19 Mai 2015
Com esta nova intervenção de Antonio Caragliu, publicada no blog Settimo Cielo, 16-05-2015, a disputa sobre a "verdade" do matrimônio e da família desencadeada pelo artigo do canonista Giovanni Parise atinge o seu quarto ato.
Aqui estão as passagens essenciais da carta do jurista de Trieste. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caro Magister,
Li a interessante tréplica do canonista Giovanni Parise. Destaco aquele que, na minha opinião, é o ponto menos convincente do seu discurso.
Ele escreve: "Por outro lado, se não abraçarmos o erro positivista, devemos nos perguntar: pode existir um direito não justo ou uma norma válida, embora injusta? Tal dicotomia não pode ocorrer em uma visão realista do direito!".
Eu não acho convincente esse argumento de Parise. À luz de uma visão "realista", de fato, o direito injusto é direito como o justo. O injusto não será digno de apreço: o direito natural exigirá aos sócios de não respeitá-lo e, aos funcionários públicos, de não aplicá-lo, mas, mesmo assim, sempre será direito.
Talvez, pode-se dizer que as leis que, na antiguidade, estabeleciam a escravidão não tinham caráter jurídico?
E as leis positivas que disciplinam o aborto, a inseminação artificial ou o divórcio não possuem, talvez, caráter jurídico?
Elas não só têm caráter jurídico, mas também constituem um direito vigente em muitos países, incluindo a Itália.
De acordo com Parise, o direito injusto, que viola e desconhece os direitos naturais, não é "verdadeiro direito", portanto, simplesmente, não é direito.
Tal tese corresponde à do mais autorizado teórico católico do direito natural, São Tomás de Aquino.
Mas se o erro fundamental do juspositivismo é o de não determinar de forma convincente o direito na sua pureza, por outro lado, esse também é o erro do jusnaturalismo de matriz tomista que, ao reduzir a juridicidade ao direito natural, nega o caráter da juridicidade ao direito vigente não conforme com ele.
A meu ver, quem resolveu esse ponto teórico fundamental da forma mais convincente foi um célebre filósofo do direito, agora praticamente esquecido, mas que, na primeira metade do século passado, alcançou uma fama internacional jamais alcançada pelos seus sucessores: Giorgio Del Vecchio.
Del Vecchio explica que a juridicidade é um conceito, e não um ideal. E esse conceito consiste em uma função lógica, a de coordenar as "ações possíveis entre mais indivíduos segundo um princípio ético que as determina, excluindo o seu impedimento".
Ora, o princípio ético que podemos encontrar nos diversos ordenamentos positivos pode ser mais ou menos respeitoso do direito natural. Ele também pode consistir, por exemplo, no princípio da superioridade da raça ariana em relação à judaica, como foi para o ordenamento jurídico nazista, ou no princípio da ausência do caráter da subjetividade humana nos escravos, como foi para muitos ordenamentos jurídicos da antiguidade.
É evidente que se trata de princípios aberrantes, que definimos como éticos apenas em consideração do fato de que exercem uma função ética, ou seja, diretriz da conduta humana.
É tarefa crítica do direito natural argumentar e ressaltar que esses princípios éticos não se fundamentam em qualquer verdade ética, antropológica ou teológica.
Eu considero que a vantagem do conceito funcional do direito elaborado por Del Vecchio é o de determinar a juridicidade sem fazer com que ela dependa nem da efetividade (até mesmo um projeto de lei ou uma lei revogada têm caráter jurídico!), nem da positividade, nem da correspondência a um direito ideal como o direito natural. […]
A razão que está na base da especulação de Giorgio Del Vecchio é uma razão transcendental, que não se limita a assistir ou a observar a experiência, mas a constitui. [...] Nessa concepção puramente kantiana do sujeito cognoscente, o intelecto constitui um "prius" lógico em relação à matéria do conhecimento, ou seja, em relação ao mundo exterior. [...]
Podemos nos perguntar: tal concepção transcendental do conhecimento e da ética é respeitosa das "fontes clássicas de conhecimento do ethos e do direito" defendidas e promovidas pelo magistério de Bento XVI? [...]
Eu penso que, em última análise, podemos entrever entre a reflexão de Del Vecchio e a do pontífice emérito uma profunda consonância, em relação àquele que é o tema fundamental da teologia ratzingeriana: o tema da relação entre fé e razão.
Ao contrário de Hans Kelsen, que nisso se remete ao paradigma filosófico de David Hume, segundo Del Vecchio, a razão não é estranha ao "dever-ser": ela pode obter uma "verdade deontológica", ou seja, uma verdade que, mantendo-se a distinção lógica entre ser e dever-ser, se impõe à consciência com a força da evidência.
Certamente, a razão transcendental não pretende demonstrar a existência de Deus. Mas também não pretende calar a "sede de infinito" do coração humano em uma arrogante autossuficiência.
É uma razão, a tracejada por Del Vecchio, que não é capaz de fundamentar teoricamente a origem transcendente do próprio ser, mas que permanece aberta para ela. À luz de uma razão transcendental, a divina razão criadora professada pela Bíblia, fonte do ser e da liberdade humana, constitui um paradigma teológico racionalmente plausível, ao qual podemos nos confiar.
Eis, então, que o diálogo entre "fé e razão" torna-se, na reflexão jusnaturalista de Del Vecchio, um diálogo entre dois métodos, distintos mas não excludentes entre si, que formam dois paradigmas distintos de razão: a razão "pura", criticamente limitada a verdades humanas, "penúltimas", e a razão teológica, formada e alimentada pela sabedoria divina revelada.
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Sínodo: não só Kelsen e Ratzinger. Entram em campo São Tomás e Kant - Instituto Humanitas Unisinos - IHU