27 Julho 2023
"Eu? Não sou ateu nem crente." Mas escreveu um livro sobre Jesus, professor Galimberti. "Eu escrevi. Com um grande biblista, Ludwig Monti. Escrevi o livro para as crianças porque gostaria que estudassem o catecismo". Aqui está um grande leigo que defende a hora de religião nas escolas. E a razão é que, diz ele, ao ignorar a religião, os garotos que se tornarão homens e mulheres não entenderão nada da história da arte. De toda nossa cultura artística feita de flagelações, santos e santas.
E aí aparece a ideia norteadora do livro de Umberto Galimberti e do que pensa sobre a questão este estudioso de antropologia cultural, filosofia da história, psicologia dinâmica que leciona na Ca' Foscari, escritor, pesquisador em neurociências e psiquiatria. Ou seja, que a fé é uma coisa e a religião é outra. A primeira pode ser alcançada por caminhos inescrutáveis, é o lugar de contato com o sagrado e, portanto, com os mistérios da morte e da vida que estão encerrados em nossa consciência de homens; a segunda, a religião, nada mais é do que "a sacralização da cultura". Ele afirma isso. É para o Cristianismo como para o Islã. Talvez menos para o judaísmo. É, portanto, o lugar físico onde o que somos antes da fé, o que sabemos sobre o mundo, a forma como olhamos para o universo, a literatura, os mitos, a arte, a ciência, se derrama e toma a forma de lei. De estrutura. E onde há estrutura o sopro desaparece, se desfaz o nosso medo das coisas últimas. Ficamos tranquilizados pelas normas, e este é o cerne da questão. E, depois disso, a estocada: "Jesus nunca fundou uma religião". Aqui está onde nos conduz um livro diagramado como aqueles dos contos de fadas, simples e bem ilustrado. É titulado "Le parole di Gesù” (As palavras de Jesus, em tradução livre, editora Feltrinelli). Ele nos pega pela mão e apresenta alguns questionamentos interessantes.
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Reprodução da capa do livro
Que dizem respeito ao fato de termos uma ideia do Messias mediada demais pela religião que se afirmou depois dele. Perdendo de vista a maneira como Jesus via o mundo, todos nós e também sua relação com Deus.
A entrevista é de Paolo Campostrini, publicada por L'Adige, 17-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Por onde partimos, professor Galimberti?
De uma palavra.
Italiana, latina?
Não, aramaica. A língua de Jesus A palavra é "emet". Significa ação. Mas também verdade. Não é por acaso que em Israel na época quase todos entendiam ou estavam cientes desses significados.
Jesus também, claro.
Ele primeiro. Quando ele diz "Eu sou o caminho, a verdade e a vida", diz algo que os judeus entendiam.
Nós um pouco menos?
Muito menos. Quando ele diz vida sabe que no antigo testamento o Deus dos judeus é chamado de "o Vivente". O inimigo de Deus não é o pecado como agora acreditamos: o inimigo de Deus é a morte. O caminho é então aquele da salvação, que ele indica. Não é uma diferença pequena.
E a verdade-emet, professor Galimberti?
Aqui está o ponto. A verdade está no fazer. No agir agora. Não há a contemplação dos antigos gregos que depois influenciaram toda a nossa cultura ocidental. Jesus nos pede para colocar em prática. Ele evita a teoria das religiões consolidadas. E nos diz algo fundamental: a salvação não está no futuro, a salvação está no agora. Está nos comportamentos cotidianos.
Como se faz isso?
Ele explica isso no Sermão da Montanha. Quando fala que a salvação está em vestir os nus, em alimentar os famintos, em proteger e ajudar os refugiados, os sem pátrias, os indefesos e os necessitados. E quem nos relata que ele mesmo colocou muitos desses preceitos em prática?
Conte-nos.
O samaritano. Considerado pelos judeus tradicionalistas quase um herege.
Esse é o "próximo" quando fala ajude o seu próximo?
Ele fala mais, outro ponto decisivo de conjugação do conceito de verdade com o de ação. Fazer. Nós somos o próximo.
O que significa?
Que sou eu que devo me tornar próximo do necessitado, devo me aproximar dele. Essa é uma ação propriamente dita. Não há um próximo teórico, distante, estrangeiro ou desconhecido. Nós somos o próximo para quem não tem nada e pede ajuda. Não ele.
O seu é um Jesus que se desprende da iconografia e dos missais.
Claro. Ele é aquilo que diz ser.
Então, o que Jesus diz sobre si mesmo?
Por exemplo, ele nunca, jamais fala em qualquer passagem dos Evangelhos ser o filho de Deus. O único que fala isso é um romano, o governador Pilatos quando o interroga. Ele pergunta se é filho de Deus e ele responde: você o disse. Quer dizer, não eu.
Depois chega a morte, a sua morte. O inimigo. E então?
Jesus chega a duvidar de Deus, porque sempre disse de si mesmo ser o "filho do homem". Ele é nós. Quando sua captura se aproxima, no Getsêmani, ele questiona a real vontade de Deus de salvá-lo da morte. E, de fato, ele não diz "se você puder me salve", mas, muito claramente: "se você quiser". Ele não confia o suficiente. E depois na cruz ele se atreve até a blasfemar: por que me abandaste?
Você coloca uma fronteira clara entre fé e religião. Por quê?
É Jesus que a coloca em primeiro lugar. Quem são os únicos que ele condena quase sem apelação aparente? Os sacerdotes do templo. Aqueles que guardam a sua religião consolidada. Ele não confia na religião. Na verdade, afirma: "Ai de vocês". Ele perdoa a todos, mas não aos sacerdotes.
Os guardiões da teoria?
A teoria, não o fazer-emet.
E a religião cristã?
São Paulo a fundou, não Jesus. Em 51 depois de Cristo, no primeiro concílio, em Jerusalém. Ali São Paulo e São Pedro chegam até a brigar. Pedro gostaria que o novo verbo fosse destinado apenas aos judeus, aos guardiões do testamento, Paulo não, quer estendê-lo aos gentios, aos outros povos. E ele também tira a circuncisão para ter mais seguidores.
Por que a religião é apenas sacralização da cultura?
Constantino sacraliza a cultura romana. Para o império. Depois Carlos Magno faz o mesmo, pelo Sacro Império Romano. Depois chega a descoberta da América. Colombo troca batismos pelo ouro dos indígenas. Por fim acontece o Concílio Vaticano II que fecha o círculo.
Mas como, o concílio do Papa João?
O Vaticano II se reconcilia com o laicismo. Sacralizando no fim também a cultura moderna. Mas apaga a liturgia, os cantos, o latim.
Não foi um bem?
Não para a fé. A fé não se alcança com a razão. A fé precisa de um aparato emocional. Os ortodoxos ainda celebram em grego antigo que ninguém conhece. Mas no final todos entendem. Como todos nós compreendíamos o sentido do sagrado ouvindo o canto gregoriano nas igrejas ou deixando-nos envolver pelo latim.
Mas o padre dava as costas aos fiéis.
Mas se dirigia ao altar e, portanto, a Deus. O sagrado estava ali.
E agora?
Fala-se de sexo, drogas, questões sociais, desemprego. E os padres falam sobre isso na igreja. Aí está, estamos novamente sacralizando a nossa cultura de hoje depois daquela de ontem.
Por que escreveu o livro?
Para as crianças. Primeira razão. Não frequentam mais o catecismo. Em vez disso, elas deveriam saber o que é o diabo, Cristo, a fé, a crucificação, a flagelação. Caso contrário, não entenderão nada de arte. Da nossa arte, daquela europeia mais bela. E depois porque estou irritado com aqueles que hoje se dizem cristãos, como nosso primeiro-ministro, ou sempre carregam o crucifixo como o nosso ministro. E não fazem verdade-ação, aquela que pede para colocar em prática Jesus. Em primeiro lugar: eu era refugiado e vocês me ajudaram, eu era estrangeiro e vocês me acolheram.
Emet?
Justamente.
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“Simplesmente não se pode viver sem Jesus”. Entrevista com Umberto Galimberti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU