06 Julho 2022
Explorando os traços da figura de Jesus, o refinado escritor inglês G. K. Chesterton, em “Ortodoxia”, defende que, em várias ocasiões, ele não conteve a ira e não escondeu as lágrimas, mas guardou algo: “Havia algo que Ele escondia de todos homens quando subia ao monte para rezar. Havia algo que Ele ocultava constantemente com um silêncio abrupto ou com um isolamento impetuoso. Havia algo que era tão grande para que Deus pudesse nos mostrar quando caminhou sobre a nossa Terra, e às vezes eu imagino que era o seu riso”.
O comentário é de Roberto Righetto, publicado por Avvenire, 01-07-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os teólogos não debateram muito nos séculos passados sobre o humorismo de Jesus. Recorda-se o ditado medieval “flevisse lego, risisse numquam”, do abade Ambrósio de Autperto. Nas últimas décadas, causou discussão um artigo na revista Communio, do jesuíta Xavier Tilliette, que se intitulava justamente: “Jesus alguma vez riu?”.
Agora, o biblista alemão Klaus Berger se aventura no tema com o livro “Un cammello per la cruna di un ago? L’umorismo di Gesù” [Um camelo pelo buraco de uma agulha? O humorismo de Jesus], recém-publicado pela editora Queriniana.
Klaus Berger, Queriniana, pp. 232, € 28
(Foto: Divulgação)
Conhecido por todos os estudiosos pelo best-seller “Jesus”, publicado em 2007 e traduzido para muitas línguas – e citado também por Ratzinger nos seus livros sobre Jesus de Nazaré – o teólogo faleceu em 2020, e esta é provavelmente a sua última obra publicada. A escolha da epígrafe já é singular, uma citação do livro “Jesus e Judas”, de Amoz Oz, recentemente traduzido para o italiano pela editora Feltrinelli. Eis as palavras apaixonadas do escritor israelense: “Então eu li os Evangelhos e me apaixonei por Jesus, pela sua visão, pela sua ternura, pelo seu soberano senso de humor, pela sua franqueza, pelo fato de seus ensinamentos serem apresentados tão cheios de surpresas e tão cheios de poesia”.
Humorismo e poesia, ternura e franqueza são sinais assumidos por Berger para constatar imediatamente que o humorismo não é uma exceção, mas parte da mensagem de Cristo. É claro que apenas em duas passagens dos Evangelhos apócrifos é que vemos o próprio Jesus rindo, mas isso não muda o fato de que muitas vezes as palavras de Jesus, ora zombeteiras, ora grotescas, acabam provocando um riso libertador nos seus interlocutores. Quer ele fale do camelo e do buraco da agulha, do cisco e da trave, das pérolas jogadas aos porcos ou da moeda da viúva, Jesus quer despertar a consciência de quem o escuta e libertá-lo dos enganos e das falsas representações que a pessoa criou na mente. Sem necessariamente ser divertido – Cristo não conta piadas – ele é altamente eficaz graças ao “conteúdo áureo” do seu humorismo.
O transgressor de tabus, o arauto do humorismo absurdo, o perturbador exagerado: essas são algumas definições da personalidade de Jesus. “No humorismo de Jesus, expressa-se a sua atitude em relação aos tabus que cercam todo judeu piedoso e também todo cristão piedoso”, explica o biblista, lembrando que o humorismo dá a possibilidade de revelar a realidade e de mostrar a verdade sem discursos abstratos.
E se às vezes Jesus dá a impressão de exagerar nas provocações, como quando, a respeito da prostituta que derrama perfume em seus pés, ele: “Ela muito amou”, ou quando elogia o administrador desonesto, é porque quer fazer com que as pessoas entendam que a sua mensagem vai além da moral e que quem o segue deve trilhar caminhos inusitados e impensados.
E quando é acusado de tolerar um desperdício, quando outra mulher o unge com óleo e os discípulos reclamam que aquele óleo poderia ser vendido e o dinheiro obtido poderia ser dado aos pobres, Jesus também desorienta quem está à sua frente, indicando-lhes que o amor ao próximo nunca deve ser separado do amor a Deus: o fato de honrá-lo não está em contradição com a generosidade e a solidariedade.
Berger comenta atualizando o discurso: “Em outras palavras, o esbanjamento de recursos para o culto e para a piedade é até hoje, sempre e novamente, posto em concorrência com o amor ao próximo”.
Em outros casos, rimos porque a verdade da existência humana é representada de forma deformada e grosseira, o que abala mais do que um sermão. Assim como na ação teatral. “O cômico, o bobo, o demasiado humano obtêm uma evidência própria. E o mesmo vale para a verdade em geral: ela leva a melhor não quando é inculcada a todo o custo, mas apenas graças à sua própria evidência”, observa o autor, que sustenta que Jesus conhecia o teatro de Diocesareia [Séforis], localizado a apenas oito quilômetros de Nazaré, construído perto de uma montanha, e também não exclui que ele e seu pai, José, tenham trabalhado na sua construção.
O desmascaramento das contradições funciona em muitos outros episódios: no caso da latrina, por exemplo, quando Jesus raciocina sobre a fonte da impureza, que deve ser vista nos pensamentos e nas ações dos homens, e não naquilo que é sujo e pode contaminar o próprio homem de fora. Podemos falar de “humor ácido” no caso do castigo com a pedra do moinho, que representa o contrário do possível e lembra os castigos infernais retratados por Hieronymus Bosch.
No seu exercício constante de crítica profética, Jesus se serviu amplamente de paradoxos que poderiam dar medo ou levar ao riso, e nisso Berger vê uma certa afinidade com os filósofos cínicos itinerantes da época, que, com as suas atitudes descaradas e as suas frases sarcásticas, acabavam chamando a atenção dos homens antigos.
Portanto, é quase inevitável que o livro termine com uma passagem da famosa oração de Thomas More: “Senhor, dá-me senso de humor, dá-me a graça de entender uma piada, para que eu possa ter um pouco de alegria nesta vida e compartilhá-la com outros”.
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Jesus e aquele senso de humor que faz pensar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU