23 Janeiro 2025
"Hoje, como resultado de uma profunda mudança na cultura e na mentalidade, os crentes assumiram uma relação diferente com a igreja: existe agora uma reivindicação individual generalizada de autonomia no que se refere à vida privada, ideias e crenças, o que leva muitos cristãos a não praticar o culto regularmente, sem por isso abandonar sua fé ou deixar a igreja", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Stampa, 18-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Somos os últimos cristãos? Essa é a pergunta feita no limiar do novo milênio por Jean-Marie Tillard em um ensaio esclarecedor. O grande teólogo canadense tinha certeza de uma coisa: somos inexoravelmente as últimas testemunhas de um certo modo de ser cristãos, católicos. Envolvidos nas grandes mutações das sociedades humanas nas quais ela se encarna, a Igreja está inevitavelmente destinada a mudar sua face, e seus novos traços já estão se delineando. Colocar tão radicalmente a questão de saber se o cristianismo tem futuro nos países ocidentais, em outros séculos dificilmente teria surgido no espaço da cristandade, como testemunha a escassez de obras dedicadas por autores cristãos ao nosso tema, a menos que fossem horas particularmente graves, ou percebidas como tais, para o destino da humanidade. No entanto, a atual temporada sociocultural nos provoca, na verdade nos obriga, a formular essa pergunta e a buscar respostas para ela, na esteira de numerosos autores, especialmente franceses, como Stanislas Breton, Paul Valadier, Maurice Bellet, Danièle Hervieu-Léger, que dedicaram a ela pesquisas sociológicas, teológicas, históricas e antropológicas de grande profundidade nos últimos vinte anos.
Confesso forte inquietação pelo futuro do cristianismo na Europa, especialmente porque a transmissão da fé para as novas gerações se tornou difícil, árdua e, muitas vezes, totalmente desconsiderada. Houve uma espécie de “ruptura” de memória, uma rachadura cultural, de modo que as gerações atuais que se debruçam sobre a fé mostram que não são mais capazes de receber qualquer herança cristã, e as gerações adultas, por sua vez, mostram-se incapazes de “ser sinal”, de ensinar o cristianismo.
Que, no contexto de nossas terras de antiga evangelização, o cristianismo esteja passando por uma fase de grande dificuldade, ninguém mais ousa negar: no máximo, há quem propunha distinções e convide a evitar tons catastróficos, mesmo vendo-se obrigado a admitir uma crise no cristianismo. Os elementos que levam a essa constatação estão à vista de todos: limitando-nos à Itália, há uma queda preocupante nas ordenações sacerdotais, sem falar sobre a drástica diminuição no âmbito da vida religiosa “ativa” ou “apostólica”.
Além dessas evidências relativas aos chamados “quadros” da comunidade cristã, não se pode ignorar os fenômenos que parecem estar afetando cada vez mais seu componente leigo, os crentes.
De acordo com os dados mais recentes do Istat, há uma diminuição acentuada no número de pessoas que participam da Eucaristia dominical. Além disso, se até ontem fé, prática e adesão à Igreja eram elementos estreitamente inter-relacionados, definidos de modo preciso e rigoroso, hoje, depois de uma profunda crise econômica, a fé, a prática e a adesão à Igreja são elementos que se relacionam entre si.
Hoje, como resultado de uma profunda mudança na cultura e na mentalidade, os crentes assumiram uma relação diferente com a igreja: existe agora uma reivindicação individual generalizada de autonomia no que se refere à vida privada, ideias e crenças, o que leva muitos cristãos a não praticar o culto regularmente, sem por isso abandonar sua fé ou deixar a igreja. Sim, entre a comunidade eucarística e a comunidade batismal, parece ter se insinuado um grupo difícil de definir: poder-se-ia falar de cristãos que praticam uma “religiosidade de peregrinos” (D. Hervieu-Léger), não aceitando mais a organização do tempo e do espaço prevista pela igreja para viver a fé. Essas pessoas, que também são chamadas de “cristãos a intermitência”, preferem uma “religião de momentos fortes”, ou seja, vivem sua prática cristã não no ritmo tradicional marcado pelos domingos, mas por ocasião de eventos particulares marcados por grandes números, como aconteceu no domingo, 29 de dezembro, por ocasião da abertura do Jubileu em cada uma das dioceses italianas. Milhares de fiéis naquele domingo, mas depois igrejas quase desertas no domingo seguinte.
Sobre os temas da vida da Igreja no contexto atual e do futuro do cristianismo no Ocidente, o pensamento do teólogo e filósofo Tomáš Halík surgiu com força nos últimos anos. Nascido em Praga em 1948, ele foi expulso da docência universitária e perseguido como inimigo do regime comunista tcheco. Ordenado padre em 1978, foi um expoente da chamada “Igreja subterrânea” e, mais tarde, um dos colaboradores mais próximos do presidente Václav Havel. Atualmente, ele leciona sociologia na Universidade Charles, de Praga. Depois de dedicar seu livro O entardecer do cristianismo: A coragem de mudar, (2022), agora Halík com O sonho de uma nova manhã. Cartas ao Papa, não teme contar seu sonho a olhos abertos de uma Igreja nova, outra, diferente, na forma de um diálogo imaginário com um papa fictício chamado Rafael. Na realidade, aquele de Halík é um confronto direto com o Papa Francisco e sua obra de renovação da Igreja Católica. Inspirado pelo versículo da Carta aos Romanos do Apóstolo Paulo, “se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente” (Rm 12,2), com grande parrésìa e liberdade interior, em doze cartas ele confidencia ao Papa Rafael suas dúvidas e esperanças, angústias e expectativas sobre a experiência religiosa em profunda mudança em nosso tempo.
Tomáš Halík reconhece de imediato, sem fingimentos eclesiástica e temores, que “os meios tradicionais de expressão religiosa - palavras, rituais, instituições - são um espaço estreito demais para o dinamismo da vida espiritual do nosso tempo. A oferta das instituições religiosas muito estereotipada, pouco compreensível e não suficientemente convincente, não leva em conta as verdadeiras aspirações espirituais, os desejos, as demandas e as necessidades das pessoas de nosso tempo”. Por meio das doze cartas, o teólogo tcheco descreve com precisão aquelas formas do cristianismo atual proposto pela Igreja, que ele julga como “formas patológicas e destrutivas de religião”, que desencorajam as pessoas de mentalidade aberta em sincera busca espiritual. Em seu epistolário imaginário com o Papa Rafael, Halík analisa todos os temas mais candentes e atuais da reforma da Igreja, em particular os abusos sexuais, o celibato dos padres, a ordenação de mulheres e a reforma sinodal. Mas os esforços de reforma deveriam começar com um diagnóstico da vitalidade espiritual dos vários ambientes da Igreja, e por isso seria um grande erro limitar-se apenas à reforma institucional. Embora seja verdade que o vinho novo precisa de barris novos, “às vezes tenho a sensação, caro Papa Rafael, de que em nossa Igreja nos concentramos demais nos barris, no aspecto externo e institucional da Igreja... Acredito que uma mudança positiva deveria começar com uma renovação dos conteúdos, só então poderá ocorrer uma renovação da forma”.
Se a parábola evangélica da semente que precisa morrer para dar fruto pode ser aplicada às transformações históricas do cristianismo, então “o que muitos observam e interpretam com temor como o desaparecimento do cristianismo é apenas a secagem necessária da semente. Às vezes, tenho a impressão de que prestamos atenção demais a essa morte da semente. Talvez não percebamos que, em um lugar que sequer imaginamos, ela já está produzindo muitos frutos”. Para aqueles que, como eu, não passam um dia sem se perguntar se há um futuro para o cristianismo, esse livro de Tomáš Halík é uma lufada de ar fresco.