29 Mai 2024
"Não sei se entre as crianças que se viraram haverá 'um novo Michelangelo, um novo Galileu, uma cientista como Rita Levi Montalcini que ganhará o Nobel, ou talvez um Papa', mas certamente 'tudo é possível, talvez o primeiro Papa africano, ou asiático, ou talvez alguém de um bairro periférico de Roma, o papa de Testaccio, ou mesmo uma menina, uma mulher, a primeira mulher Papa da história!'", escreve Assia Neumann Dayan, jornalista, autora de televisão e colaboradora do jornal italiano La Stampa, em artigo publicado por La Stampa, 27-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
E foi assim que o Pequeno Diabo beijou o Papa. Não era Judas, mas Roberto Benigni, que no domingo se encontrou com o Papa Francisco durante o Dia Mundial das Crianças. Estavam lá cinquenta mil crianças, a primeira-ministra Giorgia Meloni com sua filha, o prefeito de Roma, estavam lá os cardeais e estava lá o Papa, e o Papa riu. Eu sei que gostaríamos de Benigni para sempre lá onde decidimos colocá-lo, porque nos lembra de quando éramos heróis jovens e lindos. Gostaríamos que ainda pegasse no colo Berlinguer, tocando Baudo, mas não Carrà, ali parado com Jim Jarmusch, Tom Waits e Massimo Troisi, antes de "A vida é bela", antes dos Oscars, antes da Loren gritando "Roberto!". Benigni sabe disso e de fato beijou o Papa.
Ontem disse a Bergoglio “Eu gostaria de chegar perto para lhe abraçar, para lhe dar um beijo”, e dirigindo-se para as crianças perguntou: “Para que servem os beijos se não podem ser dados?”, e então foi até o Papa para abraçá-lo e beijá-lo, não pegá-lo no colo. Seu monólogo foi muitas coisas, muitas coisas em medida cirúrgica. Ele tinha à sua frente as crianças e os poderosos e, portanto, usou uma linguagem que fosse compreensível especialmente para estes últimos. Um dos erros mais graves dos supostos intelectuais do presente é justamente o de não entender para quem estão falando e, isso se estiverem de boa-fé, porque na pior das hipóteses, que também é a minha favorita, acredito que eles falam ao espelho. Benigni brincou sobre a frente ampla e o nome na cédula eleitoral, sobre o fato de que quando criança queria ser papa, mas todos começavam a rir e então ele se tornou comediante, e depois quando disse que o Papa é o menor de todos porque “tem três anos e muitos, muitos dias” todas as crianças se voltam para olhar para o Papa para verificar a situação.
Não sei se entre as crianças que se viraram haverá “um novo Michelangelo, um novo Galileu, uma cientista como Rita Levi Montalcini que ganhará o Nobel, ou talvez um Papa", mas certamente "tudo é possível, talvez o primeiro Papa africano, ou asiático, ou talvez alguém de um bairro periférico de Roma, o papa de Testaccio, ou mesmo uma menina, uma mulher, a primeira mulher Papa da história!” e aqui imagino que as mães tenham se divido entre aquelas que “minha filha certamente se tornará a primeira mulher Papa e Nobel de medicina” e aquelas que “como ousa Benigni, mesmo que meu filho não se torne Michelangelo ele tem valor, há muita pressão sobre essas crianças." Ele também fala sobre a guerra, e talvez pela primeira vez ninguém desmaia pela retórica. As crianças sabem o que é a guerra, mesmo que vivam no “primeiro mundo”, e o sabem porque têm a televisão e porque vão à escola.
Não sei se as crianças de hoje brincam de guerra, mas o que sei, e o que Benigni disse, é que se alguém se machuca, param de brincar. No entanto, o mundo é dos adultos, e os adultos gostam de continuar a brincar, ou são obrigados a fazê-lo. Roberto Benigni me dá vontade de estudar, de trabalhar, de saber todas as coisas que ele sabe, também me dá vontade de ter fé, mas aí eu lembro que sou uma pessoa preguiçosa. Em Sanremo ele mostrou como se faz o seu trabalho, mostrou como se faz televisão, mais de dez milhões de pessoas ficaram ali ouvindo algo que parece tão chato quanto o texto da Constituição, fazendo todos nós chorar, mas não, alguns não se importam porque gostávamos dele muito quando ele ficava sentado no bar do cinema independente. Benigni pegou as coisas mais italianas que existem, Dante, Pinóquio e a Constituição, e as tornou jovens e bonitas novamente. Ele é um dos últimos profissionais que restam, é uma pena que não tenha sido Papa.
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O pequeno diabo fala com os poderosos. Artigo de Assia Neumann Dayan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU