27 Novembro 2024
O conflito em Mianmar. Ameaças de violências sexuais e de gênero são a sombra escura que segue as garotas em todo o país, enquanto alguns reforçam o trono dos golpistas no aguardo da posse de Trump.
A reportagem é de Alessandro de Pascale e Cecilia Brighi, publicada por Il Manifesto, 24-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Formas de violência sexual, caracterizadas pela máxima crueldade e desumanização, têm sido continuamente relatadas na antiga Birmânia desde que os militares tomaram o poder em um golpe de Estado em 01-02-2021. São muitos os relatos de estupros coletivos repetidos e generalizados, inclusive de mulheres grávidas e garotas adolescentes. Soldados sob as ordens dos golpistas capturados pelas forças de resistência confessaram abertamente que estupraram mulheres na frente de seus pais, maridos e outros familiares, com o objetivo de subjugar a população civil com o terror. Se nos últimos meses circularam vídeos de rebeldes capturados pela junta sendo queimados vivos, agora há casos documentados pelas organizações de mulheres sobre a violência que sofreram, como os que mostram os cadáveres das vítimas civis com objetos inseridos em seus órgãos genitais. Com os militares sob as ordens dos golpistas sob a influência de álcool ou outras substâncias psicoativas, desde 2023 Mianmar se tornou o primeiro produtor mundial de ópio, ultrapassando o Afeganistão, que está de volta às mãos dos Talibãs após 20 anos de ocupação da OTAN. Mas essa é outra história.
A Comissão Internacional de Juristas (ICJ) denuncia “graves violações dos direitos humanos, incluindo atos de violência de gênero que constituem crimes de acordo com o direito internacional” nas prisões birmanesas. Sua investigação relata espancamentos físicos e ameaças, violências sexuais, revistas corporais e intrusivas, uso excessivo da força, recurso a medidas disciplinares e sanções excessivamente punitivas (como confinamento solitário prolongado). As violências contra as mulheres em Mianmar não se limitam às áreas de conflito. Também permeiam os locais de trabalho. A começar pelas zonas industriais que acabaram sob lei marcial e com sindicatos declarados fora da lei.
Os números da guerra civil em curso contra a junta militar são desarmantes: 3,6 milhões de refugiados internos, mais de 18 milhões de pessoas reduzidas à fome (dados da ONU). Depois, há as prisões. No momento em que escrevo, há 21.145 presos políticos (números constantemente atualizados pela AAPP Burma). Na quarta-feira passada, ao presidir uma reunião da Comissão de Finanças, o número 2 do regime Soe Win declarou ter recebido uma diretriz de seu chefe Min Aung Hlaing segundo a qual a defesa e a segurança (leia-se guerra em andamento) também no próximo orçamento de 2024-2025 terão prioridade sobre todos os outros itens de despesas (serviços, agricultura, indústria, educação, saúde e fornecimento de óleo de cozinha). Nada de novo: desde o golpe, os gastos da junta no setor militar aumentaram de 1,746 trilhão de kyat em 2021 para 5,635 trilhões de kyat no ano passado (mais de 2,6 bilhões de euros).
Enquanto isso, a junta está tentando normalizar e legitimar o poder tomado pela força. De 22 a 24 de outubro, a 42ª conferência da Associação das Polícias do Sudeste Asiático (ASEANPOL) foi realizada na capital birmanesa, que também contou com a presença do presidente da Interpol, o general dos Emirados Árabes Unidos Ahmed Naser Al-Raisi. No dia seguinte, a Força-Tarefa Financeira confirmou Mianmar pela terceira vez na lista negra de países responsáveis por “lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e financiamento da proliferação das armas de destruição em massa”.
No conflito birmanês também há, por fim, a incógnita Trump: o recém-reeleito presidente dos Estados Unidos poderia cancelar as ajudas humanitárias destinadas a Mianmar (o Burma Act, 121 milhões de dólares alocados em 2024) e bloquear o plano de realocação de cerca de 60.000 refugiados birmaneses dos campos de refugiados na Tailândia, que agora aguardam serem transferidos para os EUA.
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Birmânia, a violência contra as mulheres como arma de guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU