29 Setembro 2017
"Não é prudente que o Papa pronuncie em solo birmanês o termo Rohingya: poderia causar reações descontroladas dos grupos nacionalistas budistas. E sobre a questão da minoria muçulmana oprimida, a líder Aung San Suu Kyi está fazendo todo o possível e tem o total apoio da Igreja católica". O cardeal Charles Maung Bo, faltando dois meses para a viagem do Papa Francisco para a Birmânia (27-30 novembro) - na peregrinação de outono que também vai passar por Bangladesh – define a posição da Igreja birmanesa sobre as questões mais delicadas que afetam a visita papal e estão nas manchetes dos noticiários internacionais: na recente assembléia geral da ONU, o governo de Mianmar rejeitou qualquer acusação de "limpeza étnica".
A reportagem é de Paolo Affatato, publicada por Vatican Insider, 27-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O cardeal explicou em um relatório detalhado que foi entregue ao Vatican Insider as preocupações que atravessam neste momento a Igreja birmanesa: acima de tudo, teme-se que a presença do Papa possa "provocar tensões religiosas" em virtude de "determinados comentários do Papa sobre os Rohingyas que poderiam inflamar os nacionalistas: eles argumentam que os Rohingyas não são birmaneses, mas sim bengalis, e não têm o direito de viver no país". Se estourassem desordens, seria criado um grande embaraço para o governo e para as instituições, e isso poderia estragar o clima geral. Inclusive porque, ressalta Bo, "a presença do Papa em Mianmar foi acolhida como uma contribuição para a paz e a harmonia tanto pelos membros civis do governo, como pelos militares"; passo, este, muito significativo, considerando que o Papa traz uma mensagem de apoio à paz, à reconciliação, à dignidade de cada homem e aos direitos humanos.
Por sua parte, a pequena comunidade católica birmanesa (450 mil fiéis, 1% da população), vê a chegada de Bergoglio como "uma bênção" e grande parte da população a considera uma "visita de cura". Muitos cidadãos birmaneses, de fato, acompanharam a visita do Papa à Colômbia, país dilacerado pela guerra civil, e identificam analogias com a Birmânia, que vive há várias décadas conflitos internos com numerosos grupos étnicos minoritários.
Não é só benevolência para Francisco, contudo: alguns grupos já estão em pé de guerra e o esperam na entrada, relata o cardeal, "Ashin Wirathu, monge que lidera o movimento budista Ma Ba Tha, classificou a visita papal como ‘uma visita política’", denunciado Francisco como defensor da causa dos rohyngyas. Sobre esse delicado campo está sendo jogado o significado e o impacto da peregrinação de Francisco em uma nação que está a duras penas emergindo de 60 anos de ditadura militar que influenciaram estruturas, instituições, mentalidades e organização social.
A questão dos Rohingyas explodiu com toda força e o Papa Francisco é indicado por várias correntes como possível "aríete" para forçar o governo birmanês: muitos esperam que ele fale abertamente sobre esse problema durante a viagem. Tal interpretação da visita de Bergoglio é, ao contrário, restritiva e equivocada, dizem os bispos, pois a peregrinação terá em primeiro lugar "um caráter pastoral". Além disso, de acordo com a Igreja birmanesa, precisa ser evitado em todos os sentidos que a presença do papa na Birmânia - a primeira vez na história - tenha um efeito contraproducente e, paradoxalmente, torna-se um prenúncio de conflitos ou desordens sociais.
Por essa razão, enfatiza Bo, a Igreja sugere ao Papa Francisco "não usar o termo Rohingya", mas "falar dos direitos humanitários de muçulmanos que sofrem no estado de Rakhine, da necessidade de uma solução pacífica e duradoura, da adoção de medidas não-violentas e da urgência de uma cooperação regional".
Aqui entra em jogo a posição da histórica líder birmanesa Aung San Suu Kyi, Prêmio Nobel da Paz e hoje Ministra do Exterior no governo da Birmânia; ela é amiga de velha data do cardeal, com quem compartilhou o sofrido percurso de luta pela democracia, sacrifício pessoal e envolvimento político direto. Bo a defende, confirmando-lhe "seu total apoio" e observando que "foi atacada impiedosamente pelas mídias ocidentais", que "foram bem rápidas em descartar seus sucessos" no caminho da democratização da Birmânia, na defesa dos direitos humanos e na reconciliação nacional.
Bo expressa apreço pelo recente discurso da Prêmio Nobel na ONU, no qual reiterou a urgência do respeito pelos direitos à assistência aos refugiados no estado de Rakhine. Aung San Suu Kyi, ressalta, "estabeleceu um comitê especial de trabalho para implementar as recomendações da Comissão Kofi Annan: iniciativa positiva que merece respeito e cooperação da comunidade internacional".
Lembrando seus méritos para o renascimento de Mianmar, o cardeal Bo afirma que "sua integridade e seu empenho estão acima de qualquer suspeita". A líder não pode puxar demais a corda com os militares, arriscando um novo golpe de estado. "Uma maior democracia e uma mais forte inclusão poderão sanar as feridas históricas. É urgente a paz com os grupos étnicos através da adoção de um sistema federal", concluiu o cardeal. "E a Igreja birmanesa, graças também à presença do Papa, contribuirá para construir a paz".
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Birmânia, o cardeal Bo: "Eu estou com Aug San Suu Kyi" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU