25 Junho 2022
“Diz-se que Jesus nunca riu. Ele falou de pecado e graça, do reino de Deus e do inferno. Nada disso tudo, porém, é engraçado ou espirituoso. Em todo o caso, o Novo Testamento não relata em nenhuma circunstância que Jesus tenha rido. Pode-se pensar, porém, ou mesmo apenas imaginar que Jesus percorreu os campos com as discípulas e os discípulos, comeu e bebeu vinho com eles, mas que em tudo isso era proibido rir?” (p. 8). Assim soa a pergunta que nos é feita no início de seu livro por Klaus Berger, que revela o renomado exegeta alemão ocupado com um tema nada convencional: o humorismo de Jesus.
O comentário é de Stefano Fenaroli, teólogo italiano, publicado em Teologi@Internet, o blog da Editora Queriniana, 15-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É possível reler os relatos evangélicos canônicos, assim como os numerosos testemunhos apócrifos que nos chegaram desde a antiguidade, focando a atenção no uso aparentemente irônico e humorístico de algumas expressões e imagens utilizadas por Jesus? Que rastros ou sinais claros temos para poder falar de um “humorismo” de Jesus? E qual pode ser o seu significado teológico, ou seja, para poder falar “melhor” de Deus?
(Foto: Divulgação)
A resposta do autor a todas essas perguntas se articula em um denso e colorido itinerário teológico-bíblico, que parte da firme convicção de que certamente é possível falar de um “humorismo” de Jesus (embora apenas os apócrifos falem explicitamente do seu “riso”), reconhecendo que este não é um simples expediente literário, mas esconde em si um significado teológico muito preciso.
O uso de exageros, paradoxos, contradições, contrastes revela-se como uma preciosa chave de leitura para compreender a novidade e o caráter singular da história de Jesus e a sua revelação do rosto autêntico de Deus.
Ao mesmo tempo, porém, é na reação que essa linguagem desperta que podemos encontrar um sentido ulterior do humorismo de Jesus, quando o ouvinte, o destinatário dessas palavras se vê desnorteado nas suas próprias convicções, lançado em uma situação de desorientação.
“O humorismo surge como reação, quando a imagem que alguém tem das possibilidades até agora válidas para ele se encontra e está diante daquelas que lhe são apresentadas por Jesus em todas as suas consequências” (p. 158).
É assim, então, que as parábolas, as metáforas, os contos, os milagres que têm Jesus como protagonista muitas vezes põem em cena aquilo que Berger identifica como uma “inversão de valores”.
“O humorismo de Jesus se manifesta como uma atitude diante da vida e um modo de vida complexo, que poderia ser definido como semi-infantil e que é o oposto de uma seriedade que não se deixa aproximar” (p. 110).
Nesse sentido, o que parece pequeno é colocado novamente no centro e valorizado como o bem mais precioso, pelo qual vale a pena experimentar a maior alegria (Lc 15). Da mesma forma, a pobreza de uma viúva é digna de maior consideração do que a riqueza de muitos (Mc 12).
Jesus demonstra que não se preocupa com o futuro (Mt 6), que tem plena confiança em Deus e na superabundância do seu dom, precisamente porque é no reconhecimento de Deus nas pequenas coisas que se encontra o fundamento da esperança no futuro.
“Em muitos casos, o humorismo de Jesus equivale a esta visão do mundo: ‘Pôr à dura prova o bom senso comum das pessoas’. Porque, se o amor e as palavras de Jesus são mais fortes do que a morte, se o futuro de todo poder soberano é o reino de Deus, então até mesmo as crianças que conhecem Jesus são os maiores, palavras fracas como as orações são o poder mais forte, e as palavras de Jesus são como as palavras criadoras do mediador da criação” (p. 123).
Esta é, então, a palavra-chave para compreender o humorismo de Jesus: uma transformação radical do modo comum de sentir, dos valores e das convenções que marcam a vida humana. Até a morte é tratada com ironia e muitas vezes com irreverência.
“Jesus enfrenta o tema da morte com uma audácia quase incrível ou, melhor, com insolência e falta de tato. Por quê? Porque ele pode se permitir isso” (p. 128).
Este é precisamente o testemunho principal da divindade de Jesus: só Deus pode falar do humano desse modo, dando peso, colocando novamente em “primeiro lugar” e levando “a sério” aquilo que, segundo o próprio ser humano, não tem importância.
Um procedimento que chega a ridicularizar até mesmo certos aspectos da moral do povo de Israel e que permite imaginar um Jesus que literalmente “ri” de alguns aspectos da primeira comunidade cristã, como podemos ler em alguns textos apócrifos conhecidos.
Um aspecto interessante, bem evidenciado pelo autor, é o fato de que esse recurso constante e pontual ao paradoxo, à crítica cáustica e irônica, assim como a referência característica ao mundo animal (camelos, pássaros, escorpiões, porcos etc.), parece aproximar Jesus de uma certa escola de retórica, assim como da filosofia cínica.
Um itinerário bíblico-exegético, portanto, rico em referências, citações, trechos e curiosidades; empenhado em oferecer uma leitura precisa e pontual do relato evangélico, canônico e apócrifo, evidenciando aspectos e passagens que às vezes podem passar despercebidos ou ser deliberadamente considerados como “modos de dizer” ou excessos negligenciáveis.
É justamente nesses pontos, porém, que se esconde, segundo Berger, o significado autêntico da revelação de Jesus, o seu gesto de descompaginar modelos de comportamento e de pensamento, para abrir espaço ao modo de ver a realidade da parte do próprio Deus.
Não se trata, portanto, de uma operação frívola ou fantasiosa, mas de um autêntico caminho teológico-bíblico destinado a deixar vazar uma imagem de Jesus, talvez, segundo o autor, ainda mais autêntica e “próxima” de nós do que uma argumentação teológica mais elaborada e sistemática conseguiria fazer.
“Ao fazer a pergunta sobre o humorismo de Jesus, encontramos um Jesus estranho. Porque, mesmo que fosse verdade aquilo que é maximamente improvável, ou seja, que Jesus nunca riu, mesmo assim seria preciso se interrogar sobre a reação das pessoas às suas palavras e ações. De fato, entre rir, zombar, sorrir, gargalhar e aplaudir, há uma multidão de reações possíveis. As palavras e as ações de Jesus [...] são um caminho de acesso particular e autônomo a Jesus. Pelo menos foi assim para mim. Nem a exegese nem a dogmática conseguiram me aproximar tanto de Jesus. Muitas vezes, eu tenho a impressão, enquanto reflito sobre estas anotações e narrações, de que me encontro de um modo totalmente novo diretamente diante de Jesus como um semelhante, um amigo ou – falando com respeito – um colega” (p. 8).
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O humorismo de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU