21 Outubro 2021
“Jesus não diz por que chama, nem para que chama. Não oferece um projeto, nem promete uma recompensa... Basta a sedução de Jesus e sua forma de vida. No dia em que levarmos isso a sério, o poder horizontal da sedução afunda com segurança tudo o que não suportamos como opressões que quase ninguém mais suporta”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Teología Sin Censura, 13-05-2017. A tradução é do Cepat.
Há séculos, houve momentos em que a Igreja tinha um poder que dava medo. A Inquisição nesta vida, o inferno na outra, as excomunhões e aqueles sermões que deixavam as pessoas tremendo. Mas as coisas mudaram a tal ponto que a vida não é mais como era. E quase tudo é diferente. De tal modo que nos dá a sensação de que estamos em outra sociedade e em outras condições de vida.
É claro, não vou começar a explicar agora as muitas coisas que são diferentes. E que não voltarão a ser o que eram e como eram. Tudo isso é evidente. Mas há coisas que são a chave do que acontece, e nem percebemos o que estamos vivendo.
Explico-me. É um fato que, sobretudo nos países mais industrializados, a Religião está em crise. As igrejas se esvaziam, cada dia há menos sacerdotes, menos vocações para os seminários e os conventos, as pessoas – sobretudo os jovens – vão menos à missa e as festas religiosas vão ficando reduzidas a festejos que chegam ao ponto das devoções de antes se tornarem as diversões de agora.
É verdade que existem muitos clérigos que não são precisamente exemplares. Isso é verdade. Mas me parece que a raiz do que está acontecendo está em outra coisa. Do que se trata?
O poder da Igreja é o que era e como era. Sendo um poder religioso, é um poder (dizem os teólogos) que vem de Deus. Isso quer dizer, logicamente, que, ao ser um poder que vem de cima (onde colocamos a Deus) e se aplica embaixo (onde nos encontramos), estamos falando de um poder vertical, que se traduz em um “poder opressor”, conforme o classificou o professor Byung-Chul Han. O que Deus manda são dez proibições. Não esqueçamos que o Decálogo são dez “nãos”. Não matarás, Não roubarás, Não mentirás... Ou seja, proibir, proibir e proibir... (René Girard).
Mas na vida dos mortais, existe outra forma de poder, que é o “poder sedutor” (citando, novamente, Byung-Chul Han). Nesse caso, estamos falando de um poder horizontal, que não brota da submissão, nem confronta o sujeito com quem pode mais do que ele, mas, ao contrário, surge da “sedução” que oferece ao ser humano algo do qual carece e que é o que mais deseja, algo que o sujeito percebe como “superior a si mesmo” (Peter Sloterdijk, Tens de mudar de vida).
Não farei especulações sobre essas duas formas de poder. É indubitável que as duas existem. Não é possível negar que a Religião usou e abusou do “poder vertical”. Que utilizando essa forma de poder, agora se vê cada dia mais marginalizada, é algo que nem os mais religiosos podem duvidar. O que fazer, então?
Estou obcecado pelo Evangelho. O Evangelho não é Religião. Foram os dirigentes do Templo, os Sacerdotes e os Sumos Sacerdotes que mataram Jesus. E ficou evidente que Religião e Evangelho são incompatíveis. A Igreja perderá “poder vertical” e ganhará “poder horizontal”, passará da “opressão” à “sedução”, no dia em que as pessoas verem e sentirem que a Igreja não tem palácios e catedrais, nem templos monumentais, nem contas correntes em instituições bancárias de muito peso...
Nesse dia, será possível sentir que, com uma única palavra, afundamos a “opressão” do “poder vertical”. Uma palavra que, no Evangelho, na boca de Jesus, basta: “Segue-me”. Um chamado que os Evangelhos repetem mais de 70 vezes. Jesus não diz por que chama, nem para que chama. Não oferece um projeto, nem promete uma recompensa... Basta a sedução de Jesus e sua forma de vida. No dia em que levarmos isso a sério, o poder horizontal da sedução afunda com segurança tudo o que não suportamos como opressões que quase ninguém mais suporta.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Estou obcecado pelo Evangelho. O Evangelho não é Religião. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU