"Venham ver a Faixa de Gaza destruída", escreve Giovanni Mereu, em poema publicado por Chiesa di tutti Chiesa dei poveri, 20-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o texto.
Venham ver a Faixa de Gaza
Venham ver a agonia da Faixa de Gaza
que foi deixada sozinha
largada à beira de um mar interditado
uma borda estreita de casas amontoadas
uma pequena faixa queimada pelo sol,
uma lasca, um fragmento do mundo,
um imenso cercado fechado por muros e arame farpado
vigiado do mar, da terra e do céu
uma pequena jangada à mercê dos vagalhões.
Olha para outro lugar a História distraída.
Venham ver a Faixa de Gaza em chamas
cenário monstruoso de fumaças e escombros
devastado pela violência brutal da nova barbárie
venham ver o inferno e o apocalipse
o massacre dos inocentes e dos repórteres, de recém-nascidos
ou ainda no ventre materno, de mulheres,
garotos, homens, idosos mortos aos milhares
venham ver os feridos, aos milhares
venham ver o atroz massacre de um povo em fuga
ao qual arrancaram a sua alma e as suas raízes
morto pela fome, pela sede e sem refúgio
morto pela crueldade inaudita de bombas incessantes
que enchem o ar de morte e de fogo
venham ver um povo em fuga que se agarra com força à vida.
Venham ver a Faixa de Gaza que morre
a cidade arrasada é uma imensa ruína
as ambulâncias queimadas, os hospitais destruídos
as escolas demolidas, os mercados uma pilha de pedras
esmigalhados os locais de culto, transformados em crateras
apenas míseros esqueletos as casas dos pobres cristos
venham, venham ver o sangue nas valas comuns
venham, venham para olhar o sangue
nas ruas submersas de destroços e escombros
venham, venham para observar o sangue
nos tijolos lascados e as pedras pontiagudas
que dificultam o passo fugidio.
Venham ver a Faixa de Gaza destruída
os escombros da basca Guernica
as ruínas de Dresden no Elba
a destruição de Stalingrado no Volga
a aniquilação de Hiroshima na ilha de Honshu
a hecatombe de Nagasaki na Baía de Kyūshū
os massacres de Chabra e Chatila.
Venham, venham ver o brutal massacre de um povo
venham ver o inferno e o apocalipse na Faixa de Gaza
que foi deixada sozinha e que morre
no fragor incessante da chuva de tiros e de bombas.
Venham e tragam comida que se morre de fome
tragam água que se morre de sede
tragam cobertores que se morre de frio
tragam mortalhas para as sepulturas
tragam hospitais de campanha e macas
tragam as gazes e os curativos para tratar os feridos
tragam as escolas com os livros, os cadernos e as canetas
tragam as barracas para oferecer um abrigo precário
tragam as lágrimas, que aqui já não há mais
tragam um humano sorriso que aqui não há nenhum
tragam conforto aos sobreviventes
tragam as árvores de romãs, de frutas cítricas e as oliveiras
tragam as vinhas e as tamareiras
tragam as espigas de trigo, as flores e as abelhas
tragam a vida, a vida há tempo fugiu
tragam a esperança humana há muito desvanecida
tragam de volta o sol e as estrelas no céu
venham, venham e tragam a paz.
Venham poetas e escritores para a Faixa de Gaza
artistas de dança e de canto
músicos com mil instrumentos
venham pintores, escultores, operários e trabalhadores
venham cientistas e filósofos
armados apenas da humana sabedoria e do saber artesão criativo
venham, venham para parar o impiedoso massacre
apaguem as chamas e os brutais clarões de morte
desarmem e quebrem as armas
desmontem as minas e as bombas
venham, venham e tragam a calma humana
venham, venham para trazer a vida
venham, venham para trazer a paz.
Gaza, 20 de janeiro de 2024
Leia mais
- Um bombardeio israelense mata sete trabalhadores da World Central Kitchen, ONG que atua em Gaza
- O hotel, o falafel e as pizzas do Italiano: junto com o hospital Al Shifa, Israel destruiu nossas mais belas lembranças na Cidade de Gaza
- A cultura da morte em Hollywood e o massacre de Gaza
- Israel condena 250 mil pessoas sem acesso a alimentos ou ajuda humanitária no norte de Gaza
- “Em Gaza, civis exaustos e desesperados, o Ocidente precisa fazer mais pela paz”. Entrevista com Pierbattista Pizzaballa
- “Al-Shifa não é apenas um hospital, é um dos símbolos da nação”. Entrevista com Vincenzo Luigi
- O anestesista do hospital europeu de Gaza: “Perdi três médicos, cinco enfermeiros e duas enfermeiras”
- O Exército Israelense sitia mais uma vez dois hospitais na cidade de Khan Younis
- Por que Israel dispara contra a Saúde em Gaza
- Israel aperta cerco aos hospitais Al-Shifa e Al-Quds em Gaza
- Sob bombardeio, médicos de Gaza lutam para salvar pacientes sem energia, água ou comida
- OMS descreve o hospital Al-Shifa, no norte de Gaza, como um “banho de sangue”
- O anestesista do hospital europeu de Gaza: “Perdi três médicos, cinco enfermeiros e duas enfermeiras”
- A OMS afirma que melhorar a situação da saúde em Gaza é “praticamente impossível”
- O objetivo militar impossível de Israel – eliminar o Hamas – encurrala civis, mulheres e crianças diante do horror em Gaza. Entrevista especial com Bruno Huberman
- Oxfam acusa Israel de não tomar todas as medidas ao seu dispor para prevenir o genocídio
- Em Gaza também trabalhadores de ONGs sem comida e água: “Nós nos alimentamos de ração para pássaros e burros”
- “Temos alimentos às portas de Gaza e as crianças estão morrendo de fome”
- O anestesista do hospital europeu de Gaza: “Perdi três médicos, cinco enfermeiros e duas enfermeiras”
- Na Faixa de Gaza, Israel assume a estratégia da fome
- “Até o ar está queimado. Não há mais árvores em Gaza”. Artigo de Susan Abulhawa
- A tragédia de Gaza, isto é um genocídio
- “Há uma extrema-direita israelense que quer despovoar Gaza e recolonizá-la”. Entrevista com Mairav Zonszein
- Faixa de Gaza isolada. Entrevista com Danilo Feliciangeli
- A fome “iminente” em Gaza: como chegamos a isso?
- Xeque Munir: “Por que ninguém faz nada para travar o bombardeamento em Gaza?”
- Gaza. Depois de cinco meses o acordo ainda não foi acertado. Caritas: sem trégua não haverá mais comida
- Gaza: a injustificável política de terra arrasada de Israel. Editorial do Le Monde
- Recém-nascidos começam a morrer de fome em Gaza. X - Tuitadas
- Gaza. A loteria mortal de alimentos do céu, é por isso que precisamos de outra solução
- Gaza. O Ramadã mais triste, sem imãs e autoridades que nos digam quais os preceitos que teremos de seguir
- Enquanto isso, morre-se em Gaza. Artigo de Tonio Dell'Olio
- Gaza. O jogo macabro pela comida: obrigam-nos a lutar e só os fortes comem
- Ao subir o tom contra Israel, Lula coloca Brasil na liderança de movimento contra massacre em Gaza
- “O calendário tem apenas um dia: 7 de outubro, o que aconteceu antes e depois é tabu”. Entrevista com Riccardo Noury
- Por que existem mulheres e crianças palestinas presas em Israel
- Crianças mortas por Israel em quatro meses excedem aquelas em quatro anos de guerras ao redor do mundo
- “Há uma obsessão no Ocidente por Netanyahu, mas o problema vai além dele”. Entrevista com Antony Loewenstein
- Chega de táticas, agora um sonho de paz. A ajuda vinda do céu de Rafah e a dor pelas crianças. Artigo de Enzo Fortunato
- Sobrevivendo em Rafah
- Netanyahu fica sozinho em sua ofensiva sobre Rafah, o último refúgio dos gazatenses
- Presos em Rafah: “Há muitas maneiras de morrer em Gaza, um genocídio não é cometido apenas com bombas”
- O inferno de Rafah