12 Setembro 2017
"Quando qualquer questão recebe imediatamente um ponto de chegada, não há mais caminho a ser percorrido. Por isso é que às inquietações humanas, Deus responde com o silêncio e a ausência", escreve Alfredo J. Gonçalves, CS, padre carlista e assessor das Pastorais Sociais.
“Deus me abandonou” – eis uma frase recorrente, quer na vida atormentada de cada pessoa, quer no seu percurso espiritual, sempre pavimentado de altos e baixos. Evidentemente, o abandono é tanto mais sentido, quanto mais graves as tribulações porque passamos. Os momentos “baixos” nos levam a erguer os olhos ao alto, buscando qualquer socorro ou consolo. Fazem emergir com redobrada veemência a pergunta fundamental da existência humana: quem sou, de onde vim, para onde vou, por que existo? Porém, quanto mais furiosamente os ventos rugem à porta, tanto mais o céu nos parece cego e surdo, mudo, longínquo e indiferente.
Por que Deus se ausenta exatamente quando mais necessitados estamos de sua presença? Por que nos abandona? – perguntamos. Entra em cena então o poema de Carlos D. de Andrade, que tem justamente como título A ausência: “Por muito tempo achei que a ausência é falta/. E lastimava, ignorante, a falta/. Hoje não a lastimo/. Não há falta na ausência/. A ausência é um estar em mim/. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços/, que rio e danço e invento exclamações alegres/, porque a ausência assimilada/, ninguém a rouba mais de mim”.
Com base na visão do poeta brasileiro, não seria exagero afirmar que a ausência de Deus representa não uma falta, e sim uma oportunidade para que a pessoa possa estar a sós consigo mesma. Tempo para que ela possa repousar e meditar sobre a pergunta. “Dormir no assunto”, diz com razão o ditado popular! Nesse aparente vazio, cria-se o terreno propício para melhor discernir a própria pergunta fundamental sobre o sentido último da existência humana. A essa inquietude, Deus não oferece respostas prontas, imediatas, paliativas. Seu silêncio ou ausência abrem espaço para que tal pergunta, que conduz ao centro vital de nossa peregrinação terrestre, possa amadurecer como um projeto de vida, o qual, vale recordar, mantém-se sempre em evolução ativa, dinâmica e orgânica. Em lugar de um copo de água aqui e agora, a presença/ausência divina procura indicar o caminho da fonte. Em termos populares, Deus “não dá o peixe, mas ensina a pescar”.
Nas experiências significativas da vida, determinada pergunta martela-nos insistentemente o coração e a mente. Habita nossa alma irrequieta. Ao invés de escutá-la, as pessoas costumam sobrecarregar-nos com respostas apressadas, irrefletidas, superficiais. Têm-nas na ponta da língua! Não possuem ouvidos para a pergunta, antecipando-se com uma resposta padrão. Em lugar de aproveitar da interrogação para desencadear o diálogo sobre o projeto de vida que está em jogo, fecham-no com uma resposta clichê, padronizada. Com essa atitude precipitada, tendem a bloquear o processo de crescimento que a questão reabre a cada crise vivenciada. Impossibilitam o confronto consigo e conosco mesmos. A solução como que vem antes da pergunta, o que impede um tempo privilegiado de reflexão em que o assunto pode ser mastigado, engolido e digerido, antes de receber uma resposta definitiva.
Mantém-se, dessa forma, um tipo de comportamento infantil e infantilizante. Quando qualquer questão recebe imediatamente um ponto de chegada, não há mais caminho a ser percorrido. Por isso é que às inquietações humanas, Deus responde com o silêncio e a ausência. O Pai obriga os filhos a curvarem-se mais detidamente sobre o questionamento, até porque toda pergunta, em si mesma, já possui vestígios de resposta. Ninguém suportaria uma pergunta totalmente suspensa no vazio. Quando expressamos uma inquietude é porque intuímos fragmentos de luz que nos fazem vislumbrá-la numa espécie de penumbra. Daí a necessidade de espaço e tempo para recolher, ruminar e esclarecer tais fragmentos. O primeiro esboço de resposta, está contido na própria formulação da pergunta.
Resulta que a resposta às nossas perguntas vitais não é algo que possamos encontrar no outro de forma mecânica ou automática. O outro, ou o totalmente Outro, se revela não como resposta pronta e acabada, mas como espelho no qual nossas interrogações se refletem e se confrontam. Pouco a pouco, através do diálogo profundo, descortina-se o caminho da resposta. Caminho que, a seu turno, nos convida a recomeçar, pois, como diz o escritor estadunidense John Steinbeck, “o importante na vida é dar um passo, um posso, por menor que seja”.
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Ausência ou abandono de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU