06 Março 2021
A agência católica tailandesa Licas News recolheu o testemunho da freira que se ajoelhou na frente dos policiais em Mianmar, cuja foto deu a volta ao mundo. Ela havia aberto aos feridos nos confrontos a clínica que dirige para a Igreja: “Provavelmente, eu pareci uma estúpida, mas senti piedade das pessoas: por isso decidi ficar e morrer, se preciso”. Enquanto isso, a polícia e o exército continuam abrindo fogo contra a multidão, com dezenas de mortos.
A reportagem é de Mondo e Missione, 04-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os confrontos continuam em Mianmar. Na quarta-feira, 3 de março, outras 38 pessoas perderam a vida. As forças de segurança abriram fogo contra a multidão em várias cidades: Myingyan, Mandalay, Monywa, Yangon. Foi o dia mais sangrento desde o início dos protestos.
Ir. Rose Lasang Nu Twang enfrenta a polícia
(Foto: Mondo e Missione)
No dia 28 de fevereiro, a foto de uma freira ajoelhada, implorando à polícia que parasse de atacar os manifestantes, deu a volta ao mundo. A Ir. Rose Lasang Nu Twang, da Diocese de Myitkyina, capital do Estado de Kachin, no norte do país, contou à agência católica tailandesa LiCAS.news os acontecimentos daquele domingo turbulento.
“Por favor, não atirem, por favor, não façam isso. São civis inocentes”, gritou ela quando policiais e soldados apontaram as armas contra a multidão.
A Ir. Rose, junto com outras irmãs da Congregação de São Francisco Xavier, dirige uma clínica que, ao contrário do normal, estava aberta naquele domingo. De fato, como todos os outros hospitais foram fechados quando os militares assumiram o governo e devido ao crescente número de pacientes pobres que precisam de cuidados médicos, a Ir. Rose convidou os agentes de saúde católicos e amigos para ajudarem na clínica administrada pela Igreja.
“Eu vi as pessoas, principalmente os manifestantes, na rua em frente à nossa clínica”, conta ela. A polícia e veículos militares se aproximaram de um grupo de jovens reunidos na frente da clínica. Ouviu-se uma forte explosão: “Ficamos todos chocados e fugimos”, relembrou a Ir. Rose. “Tentamos ajudar a manter as pessoas longe da polícia”, disse ela, acrescentando que a clínica abriu suas portas aos manifestantes. Homens armados começaram a seguir as pessoas, espancando e prendendo alguns manifestantes. Centenas fugiram para o prédio da clínica.
“Eu gritava alto e tentei trazer de volta as pessoas que haviam sido levadas pela polícia. Tentei intervir, e a polícia me bateu.” Nem todos conseguiram escapar: alguns caíram no chão, outros ficaram feridos.
“Provavelmente, eu pareci uma estúpida”, contou a Ir. Rose com um sorriso, referindo-se ao modo como ela tentou impedir que os policiais perseguissem a multidão, com os braços estendidos do lado de fora da clínica. Ela também queria fugir, “mas senti piedade das pessoas, então decidi ficar e morrer, se preciso”, disse ela.
Quando a polícia começou a marchar, a freira correu até eles e, juntando as mãos como se estivesse em oração, ajoelhou-se. “O povo já sofreu muito. Atirem em mim até a morte”, gritou ela aos policiais que, ao vê-la, pararam. Depois de alguns instantes, a Ir. Rose abriu os olhos e viu que estava sozinha. As pessoas já haviam fugido, e os policiais haviam se retirado. “Quando eu estava prestes a entrar, os policiais voltaram, e novamente eu os confrontei e tentei afugentá-los”, continuou a Ir. Rose. Pouco depois, houve uma rajada de tiros.
“Essas pessoas são inocentes e só querem protestar pacificamente. Não os tratem duramente. Somos todos cidadãos e somos irmãos e irmãs. Se preciso, me matem e deixem que as pessoas fiquem livres”, repetiu a freira aos homens armados. A polícia a advertiu para não se aproximar. Mas ela se recusou: “Enquanto vocês continuarem fazendo coisas cruéis, eu não vou me afastar: sofrerei a morte”, disse ela.
A polícia respondeu retirando-se. A Ir. Rose voltou imediatamente à clínica para tratar os feridos, que continuaram chegando durante todo o dia. “Agradeci a Deus pela força para enfrentar os policiais”, disse ela mais tarde, surpresa com as suas próprias ações.
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Mianmar: as palavras da freira por trás da foto que viralizou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU