28 Abril 2025
"Seu ouvido atento ao grito dos pobres e da terra, seus gestos de proximidade e ternura com a humanidade sofredora e sua língua afiada para consolar os desesperados e defender os pobres e marginalizados desse mundo... Tudo isso é expressão de sua fidelidade ao Deus de Jesus Cristo que, vale repetir, é um Deus de amor, bondade e compaixão", escreve Francisco de Aquino Júnior, presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte, Ceará, professor de Teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Eis o artigo.
Nesta semana pascal celebramos, com lágrimas de dor e gratidão, a páscoa do nosso querido Papa Francisco. Uma feliz coincidência... Aquele que, como Jesus, ungido com o Espírito Santo, “passou no mundo fazendo o bem” e que, por isso, foi tão criticado, perseguido e condenado, dentro e fora da Igreja, participa agora de modo pleno da Páscoa do Senhor Jesus. Comunhão profunda na vida, morte e ressureição do Senhor Jesus...
A morte de Francisco e o conclave que elegerá o novo papa é o assunto da semana. Fala-se muito de Francisco: seu jeito simples de ser; seu compromisso com os pobres, a justiça social e cuidado da casa comum; sua acolhida aos casais de segunda união e às pessoas LGBTS; a participação efetiva das mulheres na vida da Igreja, também nas instâncias de poder; as muitas reformas iniciadas, mas nem de longe acabadas; os temas complexos e polêmicos; as tensões e os conflitos dentro e fora da Igreja etc. E fala-se muito do conclave: Quem será o novo papa? Alguém mais sintonizado ou alguém avesso a Francisco? Levará adiante e aprofundará os processos iniciados por Francisco ou, pelo contrário, dará um rumo completamente diferente à Igreja?
Tudo isso é importante e vale a pena analisar e refletir. Mas queremos falar de algo mais fundamental, sem o qual não alcançamos o mais profundo e decisivo da vida e do ministério de Francisco: sua fé no Deus de Jesus Cristo que é um Deus compassivo e misericordioso. Sua confiança, obediência e fidelidade a esse Deus é o que explica, em última instância, sua vida e seu ministério. Crendo num Deus amor, bondade, perdão, compaixão, misericórdia, só podia, como Jesus, passar no mundo fazendo o bem.
Sua “mania de pobre”; sua defesa radical dos migrantes, dos encarcerados, dos idosos, das vítimas de abuso; sua acolhida incondicional das pessoas consideradas impuras e pecadoras pelos fariseus de sempre; seu grito contra as guerras, os muros e as políticas genocidas; seu compromisso radical com a justiça social, com a fraternidade e amizade social, com a defesa da Amazônia, com o cuidado da casa comum; sua coragem profética de reconhecer publicamente os abusos de menores por ministros ordenados, de denunciar o “massacre” e “genocídio” na Faixa de Gaza, qualificar como “desgraça” a política de deportação massiva de migrantes do governo Trump; enfim, seu ouvido atento ao grito dos pobres e da terra, seus gestos de proximidade e ternura com a humanidade sofredora e sua língua afiada para consolar os desesperados e defender os pobres e marginalizados desse mundo... Tudo isso é expressão de sua fidelidade ao Deus de Jesus Cristo que, vale repetir, é um Deus de amor, bondade e compaixão.
Sua vida e seu ministério atualizam em nosso tempo aquela Boa Notícia que Jesus anunciou aos pobres e marginalizados do seu tempo: “Bem-aventurados vós, os pobres, pois vosso é o Reino de Deus” (Lc 6, 20).
É muito significativo que sua primeira saída em 2013 tenha sido à Ilha de Lampedusa para chorar os migrantes mortos/assassinados naquele cemitério a céu aberto que se tornou o Mar Mediterrâneo e que sua última saída em 2025 tenha sido a uma prisão em Roma na Quinta-feira Santa para, mesmo sem poder repetir o gesto do Lava-Pés, “estar perto” dos encarcerados, rezar por eles e suas famílias. De Lampedusa à prisão: Assim foi sua vida... Sempre próximo e a serviço dos últimos desse mundo.
E é muito significativo que no seu sepultamento no sábado dia 26 de abril a última homenagem seja dos pobres de Roma, como anunciou a Sala de Imprensa da Santa Sé:
“‘Os pobres têm um lugar privilegiado no coração de Deus’. Assim também no coração e no Magistério do Santo Padre, que escolheu o nome Francisco para nunca se esquecer deles. Por esse motivo, um grupo de pessoas pobres e necessitadas estará presente nos degraus que levam à Basílica Papal de Santa Maria Maior para prestar sua última homenagem ao Papa Francisco antes do enterro do caixão”. Essa será sua última palavra, como que dizendo aos pobres: “ainda hoje estarás comigo no paraíso” ...
Tudo isso nos ajuda compreender que o mais profundo e decisivo na vida e no ministério de Francisco é sua fé num Deus que é Bom e quer sempre o bem e a vida de seu povo e de toda sua criação. Estava de tal modo unido a esse Deus que sua vida se tornou expressão visível e eficaz da bondade e compaixão de Deus. Em Francisco sentimos a ternura, o cuidado e a proteção de Deus. Podemos dizer de Francisco o que Ignacio Ellacuría disse de Romero durante seu funeral: “Com Francisco, Deus passou por esse mundo”! E nós somos testemunhas disso!
Obrigado, Francisco de Deus, Francisco dos pobres...
Intercede a Deus por nosso mundo, por nossa Igreja, pela humanidade sofredora...
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