04 Mai 2021
O filósofo saúda com agrado a nova preocupação com o mundo animal, ao mesmo tempo que alerta para os riscos éticos inerentes a uma dissolução das fronteiras com o homem.
A entrevista é de Félicité de Maupeou, publicada por La Vie, 28-04-2021. A tradução é de André Langer.
Após as trocas apaixonadas dos parlamentares da República em torno do destino dos animais por ocasião da lei sobre os maus tratos de animais, os livros se multiplicam para sensibilizar, denunciar ou mesmo esclarecer a relação homem/animal.
Filósofo especialista em ética, Jacques Ricot, pesquisador associado do Departamento de Filosofia da Universidade de Nantes, publica Qui sauver? L’homme ou le chien? (Quem salvar? O homem ou o cachorro?), Editora Mame, contribui para o debate.
Explosão do uso de animais de estimação, aumento das dietas veganas, lei sobre os maus tratos de animais... estamos vivendo uma nova sensibilidade em relação aos animais. Como você vê esse fenômeno?
Essa nova sensibilidade com o mundo animal é muito positiva. Mas, ao mesmo tempo, estou perplexo e preocupado com os riscos da supressão da fronteira entre humanos e animais.
Na verdade, como aconteceu muitas vezes na história, um excesso chama um contraexcesso. O excesso consistiu em estabelecer uma descontinuidade radical entre os humanos e os animais, negligenciando a continuidade. O contraexcesso insiste na continuidade, ao passo que negligencia a descontinuidade. É aqui que ganha relevância o trabalho filosófico, que consiste em colocar os elementos do debate com coerência e rigor.
De onde vem essa preocupação com o mundo animal?
Ela deriva da consciência ecológica que surgiu de forma aguda, questionando a separação entre os humanos e o universo, bem como a ideia de que o ser humano é a finalidade da Criação.
Claro, ele tem um propósito, porque é o único ser dotado de razão e capaz de ciência, mas está intimamente ligado ao mundo dos vivos e tem a missão de cuidar dele. Mas ele falhou nesta missão, especialmente com os animais. A mobilização em torno deles também se baseia em levar em conta a vulnerabilidade dos seres, o que me parece fundamentalmente positivo.
No entanto, essa nova preocupação levará a abusos graves se for mal pensada e mal definida. Assim, é imprescindível que os movimentos animalistas renunciem à sua figura tutelar, o filósofo Peter Singer (autor de Libertação Animal, em 1975, considerado o livro fundador dos movimentos pelos direitos dos animais, nota do editor), ainda muito influente, cujo pensamento carrega desvios monstruosos.
Ao defender a ideia de que todos os seres vulneráveis, ou seja, aqueles capazes de sofrer, devem ser beneficiados com igual consideração, ele reúne na mesma categoria animais próximos aos humanos como os bonobos e pessoas “debilitadas”, como crianças menores de 1 ano, pessoas senis ou com deficiências graves. Mas o tratamento desigual levou-o um raciocínio que nega a estes últimos, que tinham pouco “rendimento”, o estatuto de “pessoa”.
Sensibilidade, humor, rituais, capacidade de antecipação... as descobertas científicas embaralham as diferenças que considerávamos intangíveis entre humanos e animais. Como isso perturba nossa visão dos humanos?
Estamos longe de ter descoberto todas as extraordinárias habilidades dos animais! Mas ao contrário das revistas que anunciam o fim das diferenças entre humanos e animais, acho que não mudam as características que são exclusivamente nossas.
A única coisa que essas descobertas mudam para os humanos é a extensão do domínio de suas responsabilidades.
Só porque uma fronteira foi removida não significa que ela foi abolida. A única coisa que essas descobertas mudam para os humanos é a extensão de suas responsabilidades, que não dizem respeito apenas a seus relacionamentos com outros seres humanos, mas também com o mundo vivo, incluindo os animais.
Qual é a especificidade dos seres humanos em relação aos animais?
Nós somos os únicos seres com responsabilidade e capacidade ética. Mesmo que encontremos nos animais os sinais precursores de uma ética, até mesmo de um altruísmo, nenhum deles tem capacidade para desenvolver uma filosofia moral.
Esta distinção não pode ser negligenciada. Os humanos são capazes de subir muito mais alto do que os animais em sua capacidade ética, mas também de descer muito mais baixo em crueldade.
Haveria apenas uma diferença de grau?
Em um nível estritamente zoológico, há de fato apenas uma diferença de grau entre humanos e certos animais no domínio da linguagem, cultura, consciência ou mesmo herança genética. Mas para as ciências sociais, assim como para a filosofia, ela é tão abissal que é uma diferença de natureza.
Os filósofos Jacques Derrida e Élisabeth de Fontenay, na vanguarda da reflexão sobre os animais, insistem nesta ruptura entre os dois, por vezes esquecida pela nova geração de pensadores. Assim, a filósofa Corine Pelluchon, que nunca cai na armadilha de dissolver fronteiras, às vezes se encontra isolada.
Isso o deixa preocupado?
O que ouço da geração mais jovem às vezes me preocupa, como esse jovem que me garantiu que, se tivesse que escolher, preferia salvar um cachorro do que a mim do afogamento, ou essa colegial cuja família desembolsou o equivalente a quase o salário de um mês para uma cirurgia perigosa para tentar salvar seu gato acometido de um câncer.
Vejo na geração mais jovem uma hipersensibilidade que pode se tornar eticamente anti-humanista, até monstruosa. Como em outras áreas, a emoção (reconhecidamente importante levar em consideração) arrisca submergir a razão a ponto de confundir todos os pontos de referência.
Há uma ingenuidade no compromisso radical com a causa animal, uma recusa em admitir a dimensão trágica e violenta da existência?
O horizonte desejado das correntes animalistas é o veganismo, que de fato me parece corresponder a uma espécie de utopia.
Será que os animalistas não confundem este mundo com o da escatologia cristã, isto é, um outro mundo, fora da história humana, onde a gazela não será mais caçada pelo leão? Essa dimensão religiosa e a adesão a um outro mundo esperado podem levar a confusões.
Para mudar nossa relação com os animais, devemos renunciar ao antropocentrismo?
Fazer do antropocentrismo o culpado de nosso excesso em relação aos animais é um atalho fácil. É claro que devemos renunciar à tendência humana de considerar o que nos rodeia como estando à disposição de nossa onipotência, mas essa tendência corresponde a um antropocentrismo corrompido.
Outras formas de antropocentrismo existem e precisam ser reabilitadas. Não nos esqueçamos de que os humanos não podem falar de um lugar diferente do seu, assim como a abelha vê o mundo desde o seu lugar singular na Criação.
Um antropocentrismo mais amplo é possível, pois a especificidade do ser humano está em sua capacidade de se descentrar para adotar um ponto de vista que não seja o seu e, portanto, de se responsabilizar pelos demais seres vivos.
Que outras maneiras de pensar uma relação mais ajustada com os animais existem?
É dando à comunidade humana o sentimento de sua unidade de destino e de sua excepcional singularidade que teremos sucesso em fazer justiça ao mundo animal. Com efeito, somente reorientando-nos para a nossa especificidade, isto é, a nossa responsabilidade, seremos capazes de assumir e expandir a comunidade viva.
Devemos assumir o enigma e a alteridade fundamental do animal, e não integrá-lo em um magma pagão que reuniria todos os seres vivos negando sua singularidade. Isso passa, em particular, pelo respeito por suas zonas de vida, cuja colonização pelo ser humano pode dar origem a zoonoses (doenças ou infecções transmitidas de animais para humanos, e vice-versa, nota do editor), como aquela em que vivemos atualmente com a pandemia.
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“Estou perplexo e preocupado com os riscos de uma dissolução da fronteira entre humanos e animais”. Entrevista com Jacques Ricot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU