29 Abril 2025
O escritor espanhol apresenta seu novo livro, 'O Louco de Deus no Fim do Mundo', na Feira do Livro de Bogotá. Foi inspirado por uma viagem que ele fez com o falecido pontífice.
A informação é de Diego Stacey, publicada por El País, 28-04-2025
O novo livro de Javier Cercas, O louco de Deus no fim do mundo (Random House), é fruto da irresponsabilidade do Vaticano do Papa Francisco, falecido na última segunda-feira. "Com outro Papa, este livro não existiria, e a prova é que ele não existe", disse o escritor em conversa com este jornal após a apresentação de seu romance de "não ficção" na Feira do Livro de Bogotá. O autor se inspirou na viagem que empreendeu com a comitiva do pontífice à Mongólia em 2023, com o objetivo de que o Papa respondesse a uma única pergunta: se sua mãe, quando morresse, se reuniria com seu pai para desfrutar da vida eterna.
Para Cercas (Cáceres, Espanha, 63 anos) foi estranho que os colaboradores de Jorge Mario Bergoglio o procurassem para escrever um livro sobre o Papa e a Igreja Católica, ainda mais considerando suas credenciais de "ateu, anticlerical e militante secularista", em suas próprias palavras. "Eles correram um grande risco. Não sabiam o que eu ia escrever e nem leram o livro antes de ser publicado", diz ele. Mesmo assim, ele obteve pleno acesso à cúpula do Vaticano para fazer perguntas, sobretudo, sobre teologia, área que, segundo o autor, foi pouco explorada no que foi escrito sobre Francisco.
“Antes de escrever, assisti a entrevistas com o Papa e fiquei surpreso ao ver que ele praticamente só falava de política. Ele não era um líder político; não tinha poder executivo real. A religião estava completamente enterrada. Isso me deixou perplexo, e é por isso que eu queria perguntar a ele sobre a ressurreição da carne e a vida eterna, os temas que o preocupam”, diz ele.
Com outro Papa, este livro não existiria e a prova é que ele não existe.
Foi por acaso ou destino — “um momento especial, quase milagroso ”, segundo o pensador Alejandro Gaviria, que apresentou a obra em Bogotá — que o livro foi publicado poucos dias antes da morte de Francisco. Agora, o autor involuntariamente se tornou um porta-voz do pontífice. “A culpa é da mídia”, brinca. "Não sou especialista, nem pretendo ser. Estudei-o [o Papa] por dois anos, mas para um especialista, um cardeal é um cardeal." O que está claro é que essa sincronicidade atraiu muitos leitores, curiosos para aprender mais, seja o que for, sobre o falecido pontífice.
No entanto, Cercas fala com grande facilidade quando perguntado sobre o papado de Bergoglio e a palavra tão usada atualmente para descrevê-lo: revolucionário. “É irrealista” chamá-lo assim, diz ele, porque embora tenha levantado questões como o papel das mulheres na Igreja ou a aceitação da comunidade LGBTI, “ainda ficou muito aquém” de uma revolução. “Se o Papa Francisco tivesse ido tão longe quanto queria, sem dúvida teria havido um cisma, ou dois, ou três.”
Embora para muitos progressistas o progresso tenha sido mínimo, o autor destaca que Francisco foi um Papa muito incômodo para os setores conservadores. "Dizer que nada mudou é falso. Há uma razão pela qual vimos muitos padres rezando por sua morte", contrasta. A maior revolução do pontífice, segundo Cercas, foi a sinodalidade. "É a palavra que definiu o papado de Francisco. Ele queria uma Igreja horizontal, mais democrática e baseada em assembleias, mais próxima do cristianismo primitivo. Isso era muito assustador para os grupos reacionários", explica.
Essa visão institucional não fez de Francisco um Papa “de esquerda”. É um erro interpretar o que está acontecendo na Igreja em nossos termos políticos seculares. Francisco não era nem de esquerda nem de direita. Ele era ambos: mais próximo da esquerda do ponto de vista social e mais próximo da direita do ponto de vista moral. Para além deste debate, o essencial para o autor não é a dimensão geopolítica de Bergoglio, mas a sua visão espiritual, como ele afirma em várias seções do seu livro.
A política certamente não escapará do conclave que começará em poucos dias no Vaticano para eleger o sucessor de Francisco. A previsão predominante desde que o Papa foi hospitalizado, diz Cercas, é que o próximo pontífice estaria alinhado com a guinada neoconservadora e reacionária defendida no ano passado por figuras como Donald Trump e Javier Milei. O autor não acredita que esse seja o caso. Seu argumento, simples, "mas que muitos não percebem", é que Francisco nomeou quase 80% dos cardeais que votarão. "Isso não significa que todos concordam completamente com sua visão das coisas, mas significa que elas não estão tão distantes", esclarece.
Cercas evita qualquer certeza, mas oferece duas opções para o que poderia acontecer: “Vejo duas possibilidades gerais. De um lado, um Papa que continue a linha de Francisco de forma mais moderada. De outro, alguém que desacelere um pouco o ritmo da mudança e retroceda sem que o retrocesso seja muito perceptível.” Em outras palavras, ele não espera que um radical de qualquer extremo seja eleito, muito menos um progressista. “Que os cardeais elejam um homem que persegue as reformas com mais intensidade [do que Bergoglio] parece-me impossível”, diz ele.
As consequências da morte do Papa, ele explica, o surpreenderam. “Dizemos que a Europa e o mundo já não são católicos, bem, se ao menos fossem…” ele graceja. O sucesso do seu livro foi um desses efeitos colaterais: foi um dos mais vendidos no Festival de Sant Jordi, em Barcelona, no dia 23, e nesse ritmo, provavelmente estará no topo das listas da Feira do Livro de Bogotá.
“A Igreja tem uma força imensa”, ele reconhece, mas não tem medo de dar um conselho a uma instituição com 2.000 anos: mude sua comunicação. Para Cercas, o Vaticano só tem a oportunidade de representar "a nova visão de mundo" se superar o que ele considera seu maior problema hoje: uma linguagem "sem frescor, sem vitalidade, sem apelo, sem força" em todos os seus aspectos, das homilias à mídia vaticana. A Igreja, ele conclui, deveria "aprender algo com Francisco e incorporar seu senso de humor".