Emanuele Giordana é jornalista profissional e ativista da associação “Atlas das Guerras e dos Conflitos do Mundo”. Na entrevista concedida ao SettimanaNews responde a algumas perguntas de Giordano Cavallari sobre a situação de guerra civil em Mianmar, após a execução de 4 opositores do regime militar que hoje governa o país.
A entrevista com Emanuele Giordana é publicada por Settimana News, 02-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 25 de julho, foi divulgada a notícia de que 4 pessoas foram executadas em Mianmar. Que interpretação se deve dar ao fato, que certamente é grave?
Desde o final da década de 1980 - ou seja, desde a ditadura militar anterior - não havia se registrado novas execuções em Mianmar [Birmânia até 1989]. Esta execução por enforcamento de 4 opositores demonstra a força do atual regime e sua capacidade de desafiar a condenação que foi imediatamente levantada pela comunidade internacional ocidental: da Anistia Internacional às diplomacias ocidentais. Mas os protagonistas políticos birmaneses evidentemente não têm temores internacionais e sabem que podem contar com a total impunidade.
Ko Phyo Zeya Thaw era membro do partido de Aung San Suu Kyi. "Ko Jimmj" era um ativista bastante conhecido. Os outros dois executados foram Hla Myo Aung e Aung Thura Zaw. Todos foram definidos como terroristas no final de um processo que foi considerado pelo Human Rights Watch clara e exclusivamente político.
Havia esperança de algum sinal positivo do regime: por exemplo, a libertação de alguns presos entre os 14.000 detidos nas prisões por motivos políticos. Em vez disso, chegou um sinal completamente oposto. É um péssimo sinal que converge para outros: Aung San Suu Kyi - líder do governo até o golpe de fevereiro do ano passado - foi transferida da prisão domiciliar para a prisão e agora enfrenta a possibilidade de prisão perpétua.
O país está sujeito a sanções, também para induzir o respeito pelos direitos humanos: portanto, as sanções não funcionam?
Funcionam e não funcionam, como também vemos em outros lugares. O dossiê Mianmar não está - certamente neste momento - na agenda mundial, mesmo que ali esteja ocorrendo uma guerra civil que, do ano passado para este ano, causou pelo menos 2.000 mortes.
Você pode reconstruir brevemente a história mais recente de Mianmar?
O governo civil de Aung San Suu Kyi durou um mandato inteiro, mas não conseguiu fazer muita coisa, mesmo no sentido dos direitos humanos e da democracia, pois foi de fato obrigado à contínua mediação com os militares. De fato, os militares constituem uma força econômica primária em Mianmar: todas as atividades econômicas, mesmo que não aparentemente, se reportam a eles. Esse sistema não foi praticamente alterado em nada pelo governo de Aung San Suu Kyi.
Deve ser dito que o sistema parlamentar birmanês está bloqueado, no sentido de que 25% dos assentos são reservados para os militares; para mudar a constituição e fazer reformas importantes, são necessários mais de 75% dos assentos. Todas as reformas substanciais foram, portanto, trancadas pelos militares nos últimos anos.
Com as eleições políticas de 2020, a Liga para a Democracia – partido de Aung San Suu Kyi – ganhou mais cadeiras do que anteriormente. Isso corroeu os demais consensos que os militares desfrutavam no Parlamento. Outros parlamentares poderiam ter migrado para a Liga para a Democracia. Teria sido viabilizado um importante passo institucional que poderia ter eliminado o partido militar.
Além disso, consideremos que os militares estavam perdendo, como se costuma dizer, a cara: algo que não é insignificante na cultura política asiática. Era necessária uma saída. Aquela proposta pelos militares foi nomear o presidente como Chefe de Estado, embora fosse direito do partido vencedor nomeá-lo, juntamente com o primeiro-ministro: à recusa do partido de Aung San Suu Kyi, a resposta dos militares foi o golpe de estado, argumentando que as eleições eram inválidas. Assim, eles retomaram todo o poder.
Como a sociedade birmanesa reagiu?
Algo inusitado aconteceu, pelo menos para a sociedade birmanesa: surgiu uma espécie de resistência, inicialmente pacífica, muito difundida, imediatamente reprimida com sangue. Enquanto isso, os parlamentares regularmente eleitos em um Parlamento que evidentemente não existe, estabeleceram um governo clandestino capaz de coordenar o protesto que assim se transformou em resistência popular armada.
A tentativa desse governo anômalo tem sido vincular à causa os exércitos das autonomias regionais existentes em Mianmar - especialmente nas regiões limítrofes com a Tailândia e a China - em oposição ao exército nacional. No entanto, a manobra não foi bem sucedida. O resultado são os confrontos contínuos, tanto entre exércitos quanto entre exército e grupos armados civis, com efeito de bombardeios e combates que não poupam ninguém e nada, incluindo templos budistas e igrejas católicas. Não se contam, como disse, as detenções indiscriminadas, além dos mortos.
Quais são as interferências geopolíticas no Mianmar?
Os interesses da China, principal país vizinho, são bem conhecidos. Basta olhar para o mapa. A China está investindo muito em Mianmar para a construção de um porto na área ocidental do país: o porto permitirá às rotas chinesas um acesso muito mais simples e curto ao Mar de Andamão, em comparação com a passagem pelo Estreito de Malaca. O objetivo evidente da China é conectar vários países asiáticos na rota da seda, neste caso marítima. Myanmar é um dos países da rota. As razões pelas quais a China bloqueou as resoluções do Conselho de Segurança da ONU de condenar o atual regime em Mianmar são, portanto, evidentes. A mesma coisa que a Rússia fez. Devo dizer que a China o fez de uma forma aparentemente mais distanciada, a Rússia de maneira mais direta.
Vou dar um exemplo, eloquente para mim: no último desfile nacional em Mianmar, a China não enviou seus ministros para o palanque, a Rússia sim. Para a Rússia, apoiar a atual junta militar significa retornar a uma presença significativa também na Ásia.
O Ocidente é objetivamente bem pouco presente: os Estados Unidos basicamente desistiram. Depois devem ser consideradas as relações com os países do Sudeste Asiático, que aliás estão vinculados por um pacto de desenvolvimento político-econômico. Alguns tentaram uma tímida mediação - fracassada - da crise. A maioria - como geralmente é o caso na Ásia - manteve e mantém uma posição aberta a todas as possibilidades, limitando-se a convidar às próprias manifestações personalidades birmanesas de segundo plano, em vez que militares de primeiro plano. Além disso, Laos, Vietnã e Camboja não têm muito a ensinar em termos de democracia ao Mianmar; Indonésia, Malásia e Cingapura são os que podem dizer algo a mais.
Você poderia esclarecer a questão da minoria Rohingya, pela qual acusações também estão sendo feitas ao governo de Aung San Suu Kyi?
É uma minoria discriminada e perseguida: antigamente era reconhecida, foi excluída das 135 nacionalidades mencionadas na constituição birmanesa. A discriminação persiste há muitos anos, então há muitos anos existe uma diáspora Rohingya nos países vizinhos, especialmente em Bangladesh.
Mas certamente em 2017 - quando no governo estava Aung San Suu Kyi - ocorreu uma verdadeira campanha persecutória que levou à expulsão quase completa dos Rohingyas do Mianmar. Mais uma vez, a responsabilidade principal deve ser atribuída aos militares birmaneses, mas com o apoio do governo.
Os Rohingya são muçulmanos sunitas. A maioria birmanesa é naturalmente budista. É fácil pensar em razões religiosas. Alguns grupos nacionalistas são, infelizmente, budistas. Mas acho que o movimento de expulsão dos Rohingyas seja fundamentalmente determinado por razões econômico-políticas. A expulsão serve para tomar as suas terras, que estão localizadas na área ocidental: aquela em que a China está construindo seu porto.
A questão Rohingya realmente lançou sombras sobre o governo de Aung San Suu Kyi, mas esse caso também deve ser lido no quadro mais amplo e complexo que acabei de citar. Agora, o governo clandestino, liderado pelo partido de Aung San Suu Kyi, reconheceu o direito de nacionalidade aos Rohingyas, prometendo que - uma vez de volta ao poder - trará todos os Rohingyas de volta de Bangladesh. Esta promessa para o momento é, obviamente, inverificável.
O fato novo é que nos últimos dias o Tribunal Internacional de Justiça da ONU, a pedido, estranhamente, de Gana, reconheceu a possibilidade de processar os militares birmaneses sob a acusação de genocídio contra os Rohingyas. Esse tribunal internacional de justiça evidentemente tomou sua decisão no contexto atual, recolhendo todos os sinais negativos que mencionei sobre esse regime militar.
Quanto é a questão Rohingya está presente na agenda ocidental?
No Ocidente se falou a respeito, mas também foi rapidamente esquecido. As sanções ocidentais foram aplicadas a Mianmar também e sobretudo por essa razão. Na realidade, sabemos que as sanções podem ser contornadas e são efetivamente contornadas por empresas privadas ou semiprivadas por meio de mediação e triangulação. O isolamento em que o Ocidente gostaria de fechar a junta militar birmanesa é, portanto, bastante quimérico. Como disse, enquanto isso, China, Rússia e outros países continuam a fazer negócios com Mianmar: o caso da execução dos quatro opositores demonstra como, de fato, a junta militar agora se sente segura internacionalmente.