09 Dezembro 2021
“Que o frescor da tua graça sacerdotal inunde a mim e a todos aqueles que amarás e servirás. Tem uma boa aventura e não te preocupes tanto em ser um padre perfeito, mas sim um padre feliz. E assim farás os outros felizes.”
A reflexão é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, ex-professor do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Trani, em artigo publicado por Settimana News, 07-12-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caro novo presbítero,
Este é um momento difícil para ser padre. A figura do padre se tornou anacrônica hoje. A maioria das pessoas do nosso tempo não apenas está totalmente ausente da prática religiosa, mas também não se sente mais tocada pela pergunta sobre Deus. Vivem, em sua grande maioria, “como se Deus não existisse” e não sentem nenhum mal-estar com isso.
Deus não é contestado; mais simplesmente, é ignorado. Os sucessos da ciência e da tecnologia assumem um caráter de sacralidade e de absolutez, a ponto de se configurarem como a “nova religião”. Nós, sacerdotes, podemos parecer irrelevantes.
A questão que se levanta então é: ainda há espaço para a missão do padre? A resposta é, na minha opinião, positiva. Não há dúvida de que está presente também na consciência do ser humano contemporâneo uma necessidade religiosa, muitas vezes latente, que deve ser trazida à tona com paciência, dando testemunho, acima de tudo, não só individual, mas também comunitário, da atualidade da proposta do Evangelho.
Neste novo contexto, são três as prioridades que o presbítero deve viver. A primeira é a capacidade de se identificar com as situações existenciais das pessoas, compartilhando as suas alegrias e as suas fadigas cotidianas. As tuas roupas, caro irmão, devem cheirar a povo e não a incenso.
A segunda prioridade consiste na escolha de um estilo de vida sóbrio, na renúncia a toda tentação de poder, de modo a conquistar aquela liberdade interior, que permite se tornar plenamente solidário com o mundo dos pobres e se comprometer com a sua libertação. Irmão presbítero, vive como pobre, ama os pobres, deixa-te ensinar pelos pobres.
A terceira prioridade, enfim, é a recuperação de uma espiritualidade autêntica, não formal ou devocional, mas caracterizada por uma forte tensão mística, capaz de interpretar a necessidade de transcendência que ainda reside no coração de muitos hoje e, desse modo, de se tornar testemunha credível do mistério de Deus. Caro jovem presbítero, deixa-te devorar por uma grande paixão por Deus, e nenhuma outra paixão humana te devorará.
Essas são as condições que o presbítero desta época deve colocar na base do exercício do seu ministério e que, quando cumpridas, dão eficácia à ação pastoral, ou seja, à capacidade de tornar transparentes a novidade e a beleza da mensagem do Evangelho.
Por mais que tu gastes energias, inteligência e tempo pelo Evangelho, ao longo do caminho tu te darás conta de que o ministério mais doloroso de um ministro de Deus é caminhar com as pessoas quando elas se afastam da Igreja e rejeitam os seus ensinamentos. Santa Teresinha de Lisieux dizia que a sua vocação era a de se sentar à mesa com os incrédulos e de beber do seu cálice amargo.
No centro da tua vida de presbítero, deve estar a arte da conversação. Tu deves ser alguém que gosta de falar com as outras pessoas, especialmente se elas discordam de ti. Tu precisas de confiança para falar e de humildade para escutar. Isso é particularmente difícil na nossa sociedade, que está perdendo a arte de interagir com pessoas que pensam de forma diferente.
A conversa é o único modo de anunciar Jesus, que é o diálogo da Palavra de Deus com a humanidade. Qualquer outro modo corre o risco de cair na ideologia. Todo o Evangelho de João é uma conversa após a outra.
Jesus era um homem da conversa, principalmente com as pessoas difíceis! A primeira pergunta que nós, como presbíteros, devemos nos fazer é esta: com quem devemos falar enquanto caminhamos pela estrada? Quem são as pessoas que fogem da Igreja com as quais podemos caminhar?
Os algoritmos do Google e do Facebook nos orientam para pessoas que pensam como nós. A sociedade ocidental está se tornando tribalizada. Vivemos em câmaras de eco de pessoas que pensam da mesma forma. Não cedas à tentação de te sentir apoiado e refém da camarilha de sempre. As melhores conversas, em vez disso, abraçam e se deleitam com a diferença.
Além disso, nós, presbíteros, somos chamados, portanto, a viver na tensão entre as convicções da Igreja e as questões do mundo. Nenhum de nós conseguirá encontrar o equilíbrio perfeitamente correto. Alguns de nós serão mais naturalmente pessoas da instituição da Igreja e terão uma adesão instintiva ao magistério. Outros encontram o seu ministério nas periferias, identificando-se com as pessoas nas margens, os estranhos. Alguns são Pedro, a rocha, outros são Tomé, o duvidoso.
O que posso te dizer enquanto tu estás no limiar desta vertiginosa aventura que eu mesmo confesso que ainda não compreendi profundamente? Que conselhos posso te dar, presumindo que tu queiras conselhos meus? Acho que posso resumi-los em apenas duas palavras: autenticidade e sinceridade. Sê autêntico e sincero. Sempre, de todos os modos, com quem quer que seja, em todo o lugar.
Sê autêntico e sincero sobretudo com Deus: pelo pouco que eu sei dele, aprendi que ele não gosta dos poetas da corte, dos amigos de Jó, daqueles que rezam apenas citando algum grande autor, passado ou presente, quase como se não tivessem uma mente e um coração próprios.
No fundo, eu entendo: se tu fosses uma mulher, gostaria que o teu amado falasse contigo apenas usando palavras alheias? Não esqueças que a oração é um corpo a corpo com Deus, uma luta, um abraço amoroso.
Deus é fogo devorador, torrente em inundação, mãe carinhosa, médico e mestre que te conduzirá à cruz e ao sacrifício. Sê sincero com Ele. Até ao protesto, porque certos protestos às vezes são orações, a ponto de gritares com ele quando sentires desgosto pela tua missão (e tu sentirás, crê em mim), sem esconder as tuas dúvidas e os teus medos, e confessares a ele sem temor todos os movimentos do teu coração, até mesmo os mais imperceptíveis e secretos.
Só assim descobrirás que, sim, o fogo, o deserto, a torrente são realmente teus amigos, mas só o são depois de te deixares queimar, ressecar e abalar por eles. Só assim descobrirás a louca e impensável alegria que se encontra suspensa na cruz, só assim conhecerás a paz imensa que se espalha no coração que se deixou despedaçar. A paz que brota do fato de ter crucificado o próprio egoísmo e de ter posto tudo de si a serviço do Amor.
Sê autêntico e sincero contigo mesmo: os maiores males na vida espiritual vêm da negação da realidade. Chama os teus pecados e as tuas tentações pelos seus nomes, só assim poderás curá-los e descer até o fundo da tua alma para encontrar nela a luz que te fará ressurgir. Só às custas de uma implacável verdade é que poderás abrir o alçapão que te separa da água viva que murmura dentro de ti.
Reconhece a verdade daquilo que te faz feliz e não teme a tua humanidade. Ama apaixonadamente, canta com toda a tua voz, chora alto e ria ainda mais alto, tem a coragem de arriscar tudo sempre, porque tu bebes de uma fonte inesgotável, e nunca te faltarão as forças. Nunca começa uma batalha, mas termina todas elas.
Muitos se iludem de que, para se assemelhar a Deus, é preciso tentar ser como os anjos. A minha experiência, ao invés disso, me diz que quem quer se assemelhar a um anjo acaba se tornando semelhante a um fantasma, sem espessura, nem forma, nem cor.
Tu não tens um corpo, tu és um corpo. E o teu corpo carrega consigo todo um mundo de cheiros, sensações e paixões que são a cor e a beleza da vida. Aprende a fazer dela a cítara do teu louvor. Nunca os nega, mesmo que te façam mal. Não foge da onda: surfa-a com coragem se quiser que ela te leve longe.
Sê autêntico e sincero com as pessoas, especialmente com aquelas que te forem confiadas. O nosso papel como presbíteros é principalmente o de revelar e de descobrir o rosto do Senhor. Devemos ser esse rosto e ver esse rosto em quem nos é confiado. Cada ser humano, feito à imagem e semelhança de Deus, oferece-nos um vislumbre daquele rosto que desejamos.
As pessoas de hoje têm uma necessidade extrema de verdade, de serem orientadas nas suas escolhas, de serem iluminadas na sua confusão; em uma palavra, de um mestre. Mas não te aceitarão como mestre se não souberem que podem confiar em ti e não confiarão em ti se tu não alcançares a mente delas passando, primeiro, pelo coração. E não se mente para o coração. Somente usando o teu coração é que tu poderás falar com o delas.
No Evangelho, Jesus nos adverte: “Se alguém quer ser o primeiro, faça-se servo de todos”. Não cede a um autoritarismo irritante, não te sintas detentor da verdade, não te deixes levar pela ânsia de ser sempre servido e reverenciado.
Infelizmente, para nós, padres, essas são tentações sempre à espreita. Somos tentados a buscar a nossa realização conquistando espaços de afirmação e de dominação. Às vezes, curvamo-nos somente às nossas forças e às nossas conquistas.
São tentações naturais, quase inevitáveis, com as quais todos aqueles que têm autoridade devem se defrontar. No entanto, não faltam “vacinas” para curar essas doenças e distorções da alma.
Na vida de Jesus, não há nada que nos leve a pensar no homem de poder: nem as condições privilegiadas de vida, nem as insígnias e as características de quem se cerca da autoridade da época. Mesmo diante daqueles que o tinham vindo prendê-lo, Jesus não reagiu de forma temerária e violenta, mas “entregou-se a eles”.
Caro irmão presbítero, aprende a “te entregar” a todos sem máscaras, sem assumir tons de pregação, desarmado de todo autoritarismo, disponível à escuta, sem esconder as tuas fragilidades, precisamente como fazem as crianças trazidas como exemplo por Cristo Jesus.
Não tem medo de te mostrar fraco e ferido, se assim estiveres. Não é a ti mesmo que tu tens que conduzi-los, mas ao único Salvador que é Jesus. Então, não é em ti que eles devem confiar, mas n’Ele. Tu és o guia, não a Terra Prometida, e, portanto, só uma coisa te é pedida: conhecer o caminho e conduzir sem hesitar por esse caminho.
Com efeito, se às vezes te sentires fraco e cansado, isso será uma vantagem, porque te fará compreender melhor o cansaço e a fraqueza das pessoas que te são confiadas.
Se aprendermos a ler os rostos, em toda a sua complexidade humana, veremos o rosto de Deus cem vezes por dia. Se ousarmos sair das nossas profundezas, de modo a nos sentirmos sem palavras, o Espírito Santo nos dará o que dizer, mesmo que nunca o saibamos.
Quanto à tua vida, não te iludas de sempre querer, a todo o custo, dirigi-la, prepará-la, orientá-la. Em vez disso, entrega-te à vida, momento após momento, deixa-te surpreender, maravilhar e ser levado por ela, e perceberás com quanto menos ansiedade e com que espírito de verdadeiro e alegre serviço poderás viver em relação não só a ti mesmo, mas também a todos aqueles que estiverem ao teu redor e à toda a criação.
Repito para ti aquilo que o apóstolo Paulo escreve na sua primeira Carta a Timóteo: guarda com cuidado aquilo que te foi confiado.
E agora peço que me abençoes, amigo e irmão no ministério. Que o frescor da tua graça sacerdotal inunde a mim e a todos aqueles que amarás e servirás. Tem uma boa aventura e não te preocupes tanto em ser um padre perfeito, mas sim um padre feliz. E assim farás os outros felizes.
Com os votos de uma vida plena, boa e bela.
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Carta a um jovem padre. Artigo de Domenico Marrone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU