24 Outubro 2024
"À sua maneira, será difícil que ela não pareça também como uma pequena tragédia, em primeiro lugar por causa de como as mulheres, mais uma vez, devem se ver tratadas, nomeadas e removidas: mas elas podem se consolar, porque a reserva masculina, quando só consegue se expressar dessa forma, se assemelha cada vez mais com uma reserva indígena".
teólogo italiano Andrea Grillo, publicado no blog Come Se Non, 22-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em uma ampla camada de leitores, inclusive entre padres e madres sinodais, a comunicação do Prefeito Fernandez pareceu ser a continuação (o quinto episódio) de uma sequência infeliz, que não consegue sair das malhas de uma relação fracassada, distorcida e, de qualquer forma, comprometida. E quanto mais se avança, mais confusas as coisas ficam. Mas vamos por partes, e examinemos o comunicado de ontem de manhã, ponto por ponto. Para aqueles que perderam os quatro episódios anteriores, sugiro que os leiam aqui.
Vamos começar o exame do Comunicado, parágrafo por parágrafo, comentando-os ponto por ponto (em estilo normal o texto original e em itálico meu comentário):
a) Comunicação do Cardeal Victor Manuel Fernandez na XIII Congregação Geral do Sínodo.
Segunda-feira, 21 de outubro de 2024, manhã
Quero esclarecer que o Grupo 5 é coordenado pelo Secretário Doutrinário do Dicastério para a Doutrina da Fé. Na sexta-feira passada, ele foi submetido a um procedimento médico e sugeriu em seu lugar duas pessoas muito preparadas para a escuta para analisar as propostas. Mais tarde fiquei sabendo que algumas pessoas estavam esperando a minha presença e ofereci uma reunião na quinta-feira, às 16h30min.
No mundo comum, aquele normal, o mundo das relações comuns, se houver motivos de saúde para não comparecer a um compromisso importante, são informados com antecedência, não quatro dias depois. Mas se for uma questão de ausência forçada de alguém que possa responder pelo trabalho feito por uma equipe, o que sempre pode acontecer e não escandaliza ninguém, não se enviam na frente “subordinados” que não têm outra função a não ser distribuir endereços de e-mail e transcrever as perguntas como diligentes colegiais. Também não parece linear que o prefeito saiba, só depois, ter sido esperado e que tenha marcado, a posteriori, um encontro para quinta-feira. Toda essa reconstrução é frágil, vacilante, parece vir de um mundo meio distraído e pouco sociável, possibilitado apenas pela hipótese de uma “societas inaequalis”, que digna de atenção uma Assembleia, mas moderadamente e sem exagero.
b) Sabemos que o Santo Padre expressou que a questão do diaconato feminino não está madura neste momento e pediu que não nos debrucemos sobre essa possibilidade agora. A comissão de estudos sobre o tema chegou a conclusões parciais, que publicaremos no momento certo, mas continuará trabalhando.
O primeiro argumento ao qual o prefeito se refere é um “sabemos”, que não resulta de nenhum texto oficial, sobre um desejo do papa de não abordar a questão do diaconato. Em vez disso, é clara e repetida uma intenção do papa, que o prefeito não parece lembrar de forma alguma, de que os Sínodos não são realizados para dizer o que o papa quer ouvir, mas para dar voz ao povo de Deus. Quem autorizou o Prefeito a levar a palavra ao Sínodo sobre um tema específico, como o acesso da mulher ao diaconato? Começar a resposta pelo “princípio de autoridade” não ajuda a entrar em sintonia com a pergunta vinda da assembleia. Por outro lado, dizer que a Comissão de estudos chegou a conclusões que “publicaremos no momento certo” (e quem vai dizer qual é o momento certo, se as conclusões já foram alcançadas?) acaba entrando em contradição com as garantias sobre a continuação do trabalho pela própria comissão. Aqui também, uma certa confusão caracteriza essas linhas iniciais, um tanto incertas.
c) Em vez disso, o Santo Padre está muito preocupado com o papel das mulheres na Igreja e, mesmo antes do pedido do Sínodo, pediu ao Dicastério para a Doutrina da Fé que explorasse as possibilidades de um desenvolvimento sem nos concentramos na ordem sagrada. Nós não podemos trabalhar em uma direção diferente, mas devo dizer que concordo plenamente. Por quê?
Nessa terceira proposição, o Prefeito Fernandez chega ao máximo da contradição: o papel da mulher na Igreja pode ser desenvolvido pelo Dicastério “sem nos concentrarmos na ordem sagrada”. E depois ele acrescenta “nós não podemos trabalhar em uma direção diferente”: mas com quem esse “nós” se identifica? Certamente isso vale para o Dicastério. Mas seria vinculante para a Assembleia do Sínodo? Fernandez diz “nós”, mas será que quer dizer “vocês”? será que ele quer reduzir o Sínodo a uma “seção menor” do seu Dicastério? Mas o melhor ainda está por vir, porque até aqui Fernandez se limitou a assumir alguns fatos (pelo menos alguns dados que, em sua opinião, merecem destaque) sem explicá-los. Mas é agora que chega à fatídica pergunta: por quê? As proposições seguintes tentam se equilibrar no gelo escorregadio da argumentação.
d) Porque pensar no diaconato para algumas mulheres não resolve a questão dos milhões de mulheres da Igreja. Por outro lado, nós ainda não tomamos algumas medidas que poderíamos tomar. Vou lhes dar apenas alguns exemplos: quando o novo ministério do catequista foi criado, o Dicastério para o Culto Divino enviou uma carta às Conferências Episcopais. Nela, foram propostas duas formas diferentes de configurar o ministério. Uma estava ligada à condução da catequese. Mas a segunda adotava o que o Papa havia dito em Querida Amazônia sobre as catequistas que sustentam as comunidades na ausência de padres, mulheres que estão na liderança, dirigem as comunidades e desempenham várias funções. As Conferências Episcopais podiam acolher essa segunda forma, mas muito poucas o fizeram. Essa proposta era possível porque o papa havia explicado em seus documentos que o poder sacerdotal, ligado aos sacramentos, não é necessariamente expresso como poder ou autoridade, e que há formas de autoridade que não exigem a ordem sagrada. Mas esses textos não foram adotados.
Primeiro “porquê”: o diaconato seria experiência de poucas mulheres, enquanto o verdadeiro problema é a autoridade de todas as outras mulheres. Uma argumentação que me lembra aquela de economistas que bancam os teólogos e dizem que as mulheres devem ser defendidas contra o clericalismo, mantendo-as longe do ministério ordenado. O segundo “porquê” está relacionado à recente abertura das mulheres ao ministério de catequista. Fernandez, querendo ser realista, idealiza uma reforma que tem apenas três anos e a julga como se fosse uma tendência dos últimos três séculos. Aqui, metodologicamente, ele escorrega temerariamente no gelo: inclusive porque ele evoca uma “autoridade que não requer a ordem sagrada” como se fosse uma realidade, mas é apenas uma ideia, sendo o direito canônico o que é. Em suma, os dois primeiros “porquês” não parecem explicações, mas deduções indevidas sobre fenômenos recentes ou sobre intenções não melhor especificadas.
e) O acolitato para as mulheres foi de fato concedido em pequena percentual nas dioceses, e muitas vezes são os padres que não querem apresentar mulheres ao bispo para esse ministério.
E então? Em que sentido essa seria a resposta ao “porquê” o acesso das mulheres ao diaconato seria prematuro? Em vez disso, poder-se-ia facilmente inverter o argumento. A resistência das mulheres (e dos padres) ao acolitato talvez dependa de uma compreensível falta de vontade de serem instituídas na função de “coroinhas”. Por que Fernandez exclui essa possível razão, que parece muito compreensível?
f) O diaconato para os homens: em quantas dioceses do mundo foi aceito? E onde foram aceitos, quantas vezes são apenas coroinhas ordenados?
Deixando de lado a formulação infeliz (os futuros padres também são homens, por exemplo) e a falta de respeito por muitos diáconos permanentes, que se veem pesadamente rotulados de cima numa linha de texto, talvez esse resultado decepcionante dependa precisamente de um projeto eclesial sobre o diaconato que é “menor”: se o diácono deve ser “a título gratuito”, como poderá se tornar um ministério? Se escolhermos como diáconos permanentes apenas “homens estabelecidos (ou aposentados)” a culpa é do diaconato ou de nossa perspectiva que o interpreta? Talvez a própria eliminação da reserva masculina no diaconato também poderia reabrir a teologia e a pastoral para novas possibilidades.
g) Esses poucos exemplos nos fazem entender que a pressa em pedir a ordenação de diáconas não é hoje a resposta mais importante para promover as mulheres.
Não, justamente aqui a situação se complica. Aqui se escorrega irremediavelmente. Os exemplos não nos fazem entender de forma alguma o que Fernandez gostaria de nos sugerir. E é justamente o uso superficial de alguns exemplos mal selecionados, como se fossem demonstrações, que sugere a dificuldade de comunicação presente em todo esse caso. O trabalho do Sínodo manifestou que a promoção das mulheres também inclui a ordenação diaconal. Para negar isso, são necessários argumentos, não exemplos que não provam nada. A questão é o reconhecimento da mulher no espaço público como “sinal dos tempos”. O que Fernandez chama de “prematuro” já era evidente há 60 anos: como é possível não se dar conta?
h) Para alimentar a reflexão, pedi que fossem enviados ao meu Dicastério testemunhos de mulheres que estão realmente na liderança de comunidades ou que desempenham papéis importantes de autoridade. Não porque tenham sido impostas às comunidades, ou como resultado de um estudo, mas porque adquiriram essa autoridade sob o impulso do Espírito em resposta a uma necessidade do povo. A realidade é superior à ideia. Essa é a linha de trabalho nessa etapa. Peço especialmente às mulheres membros deste Sínodo que ajudem a receber, explicitar e encaminhar ao Dicastério diversas propostas, que podemos ouvir em seu contexto, sobre possíveis caminhos para a participação das mulheres na liderança da Igreja. Nessa linha, aguardamos propostas e reflexões. Na quinta-feira, portanto, ouvirei ideias sobre o papel das mulheres na Igreja. Para aqueles que estavam muito preocupados com os procedimentos e os nomes, explicarei isso na quinta-feira e darei os nomes, para que os rostos possam ser associados a esse trabalho.
À luz do discurso conduzido até aqui, o Prefeito na quinta-feira está disposto a escutar a Assembleia apenas sobre esses “testemunhos de mulheres” e sobre “possíveis caminhos para a participação das mulheres na liderança da Igreja”. Certo, isso nas intenções está claro, ainda que possa parecer um pouco arbitrário, mas quando se chega ao ponto principal, de fato se retorna à estaca zero. Para ter uma qualquer autoridade de “liderança” na Igreja hoje, é preciso ser ministros ordenados. Essa é a situação jurídica atual, que não podemos esconder. Nenhuma jurisdição é concedida sem ordem. Se as palavras têm um sentido, ou Fernandez pretende revolucionar literalmente o Código de Direito Canônico, para atribuir às mulheres (a algumas, não a milhões) um poder de jurisdição sem qualquer ordenação, ou, se ele quiser ser moderado, terá que reconsiderar a ordenação como o modo ordinário pelo qual às mulheres, assim como aos homens (a alguns, não a milhões), se atribui uma autoridade. Deve-se acrescentar também que todos os grupos já foram identificados com uma lista completa de nomes desde julho passado. Somente o Grupo 5 tinha como referência exclusiva o Secretário do Dicastério para a Doutrina da Fé. Portanto, se quisermos realmente ser sinceros, o eventual defeito não está naqueles que hoje estão preocupados com nomes e procedimentos, mas naqueles que não se preocuparam há meses em fornecer nomes e rostos para o trabalho em andamento.
i) Apesar do que foi dito, para aqueles que estão convencidos de que a questão do diaconato feminino deva ser aprofundada, o Santo Padre me confirmou que a Comissão presidida pelo Cardeal Giuseppe Petrocchi continuará ativa. Os membros do Sínodo que desejarem fazê-lo - individualmente ou em grupo - podem enviar considerações, propostas, artigos ou preocupações sobre esse tema para a Comissão. O Cardeal Petrocchi me confirmou que os trabalhos serão retomados nos próximos meses e que analisarão os materiais que chegarem.
Na última curva, antes da chegada, o que estava fechado se entreabre e a Comissão, cujas conclusões serão publicadas mais cedo ou mais tarde, ainda irá trabalhar e finalmente encontrar algum caminho, mesmo que se trate de meses, talvez de anos, e nesse interim, depositada na gaveta, nós todos envelhecendo e também perdendo a memória, a encontraremos resolvida sem nunca a ter abordada. Assim, ela passará de prematura a apodrecida. E também será possível dizer que as conclusões, uma vez publicadas, já serão velhas, porque nesse meio tempo um belo trabalho terá sido posto em movimento, certamente garantido como moto perpétuo.
l) Amigas e amigos, estou convencido de que podemos avançar passo a passo e chegar a coisas muito concretas, de modo que se possa entender que não há nada na natureza da mulher que as impeça de ter posições muito importantes na liderança das Igrejas. O que realmente vem do Espírito Santo não pode ser parado.
In extremis, eis também a profecia: as coisas “muito concretas” virão, a natureza da mulher não tem impedimentos para a liderança da Igreja, e o Espírito Santo não poderá sem parado por ninguém. Era necessário um belo final feliz, a situação e o espírito corporal o exigiam. Haverá também aqueles que poderão citar apenas isso para se consolar ou para se irritar de vez. Talvez aqui esteja a verdadeira intenção de Fernandez. Talvez tivesse desejado não terminar assim, mas começar: mas se isso fosse verdade, tudo o que foi dito antes deveria ter sido dito e expresso em outro tom e estilo, com maior exatidão e distinções mais sutis. Infelizmente, em vez disso, estamos no quinto episódio de uma comédia de mal-entendidos. À sua maneira, será difícil que ela não pareça também como uma pequena tragédia, em primeiro lugar por causa de como as mulheres, mais uma vez, devem se ver tratadas, nomeadas e removidas: mas elas podem se consolar, porque a reserva masculina, quando só consegue se expressar dessa forma, se assemelha cada vez mais com uma reserva indígena.
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O “genus abruptum” de um esclarecimento: comunicação e comentário. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU