06 Mai 2021
Estela Torres, membro da associação Fraternidade pelo Respeito aos Animais, explica por que a Igreja Católica deve tirar o centro dos seres humanos e considerar melhor os animais.
A entrevista é de Félicité de Maupeou, publicada por La Vie, 01-05-2021. A tradução é de André Langer.
Polêmica sobre “um cardápio exclusivo sem carne” nas cantinas de Lyon, proposta de lei contra os maus tratos de animais etc.: enquanto a questão dos animais está cada vez mais entrando no debate público, o assunto permanece impensável para a Igreja Católica.
Antropocentista, o Cristianismo seria indiferente, até mesmo relutante, à reflexão sobre uma redefinição da nossa relação com os animais. Artista cristã engajada na associação Fraternidade pelo Respeito aos Animais, Estela Torres quer trazer esta questão para dentro da Igreja.
Por que você está envolvida na Fraternidade pelo Respeito aos Animais?
A associação foi fundada em 2004 pelo Padre Olivier Jelen. Eu a descobri em 2013, feliz por encontrar um lugar onde os direitos dos animais e o cristianismo se entrelaçassem. Reúne cristãos preocupados com o bem-estar animal, que se sentem sós dentro da Igreja.
Eu mesma cresci no México, em um país muito católico, com uma mãe que me transmitiu seu amor pelos animais. O assunto sempre me interessou, mas lembro-me de ter ficado surpresa por nunca ter sido mencionado na missa, ou ainda quando um amigo querido, muito fervoroso, e defensor das touradas, me explicou que o destino dos animais não importava muito.
Aos poucos fui percebendo que determinada interpretação das Escrituras nos havia levado a um antropocentrismo radical, fazendo de todos os animais criaturas criadas e ordenadas para os seres humanos.
Por que você acha que devemos mudar essa relação com os animais?
Como cristã, reconheço Deus como o criador de todas as coisas por amor. Todas as coisas são boas e dignas de minha admiração e de minha contemplação. No plano teológico, há uma interpretação mais apurada do Gênesis, que revisita a noção de “dominação” que o homem deve exercer sobre a criação, para lhe dar mais um papel de guardião responsável.
Minha preocupação com os animais alimenta minha gratidão pela vida, sua beleza e sua enorme diversidade. Isso me ancora na terra e no céu, recordando-me minha posição de criatura. Não há contradição entre o cuidado dos animais e o cuidado das outras pessoas.
Ao contrário, no mesmo movimento pelo qual se autoriza maltratar o que não é humano, o gênero humano pode construir uma hierarquia entre os humanos, considerando alguns como inferiores, como se fez com as populações negras ou com as pessoas com deficiências.
No extremo, a defesa dos animais pode assumir a forma do antiespecismo e da negação de qualquer hierarquia entre os seres humanos e os animais. Este é um ponto de vigilância para você?
Trata-se realmente de um ponto delicado. Os cristãos podem estar a meio caminho para sair do antropocentrismo radical, sem, no entanto, abrir mão do lugar único do homem na Criação. Mas, por medo desses extremos e da indefinição das fronteiras entre o homem e o animal, muitos na Igreja se fecham a qualquer reflexão e fazem do drama dos maus tratos dos animais um assunto superficial ou piegas.
No entanto, como alguém pode aspirar à santidade se permanece insensível ao destino dos animais vítimas da criação intensiva ou das cobaias experimentais, aos quais toda vida sensível é negada? Os cristãos devem estender os valores do amor e da compaixão a toda a Criação, e fazer esta reflexão.
No entanto, muitos permanecem indiferentes, até mesmo desconfiados. Ao elevar a condição dos animais, os seres humanos têm medo de serem rebaixados. Além disso, herdamos um longo passado filosófico, dos gregos a Descartes, que nega qualquer sensibilidade aos animais.
Um debate recente diz respeito à introdução de cardápios vegetarianos nas cantinas de Lyon. Na sua opinião, os animais deveriam ser mortos para alimentar os humanos?
É absolutamente necessário acabar com a criação intensiva prejudicial aos animais, mas também ao ecossistema e aos humanos. Bilhões de animais são mortos assim todos os anos para alimentar os humanos. Para mim, isso representa uma cultura da morte, que consiste em criar animais com o único propósito de matá-los, negando toda a sua vida sensível e sua inteligência.
É fundamental atualizar, inclusive no catecismo, nosso conhecimento da realidade da vida animal e, em particular, as recentes descobertas sobre seu modo de fazer luto, seu humor ou ainda sua atitude em relação à sua prole.
Todas as criaturas, inclusive os animais, são feitas para dar glória a Deus; elas estão no mundo para se desenvolver em todas as suas potencialidades. Quando a sobrevivência do homem depende da matança dos animais, isso se justifica, mas se existem outros meios de subsistência, surge a questão.
No Gênesis (Gn 1, 29-31), Deus dá ao homem uma dieta baseada em vegetais: “E para todas as feras, para todas as aves do céu e para todos os seres que rastejam sobre a terra e nos quais há respiração de vida, eu dou a relva como alimento”. E reina a paz.
Então, depois do Dilúvio, quando Deus percebe que o mal persiste no coração do homem, ele faz uma concessão: “Todos os animais da terra temerão e respeitarão vocês (...) Todos eles serão entregues a vocês” (Gn 9, 2). Em um mundo imperfeito, essa violência é inevitável, mas ela é indesejável.
O assunto parece pouco abordado pela Igreja. Quais santos ou pensadores cristãos inspiram você?
Jean Bastaire, considerado o pai da ecologia cristã, fala muito sobre os animais. Nos Estados Unidos, um certo místico franciscano também intuiu esse amor pelos animais.
Diversas histórias de relações de amizade entre alguns santos (São Francisco de Assis, mas também São Roque, São Jerônimo, etc.) e animais são revalorizadas. Mas o protestantismo e o mundo anglo-saxão estão muito mais avançados neste pensamento.
A encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco avança nesse assunto?
Esta encíclica nos compromete com um antropocentrismo mais moderado. Sem falar diretamente dos animais, ela delineia reflexões, especialmente ao considerar o planeta como um todo, ou ao afirmar que o fim das criaturas não está apenas no homem, mas que elas têm um valor intrínseco.
No entanto, observo que em cada um dos seus discursos sobre o assunto, o Papa termina insistindo na prioridade a ser dada à vida humana. Isso é normal, mas mostra o temor da Igreja quanto à ideia de igualar toda a natureza ao homem e, de maneira mais geral, quanto à ecologia.
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Condição animal: “Por medo de diluir as fronteiras entre homem e animal, a Igreja se fecha a qualquer reflexão”. Entrevista com Estela Torres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU