22 Mai 2025
O escritor espanhol reflete sobre a fé na época moderna entre uma instituição milenar e a necessidade de novas palavras, coragem e humor.
A entrevista é de Eugenio Giannetta, publicada por Avvenire, 20-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Comecemos pelo fim: encontro Javier Cercas no hall de seu hotel durante os dias do Salão do Livro. Depois de uma longa entrevista, pergunto-lhe como se aceita escrever um livro como o seu, sendo um não crente. É um grande desafio, digo-lhe. Sua resposta é: "Como eu poderia não o ter feito? Pela primeira vez, a Igreja abriu suas portas para um escritor para falar com as pessoas, para entrar no Vaticano. Como dizer não?"
O livro em questão é "Il folle di Dio alla fine del mondo" (Guanda, 462 páginas, € 20,00) e Cercas acrescenta: "Foi uma oportunidade extraordinária, única. Trata-se de uma instituição fundamental dos últimos dois mil anos. Todos os impérios ruíram, mas a Igreja ainda está aqui. O que acontece lá dentro? Como se pode não ficar interessado? Eu sou ateu, não sou estúpido. Era preciso ir ver, escutar”.
E aqui ele nos conta uma pequena parte de tudo isso.
Qual deveria ser o papel do catolicismo na cultura contemporânea?
Em primeiro lugar, o catolicismo não deve ter medo. Acredito que às vezes fica um pouco na defensiva. E depois acho que a Igreja e os católicos têm um problema linguístico. A linguagem da Igreja e, portanto, dos católicos, às vezes é enigmática, como a de um grupo fechado. Quando se fala das palavras do papado de Francisco, existe uma palavra fundamental para mim, que diz muito sobre a ‘revolução’ de Francisco, e é sinodalidade. Mas ninguém entende a palavra sinodalidade. Nem mesmo os católicos, eu acho. Esse é um problema, porque dessa forma as pessoas se entrincheiram e discutem coisas que ninguém entende. E há outro problema: é uma linguagem ultrapassada. Não interessante. Enferrujada. Falam-se as mesmas coisas com as mesmas palavras. E nós, escritores, sabemos muito bem que muitas vezes acabamos dizendo as mesmas coisas, mas elas precisam ser ditas de outras maneiras, temos que encontrar uma forma de fazê-lo. É preciso falar de amor, de beleza, mas com uma linguagem atraente, forte, irônica. Irônica no sentido do humor, que é uma força enorme e raramente a associamos ao catolicismo.
Existe algum escritor católico que venha à sua cabeça capaz de usar o humorismo?
Chesterton. Kafka dizia algo genial sobre Chesterton: é tão divertido que parece ter visto Deus. Era seu senso de humor que o tornava atrativo. Quando pensamos no catolicismo, no entanto, frequentemente pensamos em algo defensivo, solene, previsível.
Nesse sentido, Francisco mudou a linguagem, certo?
Vi Spadaro esses dias no Salão e ele me deu seu último livro, chamado Viva la poesia, ou seja, viva uma nova linguagem. E ele diz exatamente isso. A Igreja precisa de uma nova linguagem. Durante meu período no Vaticano para o livro, fiquei pensando em uma frase de Cioran que diz mais ou menos isso: ‘Toda religião é uma cruzada contra o senso de humor’. Para mim, isso é catastrófico, porque o senso de humor é uma forma de inteligência. Na verdade, é a coisa mais séria do mundo. E não sou eu quem diz isso, Cervantes o dizia.
Encontrou humor em Francisco?
Encontrei um homem que faz uma defesa radical do senso de humor. Lucio Brunelli, um de seus amigos – escrevi isso no livro – um dia me disse algo que eu nunca tinha lido ou ouvido antes sobre uma coisa extraordinária que Francisco lhe contou certo dia: ‘A coisa mais próxima da graça divina é o senso de humor’. Quando alguém ri, se entendem muitas coisas. Rir é uma forma de conhecimento profundo, a mais próxima da graça divina.
Qual é, na sua opinião, o legado cultural que Francisco nos deixa?
Para mim, o legado mais importante é religioso. No meu livro, eu quis enfatizar que o Papa é o Papa porque é um líder religioso. Ele tem uma dimensão política, cultural, muitas dimensões, mas a que prevalece e deve prevalecer é a religiosa. A dimensão política é completamente supervalorizada. Falou-se de um Papa revolucionário. Depende do sentido da palavra revolucionário. Se quer dizer que ele mudou a doutrina cristã, a resposta é não. Mas se revolucionário quer significar o desejo de retornar à Igreja de Cristo, então sim. Mas para mim, essa não é uma revolução de Francisco. É a revolução que a Igreja quer fazer desde o Concílio Vaticano II.
Em sua opinião, Francisco completou a "revolução"?
Acredito que não. Uma coisa que não se entende fora da Igreja é que o Papa não pode fazer tudo.
E quanto ele fez?
Talvez 3% do que ele queria fazer, mas não sabemos até onde queria ir. Ele foi um Papa que se movia mais rápido que a Igreja. Foi disruptivo. Alguns dizem ‘revolucionário sem revolução’, mas eu acredito que a Igreja precisa de muitos outros papados em continuidade com a sua visão para mudar.
Leão XIV está em continuidade?
Parece-me evidente. Talvez por esse mesmo motivo, para tentar continuar aquele trabalho. Depois da morte de Francisco, falou-se — pelo menos segundo a análise que vi nos meios de comunicação — que o mundo viveria um momento de contrarrevolução, um momento reacionário, o outro lado do pêndulo. E então se falou: a Igreja, com sua inteligência geoestratégica bimilenar, fará a mesma coisa e escolherá um Papa muito mais próximo dessa contrarrevolução. E eu pensei: isso não é tão fácil. Não sou um adivinho, não sou um vaticanista, mas não vejo isso como algo fácil. E, no fim, de fato, o novo Papa é um homem de Francisco. O caminho é o mesmo.
No livro, você conversa com Tornielli sobre a relação entre mídia e fé. Qual é a sua visão da relação entre esses temas?
Quando se fala de Igreja, quando se fala de Francisco, se tende a falar mais de política do que de religião. Isso é um paradoxo, porque o Papa não tem um poder político. É verdade que o Papa Francisco tinha uma visão política do mundo, mas seu poder político é superestimado. Vou dar um exemplo simples: o novo Papa disse ‘chega de guerra’ e estou muito feliz. Acho que ele deve dizer isso. Mas quantas guerras uma frase do Papa já encerrou? Nenhuma. Se Putin disser ‘vamos para casa’, a guerra acaba. Essa é a diferença entre um político e o Papa. Acredito, contudo, que isso depende das mídias, porque muitas vezes pensam que religião não é interessante ou não entendem muito. Então não falam disso e acabam falando de outra coisa. Em vez disso, um dos desafios de meu livro é falar sobre coisas como a fé, a ressurreição da carne, a vida eterna, e demonstrar que se pode falar sobre elas.
Alguma coisa mudou para você depois dessa experiência?
Minha visão de mundo mudou completamente. Um livro que não é capaz de mudar você, não pode mudar o leitor. Afinal, é isso que a literatura quer. A literatura é uma aventura. Uma aventura muda você. Se não muda você, não é uma aventura. A literatura é prazer, em primeiro lugar. Mas além disso, é uma forma de conhecimento. E um conhecimento que não transforma você, não é conhecimento. Então, sim, mudou minha visão. De tudo: de Francisco, da Igreja, do Vaticano, de mim mesmo. Tudo é muito mais complexo.
Se você tivesse que escrever novamente sobre uma figura religiosa, quem escolheria?
Talvez Francisco de Assis. Ou uma figura como Pedro, que traiu três vezes. Ele é interessante porque o cristianismo é para os pecadores, para as pessoas normais, para aqueles que têm medo.