18 Mai 2015
Giovanni Parise, doutorando pela Faculdade de Direito Canônico da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma, escreveu uma reflexão sobre o Sínodo dos bispos de outubro de 2015, publicada no blog do vaticanista Sandro Magister.
Antonio Caragliu, advogado e jurista em Trieste, enviou uma resposta a Magister, também publicada no seu blog, Settimo Cielo, 16-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caro Magister,
Apenas um apontamento, a respeito da intervenção do canonista Giovanni Parise:
Ele afirma que, segundo Hans Kelsen, "uma norma qualquer, justamente por ser positiva, ou seja, posta e imposta pela autoridade ou pela maioria, é por isso mesmo válida, boa e se torna 'direito justo'".
A afirmação não pode ser compartilhável. Para Kelsen, a norma posta pela autoridade, enquanto respeitosa às normas de produção do direito, é sim uma norma válida, mas não necessariamente uma norma justa.
A chamada "doutrina pura do direito" de Kelsen está totalmente orientada a determinar o que é o direito, independentemente de considerações ideológicas ou sociológicas. A ela, serve de pano de fundo a rigorosa formalização das chamadas "fontes do direito", promovida pela afirmação do Estado moderno. Para Kelsen, o direito é o sistema das normas válidas. Mas sobre o que se fundamenta a validade das normas?
Kelsen inventa a Grundnorm, a "norma fundamental", que constituiria o fundamento da validade das normas do sistema inteiro. De fato, na busca do fundamento da validade da norma, em certo ponto, vamos nos encontrar diante de uma norma de direito positivo, de porte constitucional, que, no entanto, não deriva de outra norma, mas do mero poder que a pôs.
A Grundnorm é, com toda a evidência, uma ficção jurídica. Precisamente, ela é a máscara jurídica do conceito eminentemente político de soberania. Daí a fraqueza epistemológica do do formalismo kelseniano.
Considerando-se tudo isso, para Kelsen, o direito válido, por isso mesmo, não é "direito justo". Essa identificação é própria do chamado juspositivismo ideológico e não metodológico, segundo a clássica distinção de Norberto Bobbio, o maior representante do juspositivismo kelseniano na Itália.
Para Kelsen, o problema do justo e do injusto é um problema ideológico e irracional, relacionado com o mundo dos valores, que não pode ser tratado pela ciência, por ser a ela estranho.
Em suma, Kelsen reduz a ética a uma questão de preferência ideológica.
Ora, de um ponto de vista teórico, podemos perceber a fraqueza da construção de Kelsen em relação à determinação da juridicidade.
Em uma ótica histórica, porém, é preciso considerar que a sua especulação era movida pela defesa do estado de direito, que se fundamenta no princípio da separação dos poderes e no princípio da legalidade.
Como é possível realizar o princípio de legalidade se teoricamente não é possível um conhecimento avaliativo do direito?
O motivo teórico de Kelsen estava ligado a uma precisa preocupação de ético-política.
Certamente, permanece uma ambiguidade ideológica de fundo no seu sistema, que se deve, em última análise, ao desconhecimento dos pressupostos de valores substanciais de um estado de direito, irredutíveis a uma tradução formal-processual.
Kelsen reduz esses pressupostos a mera ideologia. Daí a inevitável redução do direito a "técnica do soberano".
E se o soberano não é um sábio parlamento liberal-democrático? Aqui nascem problemas diante dos quais o juspositivismo kelseniano não oferece instrumentos teóricos adequados.
Considerando-se tudo isso, não se pode caracterizar Kelsen como promotor de estados totalitários ou desrespeitosos dos direitos da pessoa.
No que diz respeito, especificamente, ao direito da família, além disso, é preciso considerar o período histórico em que Kelsen viveu: ele sequer teria considerado como concebíveis certas propostas legislativas.
Na verdade, na sua exaltação da dimensão formal e processual do direito, ele se confiava, embora de maneira tácita e irreflexiva, a um sistema de valores que a sociedade do seu tempo assumia como evidentes.
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''O verdadeiro Kelsen era este aqui.'' Um contraponto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU