23 Mai 2025
"Espero que o bom começo de Leão XIV e a excelente recepção que teve da comunidade internacional, dos líderes de outras religiões e da comunidade cristã se concretizem ao longo de seu pontificado em atitudes, práticas, gestos, compromissos e escolhas a favor do Sul global, em sintonia com os movimentos sociais e com os coletivos que trabalham por “Outro Mundo Possível”."
O artigo é de Juan José Tamayo, publicado por Religión Digital, 22-05-2025.
Juan José Tamayo é teólogo da libertação e professor emérito honorário da Universidade Carlos III de Madrid. Seu último livro é Cristianismo radical (Trotta, 2025, 2ª ed.).
Espero que o bom começo de Leão XIV e a excelente acolhida que recebeu por parte da comunidade internacional, dos líderes de outras religiões e da comunidade cristã se concretizem ao longo de seu pontificado em atitudes, práticas, gestos, compromissos e opções em favor do Sul global.
Quando um papa é eleito e se pergunta sobre sua orientação política, costuma-se responder que é preciso separar a esfera política da religiosa e que o pontífice é apenas um líder religioso, que não se envolve em assuntos políticos. Esquece-se, no entanto, que a Igreja Católica é um Estado, que o pontífice é o chefe desse Estado e desempenha um papel político muito importante na esfera internacional. O exemplo mais próximo é o papa Francisco, que durante seus 12 anos de pontificado se tornou um líder internacional não apenas no campo moral, mas também no político, econômico e social, por meio de suas intervenções públicas, gestos, viagens e encíclicas, que não deixaram ninguém indiferente.
Sua posição na cena política foi o Sul global, entendido não apenas geograficamente, mas, segundo o cientista social português Boaventura de Sousa Santos, como a metáfora do sofrimento sistêmico causado pela injustiça estrutural das classes sociais e dos povos oprimidos, provocada pelos diversos sistemas de dominação que atuam em aliança e cumplicidade: o capitalismo, o colonialismo, o patriarcado, a xenofobia, o racismo, o supremacismo branco, o imperialismo, o fundamentalismo político, religioso e econômico.
A maioria de suas viagens teve como destino países do Sul global. Suas mensagens de denúncia e suas propostas alternativas foram direcionadas a melhorar as condições de vida dos povos do Sul. Reconheceu um protagonismo às igrejas do Sul como encarnação da Igreja pobre e dos pobres. Foi no Sul que se encontram as periferias humanas às quais Francisco se dirigiu.
Afirmou que o sistema econômico neoliberal gera desigualdades extremas, empobrecimento e subdesenvolvimento no Sul global e mata! — não apenas metaforicamente, mas de forma real — milhões de seres humanos. E localiza esse sistema assassino no Norte global. Na encíclica Laudato Si’, sobre o cuidado da casa comum, afirma que o Norte tem uma dívida ecológica com o Sul que se recusa a pagar, ao mesmo tempo em que obriga os povos empobrecidos a pagar sua dívida externa, que se transformou em uma dívida eterna. Diante de tamanha injustiça, instou os países do Norte a pagarem a dívida ecológica contraída com o Sul. Como? Reduzindo substancialmente o consumo de energia não renovável e destinando mais recursos aos países mais necessitados, por meio de políticas e programas de desenvolvimento sustentável (Laudato Si’, n. 52).
São os povos do Sul global, reconhecia Francisco, os que possuem importantes reservas da biosfera e contribuem para o desenvolvimento dos países mais ricos. Suas terras são ricas e pouco contaminadas, graças ao bom trato que recebem de seus habitantes, que formam com a natureza uma comunidade eco-humana. No entanto, “o acesso à propriedade dos bens e recursos para satisfazer suas necessidades vitais lhes é negado por um sistema de relações comerciais e de propriedade estruturalmente perverso” (ibid., n. 52).
Criticou o colonialismo cultural do Ocidente, por exemplo, em relação a países com uma forte estrutura tribal como o Iraque e a Líbia, aos quais o Ocidente tentou impor seus próprios valores e, em particular, seu próprio estilo de democracia — que não é precisamente um exemplo de transparência e está submetido à ditadura do mercado. E tudo isso em troca de uma esmola financeira. Relacionou, por sua vez, o colonialismo cultural com o avanço do terrorismo. É o colonialismo que gera a violência. Assim o reconheceu em uma entrevista publicada no jornal católico francês La Croix em 16 de maio de 2016.
Colocando-se ao lado do Tribunal Penal Internacional e das organizações internacionais de direitos humanos, qualificou os ataques de Israel contra a população civil de Gaza como genocídio. Denunciou a crueldade dos bombardeios de Israel em Gaza por ocasião do assassinato de 25 palestinos, entre eles sete menores de idade. “Isso não é uma guerra, é uma crueldade. Quero dizer isso porque toca o meu coração”, disse. Enfrentou Trump ao denunciar sua política de expulsão de imigrantes em condições desumanas e a limpeza étnica em Gaza em apoio a Netanyahu.
Na viagem de Francisco à Bolívia, em julho de 2015, Evo Morales se referiu ao colonialismo: “em 1492 sofremos uma invasão europeia e espanhola”. Diante de tal denúncia, a resposta do Papa foi um humilde pedido de perdão “não apenas pelas ofensas da Igreja, mas pelos crimes contra os povos originários durante a chamada conquista da América”. Em termos semelhantes já haviam se pronunciado João Paulo II e Bento XVI, mas não com tanta contundência. Num ato de justiça, Francisco também reconheceu aqueles que, durante a conquista, “se opuseram à lógica da espada com a lógica da cruz”.
Com sua posição no Sul global, Francisco estava apontando o caminho a ser seguido por Leão XIV no atual cenário geopolítico. O novo Papa já deu alguma pista disso no discurso que proferiu após sua eleição. Nele, defendeu uma “paz desarmada e desarmante”, que vinculou à justiça. Sua mensagem era clara: a paz justa em oposição à guerra justa. Trata-se de uma proposta alternativa aos discursos e práticas belicistas de Trump, Putin, Netanyahu e do sionismo cristão. Constitui também um apelo dissuasório à política de rearmamento da União Europeia e ao aumento dos gastos com defesa. É, ainda, um convite à busca de caminhos de negociação para resolver os 56 conflitos armados que envolvem 92 países, e que ameaçam transformar o mundo em um colosso em chamas — se já não o for.
Outra das manifestações mais alinhadas de Leão XIV com Francisco, a quem cita reiteradamente em seus discursos, é sua defesa das pessoas e dos coletivos de imigrantes e refugiados, que confronta diretamente a política xenófoba, racista e anti-imigratória de Trump e de muitos dirigentes europeus, insensíveis com aqueles que vêm aos nossos países fugindo da guerra, da fome, da pobreza e do terrorismo. O compromisso com a hospitalidade de Leão XIV constitui um exemplo de humanidade diante das práticas desumanas de muitos governantes, que fecham completamente as portas de seus países àqueles que consideram estrangeiros.
A terceira linha de ação do novo papa é a criação de “uma Igreja que constrói pontes e mantém o diálogo sempre aberto”. É a resposta ao clima de polarização que reina hoje na Igreja, na sociedade, na vida política e nas relações internacionais. Um clima alimentado pelos discursos de ódio que impedem a convivência pacífica e frequentemente desembocam em práticas violentas contra as pessoas mais vulneráveis, os coletivos empobrecidos e os povos oprimidos.
Espero que o bom começo de Leão XIV e a excelente recepção que teve da comunidade internacional, dos líderes de outras religiões e da comunidade cristã se concretizem ao longo de seu pontificado em atitudes, práticas, gestos, compromissos e escolhas a favor do Sul global, em sintonia com os movimentos sociais e com os coletivos que trabalham por “Outro Mundo Possível”.