30 Setembro 2020
"Manter a esperança é a mais sublime atitude revolucionária. É o último bastião de luta que impede que a guerra seja vencida por completo", escreve Maurício Abdalla, professor na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e membro da Rede Nacional de Assessores do Centro de Fé e Política Dom Helder Câmara (CEFEP/CNBB).
"Esperar" é aguardar algo de que se tem certeza ou forte crença que virá.
"Esperança" é a atitude subjetiva de crer além do que está dado pela configuração do presente. É esperar além das certezas e teimar em superar as inclinações mais pessimistas.
Esperar em tempos favoráveis não é ter esperança. A esperança só floresce e se mostra em tempos de adversidade.
É ela que nos torna humanos. Foi por causa da atitude humana da esperança que o mundo e sua materialidade jamais eternizaram seus decretos de impossibilidade. Tudo que apareceu como impossível foi superado pela esperança.
A esperança cria a utopia e nenhum projeto humano que transformou o mundo foi possível sem utopia. Dos primórdios da epopeia do Homo sapiens aos nosso dias, tudo foi obra da teimosia do ser humano em não se contentar apenas em esperar o que já estava disposto, mas ter a postura ativa da esperança no ainda-não.
A esperança é a única atitude que distingue, na essência, o(a) verdadeiro(a) revolucionário(a). Não é a indignação, não é a vontade imediata de lutar, não é a atitude de denúncia e a revolta. Embora importantes, tais posturas podem ser compartilhadas também por quem não é revolucionário. A esperança, não.
Só cultiva a esperança em tempos sombrios os(as) que estão realmente dispostos a transformar o mundo de forma radical. Ter esperança é ter a arma mais poderosa na luta contra a tirania e a opressão.
Não foi por acaso que Dante, na descrição da entrada do Inferno, imaginou uma placa na porta com os dizeres "Deixai toda esperança, vós que entrais".
Os inimigos querem tirá-la de nós. Pois assim nos tiram a vida e toda força que temos para derrotá-los. Deixar de ter esperança é deixar-se vencer pelo inimigo, entregar os pontos, aceitar a derrota sem nenhuma perspectiva de resistência.
Mesmo que não possamos mudar as coisas de forma imediata, mesmo que nos tirem tudo que nos resta, mesmo que vençam diversas batalhas, a esperança é algo cuja existência só depende de nós. Só a levam se a entregarmos – mesmo quando tentamos culpá-los por isso. Ter esperança é fruto de nossa liberdade, de nosso arbítrio, não do deles.
Por isso, manter a esperança é a mais sublime atitude revolucionária. É o último bastião de luta que impede que a guerra seja vencida por completo. Se abrirmos mão dela, mesmo que vejamos motivos para tanto, renunciamos à própria vida.
E, assim, Virgílio disse a Dante: "Não tenhas medo, mas não sejas fraco! Aqui chegamos ao lugar, do qual antes te falei, onde encontraríamos as almas sofredoras que já perderam seu livre poder de arbítrio. Não temas, pois tu não és uma delas, tu ainda vives."
E nós, ainda vivemos?
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A esperança é revolucionária. Artigo de Maurício Abdalla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU