16 Outubro 2025
O uso de combustíveis fósseis, aliado às queimadas e à perda da capacidade de absorção das florestas e do oceano, estão elevando o acúmulo do principal gás de efeito estufa a níveis recordes.
A reportagem é de Manuel Planelles, publicada por El País, 15-10-2025.
Aproximadamente metade do dióxido de carbono (CO₂) emitido pelos humanos — principalmente pela queima de combustíveis fósseis — acaba se acumulando na atmosfera, onde permanece por séculos, aquecendo a Terra. Quanto maior a concentração desse gás de efeito estufa no ar, mais calor fica retido e maior a temperatura na superfície do planeta. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) acaba de confirmar que as concentrações de CO₂ atingiram um aumento sem precedentes no ano passado, o mais alto desde o início das medições diretas modernas em 1957. O nível de dióxido de carbono está em níveis recordes, e teríamos que voltar milhares de anos para encontrar um acúmulo semelhante no ar.
A OMM aponta a queima incessante de combustíveis como a causa. Também aponta para um possível "ciclo de retroalimentação climática" que alimenta incêndios e impede que sumidouros naturais (florestas e oceanos) capturem e retenham tanto CO₂ quanto antes.
As evidências científicas da ligação direta entre as temperaturas da Terra e a concentração desse gás na atmosfera ao longo do último éon (os últimos 540 milhões de anos) são avassaladoras. Durante esse vasto período, a Terra passou por diversas mudanças climáticas relacionadas a essa concentração, como destacado por um importante estudo publicado há um ano na revista Science. Mas a mudança atual é diferente: é causada pelo homem e, além disso, está ocorrendo em uma velocidade vertiginosa porque a queima de combustíveis continua ininterrupta ano após ano.
A acumulação atmosférica de CO₂, o principal gás de efeito estufa responsável por 66% do aquecimento atual, atingiu 423,9 partes por milhão (ppm) em 2024. Isso é 52% superior aos níveis pré-industriais, ou seja, antes de os humanos começarem a queimar maciçamente carvão, primeiro, e depois petróleo e gás, para abastecer a economia global, há dois séculos e meio. Mas, nas últimas décadas, o ritmo dessa acumulação se acelerou, de acordo com dados do boletim anual de gases de efeito estufa publicado nesta quarta-feira pela OMM. Prova disso é o aumento registrado em 2024: 3,5 ppm, o maior aumento anual em pelo menos as últimas oito décadas.
Por trás desse aumento está o uso global de combustível, que atingirá um novo recorde em 2024. Mas há também um fenômeno que aponta para o ciclo de retroalimentação climática que o planeta está vivenciando. Os incêndios do ano passado, especialmente na Amazônia e no sul da África, também atingiram níveis recordes. Esses incêndios, por sua vez, são alimentados pelo aquecimento global, que cria condições favoráveis para sua propagação.
O outro lado dessa história perigosa são os chamados sumidouros. Metade das emissões — aquelas causadas por incêndios e, sobretudo, combustíveis — acumula-se na atmosfera; a outra metade fica retida nas florestas e no oceano, os chamados sumidouros naturais. De acordo com alertas científicos dos últimos anos, ambos estão mostrando sinais de reter menos dióxido de carbono, também devido às mudanças climáticas. O boletim da OMM explica da seguinte forma: "À medida que as temperaturas globais aumentam, os oceanos absorvem menos CO₂ devido à diminuição da solubilidade em temperaturas mais altas". Por outro lado, "secas extremas podem se tornar mais frequentes e sobrecarregar as florestas e pastagens do mundo, o que também pode reduzir a absorção líquida de CO₂".
Além do dióxido de carbono, o boletim da OMM analisa dois outros gases de efeito estufa, que também atingiram concentrações recordes no ano passado. O metano — responsável por aproximadamente 16% do aquecimento atual — atingiu 1.942 partes por trilhão (ppb), 66% acima dos níveis pré-industriais. Além disso, as concentrações de óxido nitroso, responsáveis por aproximadamente 6% do aquecimento, atingiram 338 ppb em 2024, um aumento de 25% em relação aos níveis pré-industriais.
Embora o metano seja importante no combate às mudanças climáticas e limitar essas emissões seja "útil e necessário", a OMM observou nesta quarta-feira que esse gás permanece na atmosfera por apenas nove anos, em comparação com centenas de anos para o CO₂. Portanto, a organização enfatiza que "a ação climática deve se concentrar urgentemente na redução das emissões de CO₂ provenientes de combustíveis fósseis, que respondem pela grande maioria das emissões totais de gases de efeito estufa".
Leia mais
- Países planejam produzir mais que o dobro dos combustíveis fósseis permitidos pela meta de 1,5°C
- Estudo mostra impactos dos combustíveis fósseis na saúde pública
- Combustíveis fósseis não podem ser tabu nas negociações climáticas, defende CEO da COP30
- Expansão dos combustíveis fósseis ameaça ecossistemas marinhos, mostra estudo
- Sozinho, agro brasileiro emite mais que qualquer país da América do Sul
- Dez aldeias Guarani no RS capturaram mais CO₂ da atmosfera do que emitiram
- A concentração de CO2 na atmosfera continua crescendo em ritmo acelerado. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- 2024 teve a temperatura mais alta do Holoceno e recorde de degelo no Ártico. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- Concentração de gases de efeito estufa na atmosfera bateu recorde em 2023
- “A mudança climática não é uma série de ‘streaming’”. Entrevista com Celeste Saulo
- UE quer que indústria de combustíveis fósseis pague combate às mudanças climáticas
- O nível disparado de CO2 na atmosfera condena a muitos anos de aumento de temperaturas
- Limite de 2°C de aquecimento pode ser ultrapassado antes de 2050
- Temperatura média global em 2020 ficou ‘perigosamente perto’ do limite de 1,5°C
- Terra estufa e a alta temperatura em julho de 2022. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- Terra atingirá o ponto de inflexão da temperatura nos próximos 20 a 30 anos
- Chance de 50% da temperatura global atingir o limite de 1,5°C nos próximos cinco anos
- O clima cada vez mais instável é resultado do aquecimento global
- A meta de zero líquido de CO2 até 2050 é realista?