05 Abril 2024
A crise do cristianismo ocidental e as questões que, nesse sentido, devem ser enfrentadas prioritariamente: esses são os temas da reflexão proposta nesse diálogo com Catt.ch e Catholica pelo professor Brunetto Salvarani, teólogo, escritor, professor de Teologia de missão e do diálogo na Faculdade Teológica da Emilia Romagna e nos Institutos de Ciências Religiosas de Modena, Bolonha e Rimini. A sua mais recente publicação intitula-se Senza Chiesa e senza Dio (Laterza).
A entrevista é de Cristina Uguccioni, publicado por Catt.ch, 01-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como você descreveria a época que o cristianismo vive atualmente?
Como repete o Papa Francisco, não estamos vivendo uma época de mudanças, mas numa mudança de época. E isso envolve também o cristianismo que, na Europa e de forma mais geral no Ocidente, atravessa um período de crise; alguns indicadores documentam-no: o declínio do número de fiéis e vocações religiosas, o crescente desinteresse pela liturgia e pelos sacramentos, a crise na editoração católica, os escândalos financeiros e sexuais.
Mas a questão que torna o quadro realmente problemático é a dificuldade para transmitir a fé de uma geração para outra. É claro que a fé continua a ser um dom, mas hoje parece ter se tornado muito difícil despertar o interesse pelas coisas de Deus e preparar os corações para acolher esse dom. Atenção: a crise não é uma questão de números. Muitos jovens tornaram-se indiferentes a Deus e pensam que a Igreja não tem nada de interessante para comunicar. Sem dúvida existe também um problema de linguagem: aquela da Igreja é considerada pouco compreensível.
Mas o verdadeiro problema é outro: os jovens precisam de testemunhos autênticos, de adultos que se esforcem por ser coerentes com o que professam, de experiências apaixonantes que os ajudem a perceber a beleza profunda da pertença a Cristo. Contudo, infelizmente, os jovens muitas vezes não encontram testemunhos persuasivos. O que importa é a autenticidade da experiência cristã vivida pelos fiéis, não o seu número.
Na nossa época, na Europa, o senhor confiou ao povo de Deus uma tarefa que nunca antes havia sido atribuída na história: o anúncio do Seu Reino a sociedades institucionalmente não religiosas. Na sua opinião, entre os cristãos essa tarefa suscita principalmente reclamações ou entusiasmo?
O teólogo Christoph Theobald afirma que nesta época estamos assistindo à exculturação do cristianismo da paisagem social e cultural europeia. É uma imagem verdadeira. Infelizmente, a tarefa que o Senhor nos confiou não me parece suscitar nem queixas particulares nem entusiasmos significativos. O que prevalece, eu diria, é uma espécie de tibieza, que não gera empreendedorismos, mas deixa a situação como está: estagnada. Muitos limitam-se a lastimar a crise atual e cultivam uma visão catastrofista sobre o futuro do cristianismo. Mas a chama do cristianismo continua a arder no mundo! Eu conservo otimismo, mas não um otimismo inconsciente; há decisões a serem tomadas e é preciso agir com inteligência e paixão: esta crise é uma oportunidade, não deve ser desperdiçada.
No seu mais recente livro, são identificados alguns temas que prioritariamente precisam ser enfrentados diante desta crise. Quer ilustrá-los?
1) Temos um tesouro precioso: a Bíblia, que o Concílio Vaticano II exortou a conhecer, estudar, orar. Depois de uma temporada apaixonante, hoje se nota cansaço e desinteresse na frequência assídua e não ocasional da Palavra de Deus, mesmo que existam algumas abençoadas exceções. Digamos, contudo, que essas exceções não conseguem criar uma massa crítica. É necessário que a Igreja volte a se firmar na Palavra de Deus, que constitui o leme que orienta a nossa navegação no mundo.
2) A Palavra de Deus nos entrega um Jesus, do qual, a meu ver, na nossa época seria essencial realçar principalmente dois aspectos historicamente subestimados: a sua dimensão judaica e a sua dimensão humana.
3) Acredito também que seria necessário que a Igreja repensasse as virtudes teologais à luz da transição histórica que estamos vivendo, refletir sobre como traduzir hoje na vida cotidiana a fé, a esperança e a caridade.
E, além disso, há o tema da escatologia.
Sim: desperta profundo interesse também naqueles que não creem. Infelizmente, parece-me que a Igreja não o proponha com a convicção e a paixão que seriam necessárias. O cristianismo tem uma palavra decisiva sobre a vida após a morte: é preciso começar a proferi-la novamente. Finalmente, é preciso começar a pensar novamente, a produzir um pensamento de alto nível, capaz de impactar na cultura contemporânea, respondendo aos desafios da nossa época. Em todas as fases da sua história, o cristianismo sempre se mediu com a cultura da época e esteve sempre à altura desse diálogo, desse confronto. É necessário voltar a sê-lo.
O que gostaria de dizer ao crente que, envolvido pelas muitas tarefas da vida (trabalho, filhos para criar, pais para cuidar, problemas diários para resolver, amizades para cuidar), pensando na crise do cristianismo descrita acima, pergunta-se o que fazer?
A ele eu diria o que digo primeiro a mim mesmo: tente agarrar-se em Jesus e force-se a ser coerente com o que você professa, procure oferecer um testemunho o mais claro possível. E procure fazê-lo juntos com os outros, redescobrindo a fraternidade e a pertença à Igreja. Numa época de forte individualismo, em que todos parecem querer jogar sozinhos o jogo da vida, é preciso redescobrir essa pertença, o “nós” eclesial, evitando partidarismos e parcialidades, divisões, murmúrios e maledicências.
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“A crise do cristianismo? Uma oportunidade que não deve ser desperdiçada”. Entrevista com Brunetto Salvarani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU