esta temática. Assim como a Revista de Pastoral (ano 3, 2018, nº 4) fala de “Juventude e Superação da violência”, outra revista com o nome Dom total publica “Juventude que ama a Igreja ou a atrapalha”, sem muitos horizontes.
IHU On-Line - Como avalia o questionário proposto pelo Sínodo dos jovens? Que avaliação faz do documento final da reunião pré-sinodal, elaborado a partir das respostas de 300 jovens que participaram de uma reunião e mais 15 mil jovens que participaram pelo Facebook?
Hilário Dick - O fato de o documento concluir com questões concretas propostas para a evangelização dos jovens a todos os continentes é a prova de que o papa Francisco deseja ser “pedagógico”. Deseja que se procurem respostas em comunidade. Tendo em mãos as contribuições dos jovens poderíamos responder melhor à questão. Como dissemos acima, nessa atitude é que está o profetismo do papa Francisco neste documento.
IHU On-Line - Quais são os três pontos mais relevantes do documento, na sua avaliação?
Hilário Dick - Atrever-me-ia a dizer que encontramos “pontos mais relevantes” na parte em que o papa Francisco fala dos “lugares”: a vida cristã e o compromisso social, os âmbitos específicos da pastoral (atrás dessa palavra pode esconder-se os conflitos com os “movimentos”), o mundo digital, as linguagens da pastoral (novamente), e na despedida de sua fala o papa Francisco insiste no silêncio, na contemplação e na oração.
IHU On-Line - Quais foram os pontos positivos e negativos do processo pré-sinodal no Brasil?
Luis Duarte Vieira - Não acompanhei de perto todo o processo pré-sinodal, portanto meu olhar é reduzido. Mas, sem dúvida, uma das belezas desse Sínodo foi a possibilidade de uma ampla participação dos/as jovens em seus processos. Trata-se de um elemento muito positivo e talvez esse seja o que merece maior destaque. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB convocou e mobilizou os/as jovens a participarem. Muita gente se envolveu no processo. Em muitos lugares aconteceram encontros, seminários e estudos do material preparatório.
O encontro pré-sinodal também merece destaque por reunir jovens de todos os continentes. Seria muito bonito ver a Assembleia Sinodal reunida e nela estar também um número grande de jovens junto dos padres sinodais.
IHU On-Line - Que notícias o senhor tem sobre a repercussão e o tratamento do Sínodo dos Jovens na Igreja brasileira e na Pastoral da Juventude? Quais foram os pontos positivos e negativos do processo do pré-sinodal no Brasil?
Hilário Dick - A resposta exigiria uma observação mais detida da “recepção” do documento. O que se observa é que houve e há mais submissão aparente ou preguiçosa do que de entusiasmo. Em várias camadas da igreja institucional depararíamos com o desconhecimento. A juventude não é mais um assunto empolgante quando se trata de assumir pedagogias que ajudem na construção de pessoas com protagonismo. Falamos tanto em “recepção” como em vontade de “divulgar”.
IHU On-Line - O Sínodo pode propiciar mudanças no trabalho de evangelização da juventude no Brasil? Quais são as mais urgentes?
Hilário Dick - O Sínodo pode significar a presença dos jovens em algumas pautas de regiões e dioceses, apesar da urgência de atualizar pedagogias. Os “encontrismos” são bons e necessários, mas não bastam. O que é urgente é implantar e acompanhar processos de educação na fé, o que se relaciona com a cientificidade dos trabalhos pastorais. Os Institutos de Formação da Juventude não podem ser abandonados. A motivação do “fechamento” de alguns destes Institutos foram fechados mais por motivações teológicas que econômicas.
Luis Duarte Vieira - O Sínodo ocorre num momento histórico da Igreja no Brasil (e na América Latina) em que há muita tensão (muitas vezes mais velada que explícita) acerca das compreensões do papel e da missão da Igreja. Se, de um lado, Francisco convoca uma Igreja pobre e para os pobres, de outro lado há bispos e padres que tendem a um cristianismo do clericalismo, do controle, do excesso de culto. Evidentemente as diferenças de compreensões acerca da missão da Igreja são muito mais profundas do que o relatado aqui. Essa disputa de compreensões de papel da Igreja também está no campo da evangelização da juventude.
É verdade que a Igreja é múltipla e diversa. E graças a Deus a Igreja possui muitas expressões preocupadas com a Evangelização da Juventude. Expressões diversas que também se organizam a partir dessas diferenças de compreensões de papel e missão da Igreja. Mesmo nessa diversidade, que é louvável e deve ser acompanhada, é preciso dialogar de modo sério, coerente e profundo sobre o que deve ser central na evangelização. Nesse sentido, o Sínodo da Juventude pode ser inspirador e provocador. É preciso valorizar, respeitar e acompanhar a diversidade de carismas e serviços e expressões, mas é preciso ter claro o que é central na Evangelização da Juventude.
Nessa direção, almeja-se que o Sínodo desencadeie processos e caminhos para que a Igreja no mundo e no Brasil retome dedicadamente o compromisso com processos de educação na fé atentos à integralidade do jovem, ao acompanhamento, à formação de sujeitos autônomos, críticos, cuidantes e comprometidos com o bem comum, à espiritualidade libertadora, à organização própria dos jovens e, portanto, geradora do protagonismo, à defesa radical da vida da juventude. É preciso que a Igreja no Brasil retome, de fato, a opção pela juventude e pela juventude pobre.
Nessa direção e de modo mais particular, ajudará muito se a Igreja do Brasil voltar a acompanhar decididamente a Pastoral da Juventude e as demais PJs. Em muitas dioceses esse acompanhamento da PJ é real e fecundo. Em outras, infelizmente, a PJ deixou de ser uma opção da Igreja, sendo perseguida em alguns lugares. Não se quer exclusividade, mas deseja-se acompanhamento. Recordemos que as PJs há anos mostram seu compromisso e profundidade nos processos de evangelização da juventude.
IHU On-Line - O “Instrumentum Laboris” cita que é necessário para a Igreja criar condições para o jovem ser protagonista do processo de evangelização. Quais seriam essas condições? Como vê esses cenários na Igreja do Brasil?
Hilário Dick - O protagonismo juvenil relaciona-se com tudo o que significa “organização” juvenil. A organização é uma escola de protagonistas. As pessoas e instituições que temem o protagonismo, também temem – e de modo especial – a organização juvenil dentro do meio específico do jovem: escola, fábrica, campo, universidade. Portanto, a Igreja não cria condições; valoriza o sentido dos “espaços”.
Luis Duarte Vieira - O melhor modo de gerar protagonismo é chamar para fazer junto. É dar espaço. É dar liberdade de escolha. É dar vez e voz. É dialogar sem ter as respostas prontas. É abrir-se ao novo que os jovens têm a comunicar para a Igreja e a sociedade. É não controlar tudo. É deixar que a gurizada seja ela mesma e se organize por si. É permitir que os jovens discordem dos bispos e padres. É romper com as muitas tentativas de controle. É não se fechar ao diferente e ao novo. É dar meios para que os jovens se encontrem e se organizem. É abrir, de fato e de modo afetivo e efetivo, as portas da comunidade para a juventude. É dar meios para que os jovens se encontrem, se organizem, planejem sua caminhada e a executem.
No Brasil, como citado anteriormente, há diferentes compreensões do papel da Igreja e também da Evangelização da Juventude. Pode-se afirmar que as diferenças de compreensões do papel da evangelização da juventude também são diferenças nas compreensões de protagonismo juvenil na evangelização. Por exemplo, de um lado, as Pastorais da Juventude se organizam de modo que os jovens sejam os protagonistas da ação. Há coordenações colegiadas em todos os níveis de organização da Igreja no Brasil (Paróquias; Foranias - Áreas Pastorais - Vicariatos – Decanatos - Regiões Pastorais; Arqui/Dioceses; Regionais da CNBB e Nacional). Os adultos (leigos, sacerdotes, bispos e religiosos/as) participam do processo de evangelização como assessores, que acompanham os jovens em seus processos de educação na fé. Além disso, acontecem assembleias, reuniões ampliadas e encontros que vão permitindo que a gurizada vá pautando o ser pastoral, a partir de seu protagonismo e realidade. O mesmo acontece em algumas outras expressões juvenis. De outro, por razões históricas e por seus carismas, há expressões juvenis onde o protagonismo é dos adultos. São os adultos que pensam a ação para que os jovens executem e/ou para os jovens viverem. Não há liberdade para que os jovens pautem sua organização e ação por si mesmos. Evidenciam-se, é claro, diferentes compreensões de protagonismo.
Apesar dos documentos da Igreja do Brasil reafirmarem o protagonismo juvenil na evangelização, infelizmente ainda há uma tentativa de controle desse protagonismo, mesmo que isso se disfarce de acompanhamento. Por exemplo, há paróquias em que a gurizada faz uma assembleia e pensa todo um planejamento pastoral. Mas o padre (que não estava na assembleia e não acompanhou o processo de construção e vivência da mesma) é quem decide se as ações planejadas serão executadas ou não. Há paróquias em que uma assembleia elege o coordenador paroquial, mas este só assume a coordenação paroquial se o padre confirmar seu nome (e não estou dizendo dos lugares onde o coordenador é um funcionário contratado). Novamente, estão em disputa as diferentes compreensões de protagonismo.
IHU On-Line - O Instrumentum laboris apresenta a necessidade de se trabalhar uma pastoral juvenil e vocacional integradas. Essa integração pode ser uma das medidas para barrar o crescimento de ideias clericalistas entre os jovens seminaristas?
Luis Duarte Vieira - Garantir uma ação pastoral integrada entre a Pastoral da Juventude e a Pastoral Vocacional é garantir um cuidado da Comunidade com a integralidade da pessoa. A integralidade não reduz a pessoa, mas a olha em sua totalidade e complexidade. Fazer processos de integralidade é acompanhar a juventude na descoberta de sua vocação, de seu modo de viver mais plenamente o Amor e a felicidade. Portanto, rompe-se com a ideia reducionista da vocação, porque olha-se para a totalidade da pessoa. O cuidado com a integralidade dos jovens ajuda na superação do clericalismo, porque provoca processos para que a pessoa estabeleça relações profundas e maduras consigo, com o/a outra/o, com Deus, com o mundo e com o método. Relacionar-se com essa totalidade rompe o clericalismo, que é expressão de fragilidade nessas mesmas relações.
O clericalismo também tende a crescer na medida em que os processos de vivência do seminarista e do padre são processos que sacralizam o serviço ministerial. O serviço sacerdotal é um serviço. É um modo de amar e ser amado. Ser padre ou seminarista não faz da pessoa ser dona do Sagrado. Diante disso, o rompimento do clericalismo também se dá na medida em que o seminarista e o padre não se distanciam dos pobres, vão fazendo vivências missionárias e participando de espaços de protagonismo coletivo. Não é o seminarista ou o padre que decide. Mas o coletivo que decide. Nesse sentido, a integração da Pastoral Vocacional e da Pastoral da Juventude vai permitindo experiências de coletividade, que ajudam na superação do individualismo e do clericalismo.
IHU On-Line - Para quais juventudes o Sínodo pode proporcionar transformações?
Luis Duarte Vieira - Para ser fiel ao Espírito que conduz a Igreja e para de fato comunicar o Amor, faz-se necessário que o Sínodo seja uma Boa-Nova para todas as juventudes. Ou o Sínodo se dirige a toda a juventude ou falará para dentro das sacristias, falando ao vazio e limitando a ação do Espírito.
Para os jovens que se colocam no caminho do seguimento a Jesus a partir da Igreja, o Sínodo pode gerar transformação à medida que reafirmar processos de educação na fé atentos à integralidade da pessoa, e não somente à dimensão espiritual. O Sínodo também gerará processos de transformação à medida que convocar toda a comunidade a acompanhar os jovens na construção de seus projetos de vida, discernindo e vivendo seu modo de viver plenamente o amor e a felicidade.
Para os jovens que não estão nas nossas comunidades, o Sínodo pode gerar transformação à medida que colocar toda a comunidade dos/as seguidores/as de Jesus decididamente nas trilhas da defesa da vida e da opção pelos pobres. Não teremos liberdade para dialogar com as juventudes se não estivermos imbuídos de um compromisso radical com suas vidas, se a opção pelos pobres for discurso vazio e se não formos coerentes com aquilo que falamos, cremos e professamos.
IHU On-Line - Na reunião Pré-Sinodal a temática da sexualidade e afetividade se destacou. Pode-se afirmar que os jovens podem ser os principais sujeitos a propor mudanças na compreensão da Igreja sobre assuntos como gênero e orientação sexual? Por quê?
Luis Duarte Vieira - É preciso recordar, antes de tudo, que a Igreja é a comunidade dos/as seguidores/as de Jesus. Portanto, todos/as somos Igreja, Povo de Deus. Como tal, tudo que toca as nossas vidas diz respeito à Igreja. Porque a Igreja, ao continuar a missão do Bom Pastor, não pode prescindir da vida. Nesse sentido, as questões do campo afetivo e sexual dizem respeito à Igreja e ela não pode negar-se a fazer um diálogo aberto, livre, coerente e fraterno sobre essas questões.
Como jovens, sentimos muito intensamente e de modo real as vivências afetivas e sexuais. Dialogar sobre essas questões com respostas dadas não é diálogo e não permitirá abertura ao Espírito. A liberdade com que os jovens experimentam e vivem as questões afetivas é sinal do Espírito. E nessa liberdade está um dos aspectos que nos permite afirmar a juventude como realidade teológica.
Como a juventude, de modo geral, tem mais liberdade para dialogar sobre suas vivências afetivas e sexuais, é natural que no Sínodo a juventude provoque que a Igreja dialogue de modo mais aberto e fraterno sobre essas questões.
Recordando que a Igreja somos todas e todos nós, então é preciso reafirmar que a Igreja é essa comunidade de mulheres e homens que querem viver o Evangelho. Somos então uma comunidade de homo e heterossexuais; de cis ou transgêneros; de solteiros/as ou casados/as (uma, duas, três vezes...) ou viúvas/os ou divorciados/as. Não podemos ser uma Igreja fechada para nós mesmos. Somos essa diversidade. E como tal, o Sínodo pode e deve provocar debates, diálogos e reflexões sobre nossas vidas reais e concretas.
A juventude, de modo geral, deseja o rompimento de todas as formas de preconceito e discriminação. Os/as jovens desejam receber e ser o abraço da acolhida e do compromisso com a vida. Esse compromisso, que é humano e que é cristão, deve nos fazer comunicar a verdade plena do Amor e reconhecer como justa toda forma de amar. A juventude, como Igreja, pode provocar em todos os demais, caminhos para a acolhida da diversidade e do amor.
Portanto, a juventude e o Sínodo podem ajudar toda a Comunidade eclesial a assumir posturas mais dialógicas, e que rompam com todo machismo, LGBT-fobia e racismos. Recordemos que acolher a diversidade (também de gênero e orientação sexual) é acolher a nós mesmos que somos Igreja.
IHU On-Line - Como reconhece o Documento pré-sinodal, que tenta partir das respostas dos jovens, os quais têm anseios diferentes e visões distintas acerca de vários aspectos, como família, religião, escolhas de vida? Diante dessa pluralidade, que aspectos são fundamentais para se pensar a juventude hoje, especialmente na Igreja?
Hilário Dick - Talvez seja repetitivo, mas os aspectos fundamentais são os que já apontei. Além da pesquisa e do estudo, fundamental é amar as juventudes, assim como são e sonham, e saber apresentar e desenvolver com eles/as as diversas dimensões pedagógicas, tendo em mente uma formação integral. Os “princípios norteadores” devem ser visíveis nos que trabalham com as juventudes. Refiro-me às dimensões da personalização, da integração, à dimensão teológico-espiritual, ao processo de participação e conscientização e – mais do que ao método – à pedagogia. A Pastoral da Juventude expressa, por isso, a necessidade de bons assessores/as, de pessoas que saibam caminhar com eles. Podemos falar, por isso, da mística dos sacramentos, especialmente da Eucaristia. Viver bem e transmitir vida é viver e transmitir a grandeza de saber dar a vida pelos outros.
IHU On-Line - Alguns avaliam que nos últimos anos tem acontecido um fenômeno no Brasil e nos EUA, por exemplo, segundo o qual jovens católicos têm assumido uma postura mais conservadora dentro da Igreja. Alguns afirmam ainda que muitos jovens não gostam do papa Francisco. Esse fenômeno de fato está ocorrendo? Como avalia esse movimento e a que atribui essa postura?
Hilário Dick - O fenômeno do qual a pergunta fala vai além do Brasil e dos Estados Unidos: é algo universal. A “primavera árabe” não é só da Etiópia, da Argélia, do Egito, da Espanha; vai além do Chile. O conservadorismo se esconde e morde de diferentes formas dentro e fora da Igreja, dentro e fora dos jovens. A aceitação do papa Francisco, sucessor do papa Ratzinger, é uma prova da existência da forma de ser “apolínea” e “dionisíaca” dentro e fora da Igreja, dentro e fora do mundo dos jovens, dentro e fora das sociedades. Estas duas formas de ser podem ser encontradas na história da juventude, seja na Austrália, seja no Iêmen. Os “incomodados” não moram só na França. Neste sentido o maio de 1968 não foi compreendido até hoje. Nunca vamos ter uma “noção” clara do que é juventude; podemos e devemos ter leituras. A novidade entusiasma e assusta.
IHU On-Line - Qual a resposta que o Sínodo pode dar à crescente polarização da Igreja, que também ocorre com os jovens, entre conservadores e progressistas?
Luis Duarte Vieira - A polarização, como dito anteriormente, é fruto das diferentes compreensões do papel da Igreja e do modo de seguir a Jesus. Mas, mesmo nessas diferenças, há algo comum e que deve romper as polarizações e disputas. A centralidade da vida e do Reino deve unir a todos/as. Ser uma Igreja pobre e para os pobres é tarefa de todos e todas. Nesse sentido, o Sínodo poderá ajudar na medida em que nos provocar a olhar para aquilo que é central em nossa missão como Igreja.
IHU On-Line - Quais contribuições a experiência da Pastoral da Juventude da América Latina pode oferecer à Igreja universal?
Hilário Dick - A América Latina e Central chamam a atenção pelo papel que tiveram os jovens organizados, em grande parte por causa da Ação Católica Especializada e da Pastoral da Juventude. Nenhum outro dos “continentes”, além das duas Américas, tem essa experiência. Pensando no Sínodo dos Jovens, essa realidade não pode ser esquecida. A organização não pode ser só teoria; deve ser prática. A força da Pastoral da Juventude, assim como da Ação Católica, foi e é o amadurecimento na fé através de uma organização participada.
Luis Duarte Vieira - A Pastoral da Juventude da América Latina ao se organizar para a missão no mundo juvenil o faz a partir de opções pedagógicas centrais. São elas: formação Integral, organização, assessoria e acompanhamento, trabalho com as realidades específicas, o grupo de jovens, e a memória. Essas opções, frutos da caminhada da Igreja Latino-americana junto com os/as jovens, caracterizam um modo de ser com os/as jovens que garante processos de formação que mudam a vida e colocam no caminho do discipulado. A missão no mundo juvenil ainda é organizada a partir do método VER-JULGAR-AGIR e com movimentos pedagógicos que permitem essa missão (Encantamento – Aproximação – Escuta – Discernimento – Conversão). Aqui já está a primeira grande contribuição da América Latina para as transformações da Igreja universal. As opções pedagógicas e o método que vivemos na América Latina podem e devem ser opções a guiar a missão da Igreja junto aos/às jovens em todos os continentes.
A Igreja Latino-Americana tem a opção preferencial pelos pobres de modo muito claro e eloquente, mesmo que a prática não seja tão fiel em todos os lugares. Mas a Igreja desse continente ameríndio tem muito a contribuir para que a Igreja universal seja sempre mais uma Igreja pobre e para os pobres.
O caminho bíblico que inspira a PJ no Brasil em seus múltiplos e variados processos é uma riqueza teológica, bíblica, pastoral e pedagógica incalculável. Esse beber da mística, da pedagogia e metodologia dos lugares bíblicos, sem dúvida alguma, é uma grande contribuição da PJ do Brasil para a Igreja no mundo e deveria ser abraçada por ela. O projeto de revitalização da PJ a partir de Emaús, Belém, Nazaré, Betânia, Samaria e Jerusalém (sugerido pelo Brasil e assumido por toda a América Latina) e a teologia das Galileias Juvenis (que inspiram todo o processo da PJ Nacional nos últimos anos) são exemplos desse beber da mística dos lugares bíblicos que pode contribuir com toda a Igreja.
Outra prática comum das PJs na América Latina e no Brasil é o compromisso radical com a vida da juventude. A Igreja não pode se calar diante dos inúmeros assassinatos dos/as jovens mundo afora. A Igreja não pode se calar quando acontece a retirada ou a negação dos direitos fundamentais dos/as jovens. Essa é outra contribuição da América Latina para o mundo: é preciso estar nas lutas pela vida da juventude.
IHU On-Line - Qual sua avaliação dos cinco anos do pontificado do papa Francisco?
Hilário Dick - O pontificado do papa Francisco, na perspectiva das juventudes, é o que tentamos afirmar. Na perspectiva de atitude pastoral, de uma Igreja que pisa os pés no chão da realidade, os cinco anos do ministério papal da Francisco é o gesto que ele fez de acolhida dos refugiados nas praias da Sicília. A juventude chegando nas praias da Sicília, sente quando é acolhida, mesmo que não o diga. O gesto do papa Francisco é mais antigo que as igrejas.
IHU On-Line - Qual sua leitura do livro-entrevista “Deus é jovem”, resultado de uma entrevista do jornalista Thomas Leoncini com o Papa?
Hilário Dick - O papa Francisco escreveu Os jovens, a fé e o discernimento vocacional em 2017. A alegria foi grande. Deus é jovem é uma entrevista, com o Papa, sobre a juventude. Falo de alegria porque o papa Francisco está muito dentro do que responde ao repórter e porque, 22 anos antes, em 1995, atrevia-me a escrever O Divino no Jovem. Experimentei certa confirmação na fé que tenho – neste trabalho – e senti o gosto de uma sopa saborosa feita por minha mãe.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Sínodo dos Jovens é uma novidade, uma necessidade e a confirmação de que o Papa valoriza a juventude. Entrevista especial com Hilário Dick e Luis Duarte Vieira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU