Alegria, bom humor e riso não estão fora da vida de quem crê, mas ocupam o seu centro. Há até quem hoje sustente que “o humor é a única forma de santidade possível para o homem contemporâneo”.
A opinião é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, em artigo publicado por Settimana News, 13-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O tema da afabilidade e do bom humor e das boas maneiras parece estar no centro de um interesse crescente, que passa transversalmente por diversas disciplinas como a sociologia, a filosofia política, a psicopedagogia e até a teologia.
É uma dimensão fundamental da existência humana que, entre outras coisas, parece estar posta em risco sobretudo na nossa sociedade ocidental, em que os conflitos e as tensões cotidianas correm sempre o risco de se radicalizar e de se exasperar, perdendo de vista a moderação oferecida pelo humorismo ou, se poderia dizer com um termo quase equivalente, pela ironia.
De um ponto de vista teológico-pastoral, pode-se notar que, referindo-se às qualidades humanas dos presbíteros, o Concílio Vaticano II recomenda “aquelas virtudes que são justamente muito apreciadas na sociedade humana” [1].
No quarto livro da “Ética a Nicômaco”, Aristóteles analisa três virtudes que regem a troca de palavras, coisas, ações entre quem vive junto.
A primeira virtude, que atua nos colóquios, na convivência e na troca de palavras e de coisas é uma virtude sem nome que se assemelha à amizade, porque ensina a tratar todas aquelas pessoas com as quais se tem relações sociais como se fossem amigas, tentando lhes oferecer prazer e não causar dor, mesmo que não se sinta nenhuma afeição particular em relação a elas; opõem-se a essa virtude, que consiste, portanto, em ser agradável com os outros, escolhendo de vez em quando, de acordo com os interlocutores, os modos oportunos, dois vícios que consistem em ser sempre ou demasiadamente complacente ou sempre ou demasiadamente entediante e litigioso.
Essa é a virtude da affabilitas tomasiana. A escolha de São Tomás de buscar uma palavra nova para definir essa virtude não se deve apenas à omissão de Aristóteles; a palavra latina adfabilitas, de fato, se refere a Cícero e em particular à sua sistematização das virtudes sociais dentro da justiça, com referências precisas aos conceitos de decorum e de honestum [2].
A segunda virtude, também esta inominada, ensina a falar e a agir de modo verdadeiro; essa virtude consiste em se mostrar como se é nos discursos e nos comportamentos, in sermone et in vita; são dois os vícios que se opõem a ela por excesso e por defeito: a jactância, típica de quem se atribui méritos que não tem ou amplifica os que tem e a ironia típica de quem nega ou subestima qualidades que possui.
A terceira virtude, chamada eutrapelia, ensina a proporcionar o repouso e o divertimento necessários; tudo sem cair, por excesso, no vício de quem quer fazer rir sempre e de todos os modos, em vez de dizer palavras divertidas, decorosas e não ofensivas, ou no vício de quem, por defeito, nunca diz nada de ridículo e se irrita com quem faz isso, mostrando-se muito rude e duro em relação ao próximo. É uma virtude que também pode ser descrita como bom humor, jovialidade ou garbo na recreação.
Todas as três virtudes, como o próprio Aristóteles resume, dizem respeito à troca de palavras e de ações: uma vigia sobre a verdade nas relações sociais, as outras duas sobre o prazer que deriva das diferentes atividades da vida comum e do jogo [3].
Na “Summa Theologiae”, Tomás diz que, assim como o corpo precisa descansar depois de um período de trabalho, assim também a alma não pode permanecer sempre concentrada sem ter momentos de relaxamento.
São Tomás trata dessa virtude dentro da temperança nas atitudes exteriores do corpo [4]. Eis o que ele escreve:
“O homem precisa do repouso físico para restaurar o corpo, que não pode trabalhar continuamente devido aos limites das suas próprias energias, de modo que precisa dele para a alma, cujas forças são adequadas apenas para determinadas atividades. Por isso, quando a alma se ocupa desmedidamente em algum trabalho, sente o esforço e a fadiga: especialmente porque o corpo também colabora nas atividades da alma. Ora, os bens conaturais ao homem são os sensíveis. E assim, quando a alma, ocupadas em atividades de ordem racional, tanto no campo prático quanto no especulativo, se eleva acima das realidades sensíveis, sente uma certa fadiga. Sobretudo, porém, se atende à atividade contemplativa, porque então se eleva mais nos sentidos; embora talvez a fadiga do corpo, em certas atividades da razão prática, seja maior. No entanto, tanto no primeiro quanto no segundo caso, quanto mais alguém se cansa na alma, maior é o empenho com que atende à sua atividade racional. Ora, assim como a fadiga física se desfaz com o repouso do corpo, assim também a fadiga da alma deve ser desfeita com o repouso da alma. Mas o repouso da alma é o prazer, como foi dito no tratado sobre as paixões. Portanto, para aliviar a fadiga da alma, é preciso recorrer a um prazer, interrompendo a fadiga das ocupações de ordem racional” [5].
Para o Aquinate, é até pecado ser sério demais. “É contrário à razão – escreve ele – ser um fardo para os outros, nunca se mostrando agradável ou impedindo a diversão alheia... aqueles que, em relação ao jogo, pecam por defeito, nunca dizem nada de divertido e não toleram que outros o façam, estes mesmos são viciosos, pedantes e mal-educados” [6].
As ofensas à virtude do bom humor consistiriam em um obstáculo à boa vida social. Brincar pouco demais pode ser pior do que muito. “Enquadra-se na virtude da eutrapelia dizer algum insulto leve, não para desonrar ou para entristecer a pessoa atingida, mas por recreação e por brincadeira. E isso pode ser feito sem pecado, observando as devidas circunstâncias. Se, por outro lado, alguém não teme entristecer quem é objeto dessas contumélias jocosas, a fim de fazer os outros rirem, então o ato é pecaminoso, como observa o próprio Aristóteles” [7].
Estamos, portanto, diante de um exemplo daquela reabilitação do jogo, da recreação, da piada, ou seja, de todos os atos que se enquadram na virtude da eutrapelia, da qual Hugo Rahner indica o iniciador em São Tomás [8].
Na exortação apostólica Gaudete et exsultate sobre o chamado à santidade no mundo contemporâneo (19 de março de 2018), Francisco lembrou que “o mau humor não é um sinal de santidade” e que “às vezes a tristeza tem a ver com a ingratidão, com estar tão fechados em nós mesmos que nos tornamos incapazes de reconhecer os dons de Deus” [9].
“O senso de humor é uma graça que eu peço todos os dias, porque o senso de humor te eleva, te faz ver o provisório da vida e levar as coisas com um espírito de alma redimida. É uma atitude humana, mas é a mais próxima da graça de Deus” [10]. O bom humor e a argúcia têm a ver com a relação íntima e pessoal com Deus, que permite relativizar e redimensionar os eventos, até mesmo os mais dramáticos, vendo-os na perspectiva da eternidade.
A eutrapelia tem uma função social e está ligada à esperança que dá força nas tribulações, à espera da única alegria plena e duradoura que aguarda pelo cristão na vida eterna. Nesse sentido, o bom humor é fruto da presença do Espírito Santo, que florescerá plenamente na glória.
“No entanto – acrescenta São Tomás – deve-se prestar atenção a três coisas: que o prazer nunca seja buscado em atos ou palavras torpes ou prejudiciais; que a alma nunca abandone totalmente a sua gravidade; que, como em todas as outras ações, a diversão seja adequada às pessoas, ao tempo, ao lugar e a todas as outras devidas circunstâncias. Ora, todas essas normas são ordenadas pela razão. Mas um hábito que age em conformidade com a razão é uma virtude. Por isso, o jogo pode ser objeto de uma virtude que Aristóteles chama de eutrapelia (etimologicamente: boa virada), porque sabe transformar fatos e palavras em gracejos”.
Até mesmo Dante Alighieri fala da eutrapelia no “Convívio”, definindo-a como a décima virtude do cristão, a penúltima antes da Justiça e depois da Fortaleza, Temperança, Liberalidade, Magnificência, Magnanimidade, Amor pelas honras (amor honoris), Mansidão, Afabilidade, Verdade. “A décima – escreve Alighieri – chama-se Eutrapelia, que nos modera na diversão, fazendo-a e usando-a devidamente.”
Assim, essa antiga palavra, hoje infelizmente esquecida, eutrapelia, ou seja – do grego – “alegria, jocosidade, bom humor”, indica uma virtude importante, que também foi traduzida na arte, uma arte particular, que graças aos céus nunca sai de moda há séculos e que se expressa por meio da literatura, do teatro, do desenho e muito mais. É a arte de fazer rir.
A eutrapelia é uma virtude que deveria ser recuperada, em um tempo que oscila entre uma soberba seriedade cheia de si e uma sátira maldosa e corrosiva. Em suma, predomina o escárnio desbocado, quando, ao invés disso, precisaríamos de um bom sorriso. A eutrapelia é uma virtude aparentada com a modéstia: ela nos ajuda a não nos darmos importância demais e a não crescer em soberba. Chesterton, um grande eutrapélico, dizia que o motivo pelo qual os anjos voam é que se levam com leveza.
A diversão, portanto, não é um fim, mas um meio para nos aperfeiçoarmos: a virtude do bom humor nos dá aquela forma de desapego e de elegância espiritual que nos permite captar e apreciar o lado jocoso da vida: virtude de santos, de místicos e de todos aqueles que não hesitam em se lançar com entusiasmo à resposta ao convite de Cristo.
Entre os santos, grandes exemplos dessa virtude foram São Francisco de Assis, São Filipe Néri [11], mas também São Francisco de Sales, que, na sua “Filoteia”, especificava as características de um bom humor cristão, que, em primeiro lugar, deve alegrar o coração e não ofender ninguém.
É possível dizer que escritores cristãos ricos em bom humor, como Giovannino Guareschi, o criador de Dom Camilo e Peppone, ou o Chesterton do Padre Brown, ou o escritor escocês Bruce Marshall foram alunos diligentes de Francisco de Sales e de Dom Bosco.
Poderíamos traduzir eutrapelia como iucunditas, a virtude do jogo. Na vida interior pessoal, na relação íntima com Deus, há lugar para essa virtude, consequência da humildade, junto com a alegria que nasce da caridade, da esperança e do espírito de filiação.
É ainda mais interessante voltar a nossa atenção para o modelo de todas as virtudes, ou seja, para Jesus Cristo, considerando-o como exemplo da eutrapelia e da iucunditas. Basta refletir sobre a sua real e perfeita natureza humana, com o correspondente equilíbrio psíquico, para deduzir a presença da alegria na vida de Jesus.
De fato, ter bom humor significa ter senso da medida, saber dar o valor justo aos problemas de acordo com a sua verdadeira importância, saber captar imediatamente os contrastes engraçados (voluntários ou involuntários) entre intenções e palavras ou entre palavras e fatos, que são tão frequentes nas relações humanas.
Podemos dizer que os elementos próprios do humorismo – ou do sense of humour – são a capacidade de captar o lado engraçado e contraditório da vida, rindo deles com benevolente compreensão; um olhar superior, que permite ver melhor e “além”; uma inteligência nova, que relativiza e redimensiona aquilo que se gostaria de assumir como absoluto e excelso.
Na base do mecanismo humorístico, parece haver constantemente uma relação entre fundo e primeiro plano, que é subitamente invertida. Tem-se, portanto, uma maneira diferente de ver a mesma realidade. O que era secundário se torna visível e se evidenciar um não dito que, embora velado, transgride a lógica e constitui um elemento de surpresa [12].
Não se trata simplesmente do bom humor que deriva de um belo dia de sol, de um temperamento naturalmente radiante ou de circunstâncias particularmente favoráveis. Como para todas as virtudes, falamos de um habitus interior que se adquire com o exercício e que se enriquece com o contato com a graça que o Espírito Santo dá.
Também é verdade, porém, que o humorismo é um elemento precioso para uma vida saudável e equilibrada, também do ponto de vista espiritual, porque tem muito a ver com o gratuito, a criatividade, a inteligência, todos elementos indispensáveis para a relação com Deus.
“A alegria profunda do coração também é o verdadeiro pressuposto do humor, e, assim, o humor, sob certos aspectos, é um índice, um barômetro da fé” (J. Ratzinger). E depois: “A alegria está muito unida ao senso de humor. A um cristão que não tem, falta alguma coisa […] para mim, o senso de humor é a atitude humana mais próxima da graça de Deus” (Papa Francisco).
O Papa Francisco afirmou em várias ocasiões: “Há 40 anos eu rezo a oração de São Tomás More”, para ter “o senso de humor. A alegria cristã e o senso de humor devem sempre andar juntos”.
São Tomás More foi um homem capaz com a arma do sorriso de enfrentar a sua vida, cheia de triunfos e de retrocessos repentinos, de glórias e de perseguições, e sobretudo de enfrentar alegremente o maior desafio, uma condenação à morte injusta e imposta pelo seu velho amigo, o rei Henrique VIII.
O humor, portanto, é uma arma ou, melhor, é uma virtude que o cristão não pode deixar de cultivar. Tomás More o fez e foi um homem feliz, capaz de dar felicidade a quem estava perto dele; mais do que feliz, foi bem-aventurado, forte por ser capaz de viver a sua “bem-aventurança” pessoal que ele resumiu nesta frase fulgurante: “Bem-aventurado quem sabe rir de si mesmo, porque nunca deixará de se divertir”.
A ironia cristã é sobretudo autoironia, uma atitude que suspende o juízo afiado sobre os outros e, ao mesmo tempo, está pronta para reconhecer, com misericórdia, os próprios limites. É nesse ponto que se solidifica a associação entre humorismo e humildade, outra virtude fundamental para o cristão.
As duas palavras provêm da mesma raiz: humus, terra, que é também a própria raiz de humanitas. O ser humano só é tal se se reconhece nascido da terra, feito de barro, limitado. Sobre essa essência frágil e suja, porém, Deus soprou o seu espírito, segundo o relato bíblico, elevando-o à mais alta das criaturas, à sua imagem e semelhança, resgatando-o da mera naturalidade. E não é por acaso que outro modo de dizer humor, humorismo é falar de espírito: uma pessoa bem-humorada é uma pessoa espirituosa, capaz de gracejos “de espírito”.
Evidentemente, tal sensibilidade não poderia faltar em Jesus, mesmo que, com efeito, os Evangelhos nunca apresentam um sorriso nos lábios de Jesus. A partir desse fato, alguns Padres da Igreja (isto é, alguns dos maiores teólogos cristãos dos primeiros séculos) concluíram que Jesus nunca sorriu.
A esse respeito, podemos citar, de João Crisóstomo, duas passagens das “Homilias sobre o Evangelho de Mateus” e das “Homilias sobre a Carta aos Hebreus”, que afirmam de modo lapidar e sem possibilidade de negação, que “Cristo nunca riu”. Isso é ecoado por um autor medieval, conhecido como Pseudo-Ambrósio (Ambrosiaster), que escreve sobre Jesus: “Flevisse lego, risisse numquam” (“Leio que ele chorou, nunca que riu”). Na exortação de Efrém, o Sírio, sobre o fato de que não se deve rir (“Quod non oporteat ridere”), lê-se que “o riso entristece o Espírito Santo, não beneficia a alma e arruína o corpo” [13].
Mas será que é realmente assim? Por outro lado, parece-me que os Evangelhos fornecem elementos abundantes, claros e inequívocos para provar o bom humor de Jesus. Uma pessoa verdadeiramente amável, uma pessoa de modos cheios de garbo, de sorrisos oportunos, de respostas que deixam mais leve o clima do ambiente e resolvem a situação (embaraçosa para quem cometeu um erro ou interveio de forma inadequada).
Portanto, é fácil imaginar a delicadeza e o bom humor com que Jesus ensinava e tratava as pessoas. Em última análise, essa virtude de Cristo – e, portanto, virtude cristã – não deveria se reduzir a uma parte da temperança [14], assim como a humildade, o amor ao estudo e a modéstia; pode-se dizer que, além de ser uma virtude própria do ser humano e de Cristo como Homem, ela constitui uma perfeição divina, própria do amor de Deus e do seu reflexo, que é o amor humano.
“Jesus devia ser um cara divertido”, diz o célebre narrador contemporâneo Anthony Burgess. Estamos, portanto, muito longe da séria afirmação de Santo Agostinho, retomada por toda a tradição no Ocidente, como se dizia acima, segundo a qual Cristo teria chorado raramente, mas nunca teria sorrido, de modo que os seus discípulos também deveriam pertencer à categoria (estoica!) dos aghelasti, os incapazes de riso.
É digno de pena quem não possui essa virtude! Falta-lhe a sensibilidade para apreciar a encantadora variedade da vida; vê tudo da mesma cor, sem reconhecer a importância relativa de tantos problemas e sem desfrutar as milhares situações divertidas que a Providência nos oferece.
“O homem – afirma Pio XII a propósito do cinema – é também superficialidade, e não apenas profundidade” [15]. Legítima “superficialidade” que pode e deve ser mantida até mesmo nos momentos mais importantes da vida, sem que o ser humano perca por isso a dignidade.
Na vida interior, essa virtude é necessária. Quem não a possui nunca terá à sua disposição aquele meio tão salutar da humildade cristã que consiste em saber rir de si mesmo. Acima de tudo, porém, será difícil para ele entender os caminhos de Deus, nos quais muitas vezes se insere o “jogo”, um jogo afetuoso ditado pelo seu afeto paterno; passará a vida em uma rígida atitude de seriedade, muito meritória provavelmente, mas inadequada ao espírito de filiação divina que o Paráclito suscita nas almas.
Com efeito, não se trata exclusivamente de uma forma de repouso, seja psicológico ou psíquico, mas de uma verdadeira sintonia com o “modo de ser” divino, com a sua solicitude paterna; poderíamos acrescentar que se trata de uma expressão festiva do amor sobrenatural.
Também é importante considerar o bom humor sob outro ponto de vista: o espírito de liberdade. A pessoa “séria” demais, sempre austera e imperturbável, não capta um componente importante da sua relação de amor com Deus. Leva tudo a sério e, por isso mesmo, faz com que tudo se torne muito dramático; ou, mesmo sem desembocar no drama, pelo menos complica a sua vida.
A pessoa séria demais tende a reduzir a vida a uma dramática escolha entre o bem e o mal, como se não houvesse uma infinita gradação de valores morais (positivos e negativos) e como se, em todas as circunstâncias, ele se vise obrigado a escolher o bem próprio e exclusivo daquela situação... Na realidade, quase sempre, as possíveis soluções morais positivas para cada problema são muitas, não apenas uma [16].
Alegria, humorismo e riso não estão fora da vida de quem crê, mas ocupam o seu centro. “O santo é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança” [17]. Há até quem hoje sustente que “o humor é a única forma de santidade possível para o homem contemporâneo”. Assim afirma o poeta e ensaísta Franco Cordelli.
Por que muitas vezes é o “humor ácido” que predomina no âmbito eclesial? Embora o riso, a alegria e o humorismo tenham uma longa tradição entre os santos e os mestres da espiritualidade em inúmeras tradições religiosas como componente de uma vida sadia, devemos reconhecer que muitas vezes, dentro da cultura das instituições religiosas, serpenteia o humor ácido, a ponto de os fiéis serem descritos como cães espancados, de a alegria – óbvia consequência de uma fé vivificante e libertadora – parecer estar ausente de tantos contextos eclesiais, de o bom humor e o humorismo parecerem termos impróprios para uma autêntica vida espiritual.
“Onde não há humor não há humanidade… há o campo de concentração”, escreve o comediógrafo Eugène Jonesco, que acrescenta: “Só o humor pode nos trazer serenidade”.
Falando de bom humor, de humorismo, é obrigatório nos referirmos à matriz bíblica. As Escrituras judaicas e cristãs dão muito destaque a ele, especialmente quando falam do riso [18].
A literatura sapiencial afirma que “há um tempo para chorar e um tempo para rir” (Ecl 3,4) e investiga sobre a natureza do riso, desde aquele incrédulo de Sara até o próprio do tolo, comparado ao “crepitar dos espinhos debaixo da panela” (Qo 7,6), enquanto “o homem sábio sorri em silêncio” (Eclo 21,20); e desde o enganador (Eclo 13,6.12) ao cruel (Sl 80,7: “Nossos inimigos riem de nós”), até chegar ao riso santo (Jó 8,21: “Deus encherá de novo tua boca de sorrisos e teus lábios de cantos de alegria”) e ao riso cósmico que envolve toda a criação, objeto da benevolência divina (Sl 65,14: “Tudo canta e grita de alegria”).
Nas bem-aventuranças lucanas, fala-se de um riso que se converte em pranto, e de um pranto choro que se traduzirá em riso (Lc 6,25; cf. Tg 4,9). E se “a boca sorridente revela o que (o homem) é” (Eclo 19,27), o sorriso marcará o advento do reino de Deus: “A nossa boca se abrirá ao sorriso”, canta o salmista (Sl 126,2).
Os presbíteros, chamados a serem acompanhadores espirituais, não podem nem devem ignorar que a vida espiritual é fonte de humorismo. Por sua própria natureza, a vida espiritual nos ancora ao essencial. O ser humano espiritual capta a relatividade, a transitoriedade e a natureza ilusória de muitos aspectos da vida e, portanto, é capaz de estabelecer proporções e hierarquia nas suas próprias experiências. E é isso que substancia o seu humorismo: uma visão desencantada e, por isso mesmo, sorridente e benevolente.
Isso é acompanhado por um maior desapego que desemboca naquela “indiferença”, cara aos santos da antiguidade (falavam de apàtheia) não menos que aos da modernidade e, portanto, de uma “superioridade” retamente entendida.
O que favorece tal hábito é também o fato de o ser humano espiritual considerar tudo, como se costuma dizer, “sub specie aeternitatis” e acreditar que tudo está sob a orientação divina e que a Providência é a árbitra dos eventos humanos.
Esse é o “critério sobrenatural” que o inspira e guia. E, se é verdade que a sabedoria divina “brincava – ludit diz o texto em latim – sobre a superfície terrestre, encontrando minhas delícias entre os filhos de Adão” (Pr 8,31), é igualmente verdade que o seu estilo se expressa em uma constante inversão dos destinos. Isso não pode deixar de gerar uma visão radicalmente positiva e, portanto, também humorística da vida da pessoa humana sobre a terra e dos seus últimos destinos.
A frequentação à Palavra divina nos permite penetrar na mente de Deus, assumir o seu ponto de vista, partilhar o seu olhar.
Por que alguns padres são tão sombrios e tristes, frios, deprimidos, inafetivos, distantes, sem sequer um sobressalto? Que Deus esses padres encontraram na sua vida? De quem esses presbíteros são testimonial, se hoje você encontra mais convicção e cuidado em narrar a bondade de um iogurte? Onde foram formados, como se atualizam, que vida terrível enfrentam todos os dias?
Ser lúgubre é uma blasfêmia. A verdadeira blasfêmia hoje é trair a humanidade, é não dar futuro, é não concretizar a esperança. Vivemos tempos sombrios. Dietrich Bonhoeffer nos lembra que é preciso trazer Deus de volta para o centro do vilarejo. “Eu gostaria de falar de Deus não nos limites, mas no centro – escrevia ele em 1944 –, não nas fraquezas, mas na força e, portanto, não em relação à morte e à culpa, mas na vida e no bem do ser humano”. Um Deus que libera vida em abundância, aquela que o Mestre de Nazaré prometeu.
O parágrafo 1.676 do Catecismo da Igreja Católica, recordando o Documento de Puebla da 3ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada no México de 28 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979, escreve que, no coração da fé dos fiéis, há um conjunto de valores que oferecem sabedoria para a vida cristã.
Essa sabedoria – como afirma o texto latino – “rationes affert ad laetanter et hilariter vivendum, etiam in vita valde dura”. A versão oficial em português diz que tal sabedoria “proporciona as razões para a alegria e o humor, mesmo no meio de uma vida muito dura”.
“O riso e o humorismo são modos de se preparar para o êxtase do mundo vindouro. De fato, o Talmud diz que, no mundo vindouro, dançaremos uma hora (danza festosa da tradição judaica) com Deus no centro” (Burton Visotzky).
Ladislaus Boros escrevia que o núcleo íntimo do humorismo cristão reside na força do religioso. O humorismo vê o terreno e o humano na sua inadequação diante de Deus; vê como tudo o que é terreno é imperfeito. No entanto, essa mesma resignação, por sua vez, é elevada na certeza de que tudo o que é finito está circundado pela graça de Deus. A pessoa que tem humorismo ama o mundo, apesar da sua imperfeição ou, melhor, ama-o precisamente nela, assim como Deus faz [19]. Sabe ser grato a Deus, porque vive neste mundo imperfeito.
O humorismo se traduz, portanto, em uma característica dir-se-ia fundamental da experiência religiosa e, na experiência religiosa mais propriamente cristã, assume formas que se tornaram proverbiais e clássicas. Quem não se lembra do uso abundante que os Padres do deserto fizeram dela, ou do famoso “risus paschalis” despertado pelos pregadores após as severas catequeses quaresmais [20], ou do carnaval que permitia e permite desencadear a comicidade e resolver em riso que alivia as preocupações da vida?
“Deus nos espera com alegria na alegria... Por que alegria, humorismo e riso terrenos não poderiam ser um modo para se preparar para uma vida de felicidade? Por que não se permitir desfrutar de um pequeno de Céu na terra? Praticar essas virtudes, portanto, não é apenas uma forma de viver uma vida espiritual mais plena agora, mas de se orientar para o futuro que nos espera... Em suma, seja feliz. Use o seu senso de humor. E ria com o Deus que, vendo você sorrir, alegra-se com a sua própria existência e se compraz com você todos os dias da sua vida” [21].
A reflexão cristã evidenciará o riso bom, definindo-o como “tacitus et rarus”: é o riso que vem de uma consciência serena e da antecipação do gáudio celeste; o riso de quem já alcançou essa alegria celeste (o riso dos bem-aventurados); e o riso que vem da mansidão e da benevolência da natureza, que recria, alivia e consola (assim lemos na “Summa fratris Alexandri” franciscana, do século XIII).
Ao que parece, trata-se de uma virtude que não perderá a sua força no reino futuro, se, segundo Lutero, em uma oração dirigida ao Senhor, “todas as criaturas experimentarão um prazer, um amor, uma alegria física e rirão contigo, e Tu, por tua vez, rirás com eles”.
1. Cf. Concílio Vaticano II, Decr. Presbyterorum ordinis, 3.
2. Cf. DE MARCHI, C. L’affabilità nei rapporti sociali. Studio comparativo sulla socievolezza e il buon umore in Tommaso d’Aquino, Thomas More e Francesco di Sales. Roma: Edusc.
3. Cf. CASAGRANDE, C. Affabilità, verità, eutrapelia. Le virtù della communicatio in alcuni commenti all’Etica nicomachea dei secoli XIII e XIV. Philosophical readings, XII.1 (2020), pp. 139-149.
4. Cf. Tomás, Summa Theologiae , II-II, 168, 2.
5. Tomás, Summa Theologiae, II.II q. 168 a.2.
6. Tomás, Summa Theologiae, II.II q. 168a.4.
7. Tomás, Summa Theologiae, II-II, q. 72, a.2, ad 1. Cf. também II-II, q. 168.
8. H. Rahner defende que a recuperação da virtude social da eutrapelia realizada por São Tomás na realidade passou silenciada nos manuais clássicos, como os salmanticenses, e até o século XX, por exemplo por Merkelbach (cf. H. Rahner, Eutrapélie, col. 1729). Sobre essas premissas, especialmente nos últimos tempos, desenvolveu-se a chamada “teologia cômica”, que fala do Deus ludens e do Homo ludens, cuja existência seria “jogo”, diversão (veja-se W. Thiede, “L’ilarità promessa. L’umorismo e la teologia”, San Paolo, 1989). Um midrash do Talmud, o manual do israelita justo, é dedicado ao Deus que ri. E Harvey G. Cox reflete sobre o “Cristo arlequim” em um capítulo de “La festa dei folli”.
9. Francisco, Gaudete et exsultate, n. 126.
10. Francisco, Entrevista de 20 de novembro de 2016 à Tv2000.
11. São Filipe Neri, santo eutrapélico por excelência, disse uma vez ao Papa Clemente VIII: “Que te matem!”. Todos os presentes prenderam a respiração, mas Filipe continuou: “... pela fé de Jesus Cristo!”. Todos respiraram e riram. (De “Papa Luciani racconta”, p. 158).
12. Cf. LARIVERA, L. Natura e necessità dell’umorismo. La Civiltà Cattolica, 2004(III), pp. 130-142; veja-se também: Umorismo e vita cristiana (editorial), in La Civiltà Cattolica, 1986(III), pp. 3-14; ZOLLNER, H. Considerazioni psicologiche sull’umorismo e il riso, La Civiltà Cattolica, 2010(II), pp. 533-545; CUCCI, G. Umorismo e qualità della vita, La Civiltà Cattolica, 2013(I), pp. 246-257; Id., Umorismo e vita spirituale, La Civiltà Cattolica, 2013(I), pp. 463-474.
13. Cf. MARTIN, J. Anche Dio ride. Perché gioia, umorismo e risono sono al centro della vita spirituale. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2020.
14. As partes potenciais da temperança são: pudor, honestas (beleza espiritual ou moral), abstinência, sobriedade, castidade, pudicícia, continência, mansidão, clemência, humildade, erudição, modéstia corporal, eutrapelia, modéstia no ornamento (verecondia).
15. Pio XII. Alocução de 21 de junho de 1955.
16. Cf. AZEVEDO, H. de. La virtù del sorridere. Teologia del buon umore. “Studi Cattolici” 250 (1980), 771-775.
17. FRANCISCO. Gaudete et exultate, n. 122.
18. Cf. POUDRIER, R. L’umorismo nella Bibbia. Cinisello Balsamo: San Paolo, 1996.
19. Cf. BOROS, L. Sperimentare Dio nella vita. Brescia: Queriniana, 1980, p. 34.
20. Cf. JACOBELLI, M. C. Il Risus paschalis e il fondamento teologico del piacere sessuale. Brescia: Queriniana, 1990.
21. MARTIN, J. Anche Dio ride. Perché gioia, umorismo e risono sono al centro della vita spirituale. Cinisello Balsamo: San Paolo, 2020, p. 121.