24 Março 2025
“Em vez de tornar os Estados Unidos “grande novamente”, os trumpistas provocarão um retrocesso trágico que, sem dúvida, agradará seus rivais, encantados em ver como as empresas e as agências governamentais estadunidenses enfrentam um déficit crescente do bem mais valioso do século XXI: o conhecimento”, expressa o editorial do jornal mexicano La Jornada, 21-03-2025. A tradução é do Cepat.
O presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva ordenando que a secretária de Educação, Linda McMahon, tome “todas as medidas necessárias para facilitar o fechamento” do departamento sob sua responsabilidade. O magnata não pode eliminar o setor, pois isso exige a aprovação do Congresso, por isso planeja fechar todas as áreas possíveis e transferir suas funções para as entidades federais, um desejo antigo dos setores conservadores que invocam os “direitos dos pais” para se opor à educação baseada em preceitos pedagógicos e científicos e substituí-la pela doutrinação religiosa.
É uma coincidência significativa que o magnata esteja desmantelando o Departamento de Educação quando em seu país comemoram os 100 anos de um dos episódios mais dolorosamente “americanos”: o Julgamento de Scopes. Naquele processo, que chamou a atenção nacional e se tornou um dos maiores símbolos da luta contra o obscurantismo, uma espécie de repetição do julgamento de Galileu no Sul Profundo dos Estados Unidos, o professor de ensino médio John Scopes sofreu perseguição do estado por violar uma lei do Tennessee que proibia “o ensino de qualquer teoria que negue a história da Divina Criação do homem, da forma como está explicada na Bíblia, e a substitua pelo ensino de que o homem descende de uma ordem de animais inferiores”.
Scopes foi condenado a pagar uma multa pelo “crime” de ensinar, mas o juiz – que repreendeu o júri ao declará-lo culpado, uma evidente violação do devido processo – não se atreveu a lhe impor uma pena de prisão. Em 1987, com séculos de atraso em relação ao do resto do Ocidente, a disputa pareceu ficar resolvida quando a Suprema Corte declarou inconstitucional uma lei da Luisiana que obrigava a ensinar o criacionismo bíblico como uma “teoria” tão válida quanto a evolução darwinista.
Ao transferir as decisões para os estados, Trump dinamita esses antecedentes e abre caminho para que as legislaturas estaduais controladas pelos Partido Republicano imponham legislações retrógradas, assim como aconteceu quando a Suprema Corte, com maioria nomeada pelo magnata, transferiu às entidades o poder de legislar sobre o direito das mulheres de interromper a gravidez.
Não se trata de uma questão hipotética, nem especulativa. Na Flórida, a conhecida lei “não diga gay” proíbe os professores do ensino primário falar sobre identidade de gênero e orientação sexual. O Conselho Estadual de Educação do Texas aprovou o desfinanciamento de distritos escolares que não usarem um currículo repleto de relatos bíblicos. Na Luisiana, exige-se a exibição permanente dos Dez Mandamentos em todas as salas de aula das escolas públicas (a norma está sujeita a contestações jurídicas), e em Oklahoma é obrigatório incorporar a Bíblia no currículo.
Esses exemplos são suficientes para ilustrar até que ponto os Estados Unidos estão presos em uma luta contra o fundamentalismo religioso que é desconcertante para outras nações avançadas e para o próprio México, onde a separação entre Igreja e Estado e a laicidade constituem o cerne dos valores constitucionais e do espírito republicano. Se Trump vier com o seu despropósito de ter um país sem uma política educacional, a superpotência acelerará a ignorância catastrófica em que se encontra submersa, o que é objeto recorrente de chacota por parte de figuras midiáticas e cidadãos comuns que notam a incapacidade de seus compatriotas de localizar qualquer país em um mapa (incluindo aqueles que Washington invade ou bombardeia), realizar operações matemáticas básicas e compreender o sentido de um texto.
Em vez de tornar os Estados Unidos “grande novamente”, os trumpistas provocarão um retrocesso trágico que, sem dúvida, agradará seus rivais, encantados em ver como as empresas e as agências governamentais estadunidenses enfrentam um déficit crescente do bem mais valioso do século XXI: o conhecimento.