14 Fevereiro 2024
"Nossos filhos não são pecadores a priori, objetos de dissertações teológicas. São sujeitos conscientes, responsáveis pela própria existência e capazes de buscar o seu específico caminho de santidade, a partir do que são. Tiveram um caminho mais difícil do que o resto de seus irmãos e irmãs ao se descobrirem homossexuais numa família e num ambiente católico. Mas a sua diferença é uma riqueza. Fez-nos retornar ao Evangelho, ao coração da mensagem de Cristo, ao amor incondicional de Deus para cada um e ao convite a amar", escrevem Elvire Thonnat, Olivier Boid e Claire Bvierre, integrantes da associação Reconnaissance (Association de parents catholiques d’enfants homosexuels) em artigo publicado por La Croix, 01-02-2024. Tradução de Luisa Rabolini.
Pais católicos de filhos homossexuais e membros da associação Reconnaissance (Association de parents catholiques d’enfants homosexuels), os três autores deste texto respondem ponto a ponto a uma crítica à Fiducia suplicans publicada pela La Revue thomiste. Eles deploram que tal crítica alimente “a desestima de si dos cristãos homossexuais”.
Pais católicos de filhos batizados, portanto jovens membros da Igreja que são homossexuais, não podemos mais permanecer calados diante dos numerosos textos ou comentários emitidos a propósito da Fiducia supplicans.
Em dezembro fomos surpreendidos pela publicação inesperada do dicastério. Inicialmente optamos por nos alegrar com o progresso pastoral e por essa manifestação de acolhimento para com os nossos filhos, mesmo que o texto tenha muito cuidado ao especificar que eles são pecadores. Posteriormente, fomos testados no verdadeiro sentido por toda uma série de reflexões, artigos, reações e comentários que se multiplicaram. Um artigo publicado na La Revue thomiste, “Fiducia suplicans em relação à fé”, despertou o nosso desejo de tomar a palavra para oferecer ao debate a nossa perspectiva e a nossa vivência como pais.
Ao reformar no ano passado a Pontifícia Academia de Teologia, Francisco convidou os teólogos a “se deixarem tomar pela realidade”. E como vivemos a realidade da homossexualidade dentro das nossas famílias, oferecemos a nossa contribuição formulando observações sobre as seis principais críticas feitas a Fiducia suplicans pela Revue Thomiste.
Crítica 1: “Não há bênção exceto em relação à salvação”. A salvação não é justamente se encontrar reconhecidos como justos aos olhos de Deus no Dia do Juízo? Referimo-nos ao Evangelho de Juízo Final (Mt 25,31-46) que fala daqueles “abençoados por meu Pai”. O critério central dado por Cristo é a caridade. Quem pode julgar a priori a situação dos nossos filhos sob esse prisma?
2. “A Igreja não sabe abençoar fora da liturgia”. Muitos pastores deveriam então ser instruídos para parar de abençoar pastas, motocicletas, todo tipo de objetos que não nos parecem muito mais nobres do amor de dois crentes, nossos filhos, que pedem a ajuda de Deus nas suas vidas.
3. “Toda bênção tem um objeto moral”. Portanto, afasta do mal e aproxima do bem. Como a orientação sexual é um fato que faz parte da Criação, como a Igreja reconhece, estamos realmente certo de que o bem sempre resida em uma injunção à abstinência por toda a vida, não escolhida? Essa injunção muitas vezes leva, como testemunhamos, à auto rejeição, ao desespero que pode levar a depressões ou mesmo transtornos suicidas. Existem variantes para escapar: uma vida dupla, um casamento que acaba fracassando, o abandono rebelde da Igreja... Vocês conhecem isso, todos nós conhecemos. É bom para os seres humanos e para a Igreja?
O bem, a partir do que a pessoa é, não poderia consistir numa relação de amor que cuida do outro e, através do equilíbrio encontrado no casal, muitas vezes depois de uma jornada dolorosa, torna-se fecundo para todos os que estão próximos do casal? Os padres, em nome da Igreja, não podem dialogar com o casal e falar coisas boas sobre esse relacionamento, mesmo que esteja fora da norma?
4. “Deus não abençoa o mal, ao contrário do homem”. O que nos choca profundamente aqui é que do casal se passa diretamente para o mal (ou seja, o sexo): a vida e a fecundidade de um casal são reduzidas às relações sexuais que, no entanto, constituem, como para qualquer casal, uma parte ínfima da vida própria vida. Quando um padre olha para um casal heterossexual, pensa nas suas práticas de contracepção? Talvez ficaria desapontado. Reduzir um casal homossexual a uma prática sexual, julgá-lo nessa base é insuportável para nós.
5. “Magistério: a inovação implica responsabilidade” – Vamos resumir: a argumentação é mal construída. Não cabe a nós julgar, mas nos referimos a um ponto mencionado nessa crítica: quando se amam, pareceria que os nossos filhos não estariam conformes ao plano de Deus. Mas quem pode dizer o que é o plano de Deus para eles, a partir do que são, senão Deus e os próprios sujeitos em seu discernimento, em seu diálogo íntimo com Cristo? Na nossa opinião, não cabe a uma pessoa de fora julgar o seu caminho de santidade, apenas a partir de normas, necessárias como sinais, mas dentro das quais cada um tem seu próprio caminho singular para construir.
6. “A pastoral em tempos de desresponsabilização hierárquica”. O autor lamenta não ter indicações sobre o como dessas bênçãos. No entanto, lemos muitas indicações, desde a duração até as roupas. Mas o texto efetivamente apela à criatividade daqueles que abençoam e ao seu discernimento.
Conhecemos padres e teólogos, respeitosos, acolhedores, que reconhecem que há algo de bom nos nossos filhos e, para aqueles que vivem como um casal estável, eles vivem como um casal. Que sejam louvados e agradecidos. A nossa gratidão é grande, eles são o rosto de uma Igreja próxima dos seus filhos, a imagem de Cristo.
Para concluir: aquele tipo de texto alimenta a desestima nos cristãos homossexuais, e há um risco de vida ou de morte para os envolvidos. Alimenta a divisão nas famílias: pais que rejeitam os filhos, irmãos e irmãs que não querem lidar com o parceiro ou a parceira de seu irmão ou irmã homossexual durante as reuniões familiares… Quantas lágrimas em nossos grupos de encontro!
Esse tipo de texto tem um impacto desastroso na Igreja: como podemos acreditar que as famílias, os irmãos, as irmãs, os pais, os avós, os amigos dos batizados homossexuais sejam indiferentes ao que a Igreja diz sobre aqueles que eles amam? Eles vão embora em silêncio.
Nossos filhos não são pecadores a priori, objetos de dissertações teológicas. São sujeitos conscientes, responsáveis pela própria existência e capazes de buscar o seu específico caminho de santidade, a partir do que são. Tiveram um caminho mais difícil do que o resto de seus irmãos e irmãs ao se descobrirem homossexuais numa família e num ambiente católico. Mas a sua diferença é uma riqueza. Fez-nos retornar ao Evangelho, ao coração da mensagem de Cristo, ao amor incondicional de Deus para cada um e ao convite a amar.
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A resposta dos pais católicos de filhos homossexuais às críticas à “Fiducia supplicans” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU