14 Setembro 2024
“Os dois conceitos em jogo, de mudança e de esperança, geralmente são vistos em oposição. [...] Penso, no entanto, que, tanto do ponto de vista lógico quanto ético, existe a possibilidade de afirmar que, precisamente porque tudo muda neste mundo, nós, quando nos tornamos capazes de raciocínios e de atos não sujeitos à mudança, demonstramos pertencer com uma parte de nós (com a mente e o coração, ou seja, o nosso espírito) a outra dimensão do ser”, escreve Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele, de Milão, e da Universidade de Pádua, em artigo publicado por Corriere Fiorentino, 05-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É possível, neste mundo em que sentimos a mudança contínua e desestabilizadora, cultivar a esperança? Em particular, a esperança de que algo não mude, mas permaneça estável e se torne o ponto de apoio para a existência? A essa pergunta, respondo que sim, e o faço com base em dois argumentos, o primeiro baseado na lógica e o segundo na ética.
Do ponto de vista lógico, a afirmação “tudo muda” é falsa ou verdadeira. Se for falsa, então, na realidade, algo não muda; se for verdadeira, então a frase “tudo muda” estará em si sempre dizendo a verdade e, portanto, não mudará. Em ambos os casos, dizer “tudo muda” demonstra a não mudança de algo. Isso atesta a possibilidade de nossa mente alcançar uma dimensão não sujeita à mudança, ou seja, participar de uma dimensão superior, desprovida de mudanças, capaz de descortinar eternas verdades. Isso é o que também foi experimentado por músicos (Bach, Mozart, Beethoven) e cientistas (Bohr, Heisenberg, Schrödinger). Como violinista amador que era, Einstein sintetizou em si mesmo as duas dimensões, e conta-se que certa noite, em 1929, em Berlim, ao final de um concerto do grande virtuoso Yehudi Menhuin, ele foi até seu camarim e disse: “Agora sei que existe um Deus no céu”. Não por isso Einstein se converteu ao Deus bíblico, considerando que sempre defendeu a ideia de Spinoza de identificar Deus e Natureza (Deus sive Natura), mas é claro que, graças à música, ele teve uma experiência de transcendência, ou seja, de uma dimensão do ser não sujeita à mudança.
O segundo argumento a favor da esperança baseia-se na ética. Quando, de fato, neste mundo, onde tudo se move de acordo com a necessidade e todos agem de acordo com o instinto ou o cálculo, mesmo assim o ser humano se mostra capaz do mais puro bem, então acontece um fenômeno inesperado, inconcebível, mas real, que mostra à razão a existência de outra dimensão, não baseada no cálculo e na vontade de poder, mas em um desejo de harmonia e de bem que, por sua vez, abre à transcendência. Foi seguindo esse caminho que Kant encontrou o fundamento para a refundação da esperança: “A lei moral me revela uma vida que é independente da animalidade e também de todo o mundo sensorial”. Falar de uma vida que é independente da animalidade e do mundo sensorial significa falar de outra vida, de uma vida outra, totalmente diferente da vida que conhecemos, que é vida animal e sensorial: ou seja, significa falar da transcendência. É por isso que Kant declarou na Crítica da Razão Pura: “Acreditarei infalivelmente na existência de Deus e numa vida futura e estou seguro de que nada pode tornar essa fé vacilante, porque assim seriam derrubados os meus próprios princípios morais, a que não posso renunciar sem aos meus próprios olhos me tornar digno de desprezo”. O que significa: ou o fenômeno moral é falso ou, se for verdadeiro, abre outro caminho. E, talvez, outra vida. E ser falso ou verdadeiro, depende apenas “de você”.
Os dois conceitos em jogo, de mudança e de esperança, geralmente são vistos em oposição.
Como tudo muda, costuma-se dizer, então não há esperança de que algo possa permanecer e, portanto, aquela dimensão do ser não sujeita ao tempo, que é o eterno, não existe. Penso, no entanto, que, tanto do ponto de vista lógico quanto ético, existe a possibilidade de afirmar que, precisamente porque tudo muda neste mundo, nós, quando nos tornamos capazes de raciocínios e de atos não sujeitos à mudança, demonstramos pertencer com uma parte de nós (com a mente e o coração, ou seja, o nosso espírito) a outra dimensão do ser.
Isso nunca será um atestado incontestável como o conhecimento absoluto ao qual Hegel aspirava. Mas, ainda assim, será uma esperança fundamentada, com a qual viver o tempo que nos é dado com mais otimismo e serenidade.
O que, aliás, não diz respeito apenas aos crentes. Ernst Bloch, filósofo marxista dissidente e cético em relação à fé religiosa, intitulou sua obra-prima O Princípio Esperança e nela escreveu: “Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? O que nós esperamos? E o que nos espera? Muitos se sentem apenas confusos. O chão vacila, e eles não sabem por que ou devido ao quê. Provam uma condição de angústia, que se torna medo se assumir contornos mais precisos”. E continuou: “O importante é aprender a esperar. O trabalho da esperança não é renunciatório porque por si deseja ter êxito e não falir. O esperar, superior ao ter medo não é nem passivo como este sentimento nem, menos do que tudo, bloqueado no nada. O afeto da esperança expande-se, amplia os homens e não os reduz”. Theodor Adorno, um dos fundadores da Escola de Frankfurt, musicólogo e filósofo, replica assim nos Minima moralia: “Por fim, a esperança, tal como ela se arranca à realidade, enquanto esta nega aquela, é a única figura em que a verdade aparece. Sem esperança, a ideia de verdade dificilmente seria pensável”. Tudo muda, portanto, há esperança.
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“Tudo muda, portanto, há esperança”. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU