12 Janeiro 2018
Mais de 60 mil crianças rohingyas vivem completamente esquecidas no Estado de Rakhine em Mianmar. Isso foi revelado pela UNICEF, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Os olhos do mundo estão todos focados nas mais de 655 mil pessoas que, desde agosto, cruzaram a fronteira com o Bangladesh para fugir da violência do governo militar de Mianmar.
No entanto, pelo menos 60 mil crianças ainda estão retidas e esquecidas em miseráveis campos de refugiados no Rakhine. E mais de 200 mil pessoas da minoria étnica muçulmana vivem em aldeias onde a liberdade de movimento e o acesso a serviços básicos estão ficando cada vez mais limitados. As restrições existentes à circulação de pessoas dentro e fora dos campos foram reforçadas após a eclosão da violência, tornando ainda mais difícil para os operadores humanitários levar ajuda às crianças e tornando, se possível, ainda piores as condições de vida já difíceis de milhares de refugiados.
A reportagem é publicada por L'Osservatore Romano, 11-12-01-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os campos no Rakhine estão em uma condição desastrosa. Alguns estão abaixo do nível do mar, praticamente sem nenhuma cobertura vegetal e esgotos a céu aberto. Muitas vezes as habitações são construídas sobre resíduos, onde as crianças andam descalças, com o risco de contrair doenças letais. Também não há trilhas marcadas, para evitar andar no meio do lixo. O administrador de um campo - conforme denuncia a UNICEF - registrou as mortes de pelo menos quatro crianças apenas em dezembro.
Antes de agosto, a UNICEF estava cuidando de 4.800 crianças que sofriam de desnutrição aguda grave, mas agora esses menores já não estão mais recebendo esses tratamentos emergenciais. Todos os centros de tratamento terapêutico ambulatorial foram fechados, devidos a saques, destruição ou porque o pessoal não podia mais acessá-los. Nenhum dos cinco centros de cuidados de saúde primários que UNICEF mantinha está agora operacional e em nenhum lugar é distribuído água limpa ou comida em quantidades suficientes. A situação está à beira do colapso. Em especial, a cidade de Maungdaw, no norte Rakhine, ainda mostra as marcas da recente violência dos militares. Grandes áreas foram arrasadas por escavadeiras, a maioria das lojas foi fechada, poucas pessoas circulam pelas ruas, há poucas mulheres e menos ainda crianças.
Enquanto isso, hoje, pela primeira vez, o exército de Mianmar admitiu seu envolvimento no assassinato, em setembro passado, de dez rohingyas. Com um post no Facebook, o gabinete do chefe das forças armadas de Naypyidaw, General Min Aung Hlaing, informou que a violência ocorreu em 2 de setembro, na aldeia de Din Inn, no estado de Rakhine. "Alguns moradores e membros das forças de segurança confessaram ter matado dez terroristas bengalis", relata o post, onde a palavra 'bengali' é utilizada pelas autoridades de Mianmar para indicar a minoria étnica muçulmana. Em Mianmar, os rohingyas não são de fato considerados compatriotas, mas cidadãos de Bangladesh (chegados durante o período colonial britânico), com quem partilham a fé muçulmana e a raiz linguística.
Com essa primeira admissão do exército, chega também a primeira confirmação de uma fossa comum para os rohingyas em Rakhine. As dez vítimas foram detidas pelos militares - que nos últimos meses foram acusados, sem meias palavras, por parte dos Estados Unidos e das Nações Unidas de ‘limpeza étnica’ - e, em seguida, ‘mortos no cemitério’, acrescentou o post de general. Na versão dos militares, as mortes foram uma represália das forças armadas e budistas locais depois que grupos rebeldes rohingyas mataram budistas em uma aldeia próxima. "O acidente ocorreu porque os moradores budistas foram ameaçados e provocados pelos terroristas", conclui o comunicado militar.
Até agora, o exército de Mianmar tinha constantemente negado qualquer violação, afirmando nunca ter matado qualquer rohingya. Em dezembro, as organizações humanitárias estimaram pelo menos 6.700 Rohingyas vítimas ao longo dos últimos quatro meses.
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Pela primeira vez, o exército de Mianmar admite ter matado representantes das minorias. Estamos esquecendo as crianças rohingyas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU