07 Mai 2021
A teologia deve acompanhar a ecologia? François Euvé, jesuíta, autor de Théologie de l'écologie. Une Création à partager (Teologia da Ecologia. Uma criação a ser compartilhada), Editora Salvator, 2021, joga luzes sobre os recursos e as lacunas da tradição cristã.
A entrevista é de Sixtine Chartier, publicada por La Vie, 30-04-2021. A tradução é de André Langer.
Para François Euvé, a conversão ecológica deve levar os cristãos a construir uma teologia da criação menos antropocêntrica.
Por seu antropocentrismo, o cristianismo seria parcialmente responsável pela crise ecológica, acreditam alguns pesquisadores. O que você pensa em relação a isso?
Dizer que o cristianismo é responsável pela crise ecológica não faz muito sentido. Por outro lado, dizer que a crise ecológica não tem nada a ver com a tradição cristã também pode ser criticado. Como mostro no meu livro, a questão é complexa para ser dissecada.
Fundamentalmente, a crise ecológica decorre de um abuso do uso da tecnologia, cujos efeitos perversos vemos melhor nos últimos 40 anos, ainda que também nos traga benefícios. No entanto, o desenvolvimento da técnica data do início da modernidade, a partir do século XVI, no contexto de uma cultura marcada pelo cristianismo. Pela primeira vez em sua história, a humanidade tem os meios para transformar profundamente a natureza.
Esta situação não é alheia à tradição cristã, que desenvolve a ideia de um Deus criador todo-poderoso e de um homem criado à imagem de Deus. Se as aproximarmos, essas duas ideias levam a conceber uma humanidade que goza de grande poder. Portanto, não é por acaso que uma nova relação com a natureza se desenvolveu nesta época.
No Gênesis, Deus confia a terra aos homens para “enchê-la” e “submetê-la” (1, 28). Como ler este versículo hoje?
Em sua interpretação pré-moderna, esse versículo transmite a ideia de que a vida é ambivalente. A vida é fecunda, mas também violenta, porque os animais se devoram entre si. Deus, portanto, pede ao homem que subjugue e submeta esta parte da violência, esta parte bestial, que existe em nós.
A partir dos tempos modernos, pensadores como Francis Bacon começaram a interpretar esse versículo como o exercício de domínio sobre a terra – em um sentido neutro do termo – para justificar uma atitude técnica para com a criação.
Podemos agora retornar à interpretação tradicional de antes dos tempos modernos. Ao contrário do que alguns ambientalistas atuais podem sugerir, a natureza não é imediatamente harmoniosa. Ela é marcada pelo mal e pela violência. A humanidade não deve se adaptar à natureza. Nem deveria exercer violência sobre violência, mas “dominar” como Deus domina sua criação, sem violência.
Como escapar da tentação de explorar a natureza para seu próprio benefício?
A ideia bíblica do shabat é interessante. No sétimo dia, Deus interrompe seu trabalho criador: ele coloca um limite ao seu trabalho. Não porque ele não possa ir além ou porque tudo estaria perfeito. Ele interrompe seu trabalho para que outras instâncias possam continuar o trabalho criador. Pode ajudar-nos a sair de uma atitude de exploração sem limites e dar lugar a outras criaturas, que também participam do processo de criação contínua.
Hoje sabemos que as plantas não são simplesmente matéria físico-química, mas possuem poderes ativos e relações mútuas. Devemos procurar cooperar com elas em vez de explorá-las.
Devemos retomar a separação entre os seres humanos e as outras criaturas?
Em vez disso, é necessário reconsiderar a oposição entre os dois. Segundo a tradição cristã, a distinção entre a pessoa humana e as outras criaturas está ligada ao fato de que o ser humano é criado à imagem de Deus. Como resultado, ele tem maior liberdade de ação. Mas a distinção se enrijeceu ao longo dos séculos, a ponto de toda liberdade estar do lado dos humanos. Porém, na Bíblia, o reino animal tem uma dimensão muito mais ativa do que ser um simples recurso para a humanidade.
Que conversão o cristianismo deve fazer para não mais carregar consigo os germes da exploração da natureza?
A conversão ecológica a que o Papa Francisco nos convida pode nos levar a construir uma teologia da criação que seja menos antropocêntrica. Além disso, poderíamos desenvolver uma teologia mais trinitária, não apenas centrada no poder do Pai, mas que também integrasse a presença do Espírito na criação.
Que implicações isso tem na vida espiritual de cada um?
Isso nos incita a ter uma atitude mais contemplativa em relação à natureza e não apenas em relação a Deus. Nas tradições espirituais, muitas vezes nos concentramos na leitura da vida dos santos, na meditação do Evangelho... A contemplação da natureza se depara com a objeção de que isso seria uma regressão ao paganismo.
Porém, não se trata de fazer da natureza uma divindade, mas de contemplar sua capacidade de fecundidade. Trata-se menos de uma questão de se maravilhar diante do caráter grandioso de uma paisagem montanhosa como reveladora do poder de Deus do que diante da força vital de uma planta.
No final do seu livro, você fala sobre a esperança cristã diante das tentações dos colapsologistas que anunciam o colapso brutal da nossa civilização...
O cristianismo não fornece provas de que tudo ficará bem amanhã. Mas o relato do Gênesis insiste na bondade do criado. É um ato de fé que pode nos dar os recursos para enfrentar o que está por vir. Provavelmente haverá cataclismos. No entanto, isso não será o fim de tudo. A humanidade tem recursos para lidar com isso.
Por outro lado, uma tentação cristã poderia ser dizer que a salvação está no céu e não na terra. Mas isso nunca foi uma opção do Cristianismo. Tudo o que é feito para avançar em direção a uma maior comunhão no seio da humanidade e do mundo criado torna possível construir o reino de Deus aqui embaixo.
Entre um progressismo que confia na bondade da criação e uma indiferença para com o mundo em favor de uma ascensão ao céu, a posição cristã não é fácil de expressar. É um caminho de reconciliação entre as criaturas, que leva em conta sua mediação e, assim, contribui para a construção do Reino de Deus.
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“Devemos procurar cooperar com os seres vivos”. Entrevista com François Euvé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU