16 Abril 2024
"Mente + coração: esse é o mais alto resultado do processo cósmico. Isso podemos ser nós: uma mente que sabe e um coração que ama. (...) A fonte da esperança é a consciência da (possível) riqueza da nossa humanidade", escreve Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele, de Milão, e da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 31-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
É possível ter esperança hoje? A situação é tal que a escrita colocada por Dante na porta do inferno, “Abandonem toda a esperança, vós que aqui entrais”, seria colocada por muitos nas salas de obstetrícia como boas-vindas aos recém-chegados. Estamos tão tomados pela ansiedade que percebemos o mundo como um navio à deriva cheio de desespero, destinado a afundar em breve nos redemoinhos do nada.
Dominados por esses sentimentos sombrios, é lógico que o nosso coração se encolha e que nos relacionemos com os outros apenas em função de nosso interesse, o olhar ganancioso, frio, calculista: voltamos ao estado de coletores-caçadores, mas sem nenhum assombro original. Acredito, no entanto, que a tarefa do pensamento responsável seja aquela de opor-se a esse desespero e no que me diz respeito nas salas de obstetrícia, como frase de boas-vindas aos recém-chegados, penduraria esta outra frase de Dante: “Se você seguir a sua estrela, não falharás em alcançar glorioso porto”. Precisamos voltar a cultivar a esperança e a ter confiança para navegar na vida. É uma atitude racional? Não, não é.
Como todas as coisas existencialmente importantes da vida, também essa escolha em favor da esperança não é “racional”. O mesmo vale para o amor, a amizade, a paixão, o entusiasmo, a desejo, a inspiração: nenhum desses âmbitos vive apenas de razão. Irracional, porém, não quer necessariamente dizer falso, porque a verdade nem sempre coincide com o que é racional, para poder sempre ser apreendida e definida pela razão. Pelo contrário, é mais a exatidão que coincide com a racional, mas a verdade é mais que a exatidão: é também força, energia, ímpeto, paixão. É essa condição abrangente da mente e do coração que merece o nome de verdade, que, portanto, tem estritamente a ver com a esperança. Adorno escreveu em Minima Moralia: “Sem esperança a ideia de verdade seria difícil de conceber".
Geralmente se acredita que a esperança seja uma atitude exclusivamente cristã, mas não é verdade. Os antigos romanos veneravam a deusa Spes, dedicavam a ela templos e celebravam sua festa em 1º de agosto. É por isso que Kant colocou a esperança entre as questões decisivas da vida: “Todo interesse da minha razão está concentrado nas três questões que se seguem: 1. O que posso saber? 2. O que devo fazer? 3. O que me é dado esperar?”
O uso da primeira pessoa do singular pelo filósofo sinaliza que não estão em jogo aqui questões acadêmicas, mas a existência concreta. Na nossa época, o filósofo marxista dissidente Ernst Bloch escreveu O Princípio Esperança, já falei de Adorno e de muitos outros não cristãos poderia falar. Quanto ao cristianismo, considera a esperança uma virtude teologal, tão fundamental quanto a fé e a caridade. Mas acima de tudo é uma página famosa de Ésquilo que destaca a importância da esperança para todos os seres humanos: Prometeu está acorrentado por ordem de Zeus, uma águia come seu fígado que volta a crescer à noite e depois é devorado novamente, e um coro lhe pergunta o motivo dessa terrível condição. Prometeu responde: “Os homens sempre tiveram a morte fixada diante dos olhos: eu fiz esse olhar parar." Pergunta: “E que remédio encontraste para esse mal?”. Resposta: “Fiz morar dentro deles cegas esperanças". E conclui: “E depois dei-lhes o fogo”. Antes do fogo, Prometeu dá aos homens as esperanças, que são chamadas de "cegas" não porque inúteis, mas porque a esperança, por definição, não vê e não sabe como vai acabar e por isso, justamente, espera. Mas por mais cega que seja, é forte e confere força, como se depreende do fato de que o próprio uso do fogo exige a sua presença.
Não é por acaso que Aristóteles definia a esperança como “o sonho de um homem acordado”. Em que ter esperança?
Estou convencido de que a estrela pela qual podemos encontrar esperança seja o amor. É o amor a fonte da esperança na vida. Mas o que é o amor? Como sentimento privado é preciso, mais profundamente, considerá-lo lógica cósmica. Há noventa anos, o jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin, exilado na China pela Igreja por causa de suas ideias sobre o pecado original, a um amigo que lhe pedira que exprimisse resumidamente as suas crenças, respondeu da seguinte forma: “Se em decorrência de algumas reversões interiores, eu fosse perder a minha fé em Cristo, a minha fé em um Deus pessoal, a minha fé no Espírito, parece-me que continuaria invencivelmente a acreditar no Mundo. O Mundo (o valor, a infalibilidade e a bondade do Mundo), eis aqui afinal a primeira, a última e a única coisa em que acredito. É por essa fé que eu vivo. E é a essa fé que sinto no momento da morte, ultrapassando todas as dúvidas, que me entregarei." A questão sobre a essência do amor encontra aqui a sua resposta: o amor é a lógica relacional que tornou e torna possível o mundo, primeiro a formação dos elementos e do planeta, depois o surgimento da vida, da inteligência, da liberdade, finalmente daquela liberdade que se dedica gratuitamente a outra liberdade e atinge assim a plenitude do amor. O amor exprime a lógica da relação que faz com que as coisas existam, dado que não existe nada que não seja ontologicamente um sistema e, como tal, o resultado de uma relação e harmonia. O resultado mais elevado do processo cósmico no qual estamos inseridos é chamado de mente, pura energia da consciência, e também é chamado de coração, pura energia operacional que reproduz a mesma dinâmica de harmonia na origem da existência. Mente + coração: esse é o mais alto resultado do processo cósmico. Isso podemos ser nós: uma mente que sabe e um coração que ama.
Isso deve ser ensinado às crianças e repetido aos jovens, e nunca esquecido até ao último dia de existência. A fonte da esperança é a consciência da (possível) riqueza da nossa humanidade. Essa força cósmica diz respeito a nós como objeto, porque somos o seu resultado, e diz respeito a nós como sujeito, porque podemos, por nossa vez, exercê-la. É a dimensão geradora do ser, que os antigos gregos chamavam de Logos e o hebraísmo de Hochmà, a partir da qual cada um de nós de caos pode tornar-se mundo. Também pode se tornar assim no sentido do adjetivo, ou seja, mundo no sentido de limpo. Inseridos nesse processo, cada um de nós pode ser mundo: pode sê-lo no sentido do substantivo que se refere à organização e no sentido do adjetivo que se refere à limpeza.
O sentido da existência é assim resumido pelo termo grego para mundo, "cosmos", de onde deriva a cosmética: o sentido da vida é experimentar a beleza física e moral. Pode-se razoavelmente esperar em tudo isso? Sim, pode-se. Aliás, hoje se deve e se deve ensinar a fazê-lo, se não quisermos afundar no niilismo. Os problemas de hoje são tais que tiram a esperança de qualquer um que exercer o raciocínio: a guerra mundial cada vez mais iminente, as mudanças climáticas cada vez mais devastadoras, as migrações cada vez mais massivas, a tecnologia que domina cada vez mais as almas, e poderíamos continuar.
Mas, observava Hannah Arendt, “nos homens existe uma inclinação, talvez uma necessidade, de pensar para além dos limites do conhecimento”. É por isso que se origina a esperança, que sempre esteve ligada à essência do pensamento humano. Para Isidoro de Sevilha, estudioso do século VII especialista em etimologias, o termo latino spes vem de pes, pé; fundada ou não, a etimologia é sugestiva: a esperança é o que faz caminhar pela vida. Sem esperança não se pode caminhar. A esperança, de fato, é performativa: é preciso ter esperança para realizar. Heráclito já o percebia: “Se alguém não tiver esperança, não conseguirá encontrar o inesperado”.
Esperança e fogo, confiança e técnica, sabedoria e ciência devem voltar a estar estreitamente ligadas na sociedade e ainda mais na existência individual. Quanto à técnica, nunca estivemos tão fortes. Se reencontrarmos uma esperança à sua altura, talvez possamos ver novamente a nossa estrela e “não falhar em alcançar glorioso porto”.
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A esperança nos torna altruístas. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU