01 Abril 2022
Há concessões que não podem ser feitas a Putin se os direitos do homem e dos povos forem verdadeiros. Com o Patriarca Kirill, qualquer novo abraço ecumênico seria impensável. O problema de ambos é sua credibilidade aos olhos do mundo.
A reportagem é publicada por Il Sismografo, 31-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Retornou, como esperado e previsível, a questão da suposta "mediação do Vaticano" na guerra de agressão de Vladimir Putin contra a Ucrânia. Desta vez, porém, voltou com a aprovação de Dmitrij Peskov, porta-voz do Kremlin, mas também com sugestões do Metropolita Hilarion e da Ria Novosti referindo-se genericamente a um possível segundo encontro Francisco-Kirill ainda este ano. Tudo o que foi dito nestas 48 horas a este respeito é plausível, mas pouco provável, uma vez que as relações de força políticas em campo - Rússia e China de um lado, e Europa e Estados Unidos do outro - mais a própria guerra em território ucraniano (com resultados inesperados para os russos), não oferecem nenhuma perspectiva unívoca. Está tudo em cima da mesa: desde a abertura de negociações sérias e efetivas até o agravamento ainda mais dramático do conflito.
Enquanto isso, percebe-se algo muito diferente, mas opaco. Na prática, uma espécie de pressão sobre o Vaticano para alinhar as Igrejas da Ucrânia em comunhão com o Papa, aquela greco-católica e latina, mais a rutena e a armênia, ainda que minoritárias. E isso porque o único interesse russo para com a Sé Apostólica e o Papa não é envolver o Vaticano nos esforços para acabar com os confrontos e abrir verdadeiras negociações, mas encontrar no Vaticano um ponto em que se apoiar em um momento de total isolamento internacional. Moscou deseja uma espécie de tribuna, ainda que indireta, para dirigir-se em especial ao Ocidente e, portanto, tentar pelo menos obter a não beligerância do mundo católico, hoje radicalmente hostil à Rússia de Putin.
A esmagadora maioria dos católicos do mundo, o famoso "fiel e santo povo de Deus", rejeita visceralmente essa guerra suja e repugnante e ainda pede ao Papa Francisco mais determinação, mais transparência e mais parrésìa. É verdade que de 27 de fevereiro até hoje o caminho de Francisco deu grandes passos, mas como o horror de Putin continua, isso significa que se deve ir até o fundo: além de falar do agredido, é preciso falar do agressor e das suas responsabilidades.
No campo ecumênico, embora de natureza radicalmente diferente, o Patriarca Kirill aspira a algo semelhante: uma reabilitação no mundo cristão depois de ter feito - e ainda ser - a figura do belicista e do funcionário do partido. Certamente o Patriarca sabe muito bem que pode haver outros abraços históricos ao redor do mundo, mas não no Vaticano e não em Moscou. E também sabe que agora ele não é exatamente o melhor protagonista para recomeçar o diálogo ecumênico. A ideia dominante entre os católicos é simples e cristalina: esperar tempos melhores para retomar o caminho já indicado por Cristo (Uma coisa só). Qualquer novo abraço ecumênico com Kirill é hoje inapresentável. Não só. Hoje, depois da guerra na Ucrânia, outra Declaração Conjunta onde a 'questão ucraniana' fique oculta não seria aceitável nem para os católicos nem para os ortodoxos.
Para o Papa Francisco esses pontos são decisivos e ele certamente está refletindo sobre tudo isso em profundidade há muitas semanas. O Papa entende muito bem o que aconteceu, sabe e sente que o mundo mudou em poucas horas e que tudo virou de cabeça para baixo. Seu próprio pontificado a partir de agora enfrenta desafios que eram impensáveis nove anos atrás.
Os verdadeiros e autorizados especialistas em política internacional e geopolítica concordam em apoiar e dizer que em 24 de fevereiro de 2022, dia do início da agressão suja e repugnante de Putin contra a Ucrânia, um novo século começou, foi inaugurada uma etapa histórica, inesperada e completamente improvável. Esses mesmos especialistas, no entanto, destacam que o que aconteceu poderia ter sido previsto, prevenido e orientado para resultados não catastróficos, como uma eventual guerra atômica tática, sobre a qual se fala com bastante desenvoltura.
É inegável que as principais culpas dessa agressão e invasão armada são de Putin e de seu círculo técnico-militar, bem como dos teóricos ideológicos e religiosos-morais que elaboram os princípios de sua cosmovisão e sua geoestratégia do Kremlin.
Não há nada, nem mesmo entre as coisas sérias e graves que preocupam e preocupavam o Kremlin ainda hoje, que possa justificar o que Putin fez e continua a fazer.
Diferentes responsabilidades, mas sempre pesadas e severas, também recaem sobre as principais lideranças políticas, econômicas e religiosas do mundo, que nos últimos anos viraram a cabeça para o outro lado, não souberam ou não quiseram se opor aos projetos de Putin ou recorrendo a nobres e elevadas razões e motivações, confiaram em artifícios midiáticos sem enfrentar de modo decisivo os conflitos escondidos sob cinzas seculares.
O mundo inteiro está às portas de uma ordem mundial diferente e ninguém sabe minimamente qual pode ser e sobre quais princípios e valores será construído, e com quais verdadeiras garantias.
Mas uma coisa é certa: a grande maioria dos povos não deseja e não apoia uma ordem internacional baseada no princípio da agressão dos mais fortes e inescrupulosos.
Este desafio diz respeito à Igreja Católica. Também ela desempenhará um papel determinante na nova ordem que está prestes a nascer e para a qual se deve preparar com previsão, coragem e sabedoria.
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Retorna a possível “mediação” do Vaticano na agressão russa contra a Ucrânia. Mas o que realmente está por trás disso? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU