02 Outubro 2020
Às vésperas de um novo acordo dos países da União Europeia (UE) sobre asilo e migração, 14 organismos ecumênicos entregaram, no dia 25 de setembro, em Bruxelas, documento em que advogam uma recepção mais digna, proteção e cuidado às pessoas em movimento, que deixam seus países de origem por causas várias, como guerra, conflitos internos, perseguições e fome.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Com o pano de fundo o incêndio do campo de Moriá, na Ilha de Lesbos, ocorrido no dia 8 de setembro e que desalojou 13 mil migrantes, as organizações ecumênicas lamentam a “contínua negativa da União Europeia e seus Estados membros de assumirem suas obrigações internacionais de proteção dos refugiados”. Estados da Europa fizeram entender que o acordo da EU-Turquia, em 2016, tivesse resolvido os desafios do deslocamento de pessoas em movimento rumo ao continente europeu, mas, na verdade, “fecharam as portas (e os olhos) da Europa”.
O documento das igrejas foi entregue, pessoalmente, pelo secretário-geral da Conferência das Igrejas Europeias, Dr. Jorgen Skov Sorensen, e pelo secretário-geral da Comissão das Igrejas para Migrantes na Europa, Dr. Torsten Moritz, nas mãos de Vangelis Demiris, membro do gabinete da vice-presidente da comissão, Margaritis Schinas, que coordena os trabalhos envolvendo o Novo Pacto sobre Migração e Asilo, segundo o serviço de imprensa do Conselho Mundial de Igrejas.
O texto lembra que a migração é parte integrante da história e da experiência humana. Frisa que Jesus também foi um migrante, quando sua família se refugiou no Egito ao fugir do rei Herodes que queria matá-lo. O Mestre também viveu sob a ocupação romana, que privou povos de sua liberdade e pisoteou sua dignidade.
“Cremos que nossa vocação como cristãos e igrejas nos obriga a acolher o estrangeiro como resposta a Jesus. Ao reconhecer Cristo no rosto do estrangeiro, começamos a transformar a situação de ‘nós’ e ‘eles’ numa nova relação de ‘nós’; o encontro se converte em benção e nos fazemos humanos juntos”, proclamam os organismos ecumênicos.
Em 2015, um milhão de migrantes solicitou asilo na Europa, e centenas de milhares nos anos seguintes, o que representa um desafio, mas trata-se apenas de uma pequena proporção do número total de pessoas em deslocamento forçado no mundo.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) estimou em 79,5 milhões de migrantes, incluídos aí as 45,7 milhões de pessoas deslocadas internamente nas fronteiras de seus países. Dos que cruzaram fronteiras, 85% encontram-se em países em desenvolvimento. Dois terços dos refugiados do mundo estão sendo acolhidos fora da Europa: 31% na África, 20% na Ásia, 13% no Oriente Médio e na África Setentrional, e 3% nas Américas.
A Turquia é o país que aloja o maior número de refugiados – 3,6 milhões em 2019. Embora “as razões do deslocamento sejam diversas, um número significativo está vinculado à injustiça econômica, ao câmbio climático, à herança do colonialismo, a conflitos estreitamente relacionados com as atividades passadas ou presentes dos atores europeus”, denuncia o documento entregue em Bruxelas.
As respostas que a Europa encontrou, acolhendo em campos de refugiados pessoas em migração, abordam os sintomas de um problema maior, “mas não a causa real”. A UE até expressa empatia, mas “mostra uma profunda falta de responsabilidade e nenhum compromisso real de ajudar os que necessitam de proteção”, apontam os organismos signatários do documento.
Esse quadro vem acompanhado de um discurso público de ódio a migrantes nas redes sociais, também de representações distorcidas e desumanizadas nos meios de comunicação. “Como cristãos, cremos que cada ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus. Todas as interações humanas, sociais e políticas deveriam estar sustentadas por essa crença. Nenhum indivíduo ou grupo merece ser etiquetado como um ‘problema’, mas merece um tratamento digno como pessoa amada por Deus”, defende o documento.
Os organismos cristãos se dispõem comprometidos com a dignidade inviolável do ser humano, com os conceitos de bem comum, da solidariedade mundial e da promoção de uma sociedade que acolha os estrangeiros, os que fogem do perigo e que proteja os vulneráveis. A melhoras das condições de vida nos países de origem de pessoas em movimento segue sendo um ponto fundamental, assim que elas não se veem mais obrigadas a migrar.
O documento denuncia, ainda, o atual sistema de “Dublin” e seu enfoque de deixar para os países de entrada na UE, como Chipre, Malta, Grécia e Itália, a responsabilidade única de receber migrantes, como “profundamente injusto, tanto para os solicitantes de asilo, como para os países das fronteiras exteriores”, o que, na prática, “compromete o direito a uma acolhida adequada”.
As igrejas se comprometem a facilitar, nas comunidades, o intercâmbio e o encontro dos que têm opiniões diferentes sobre a migração, de continuar sendo proativas na oferta de uma acolhida compassiva e de promover uma integração social dos recém-chegados.
“As Igrejas também continuam empenhadas em construir pontes entre as diferentes opiniões sobre migração e, certamente, entre refugiados, migrantes e europeus. Acreditamos que as igrejas têm um papel fundamental na facilitação e contribuição para os encontros interculturais e inter-religiosos na Europa, a fim de intensificar os esforços para uma coerência, justiça e sociedades pacíficas”, disse Sorensen.
Os princípios de mudança no novo acordo aceleram os procedimentos de asilo e também buscam uma proteção mais forte para certos grupos. “Para ser honesto, disse Torsten Moritz, muitas dessas coisas já ouvimos antes. Os Estados-membros não investiram muito dinheiro para tornar os procedimentos de asilo mais rápidos”. O novo pacto engloba 12 diferentes documentos, com quase 500 páginas de texto. “Como a maioria das pessoas aqui em Bruxelas, ainda estamos estudando os detalhes”, admitiu.
Entre os 14 organismos, assinam o documento, entre outros, o Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Igreja Evangélica da Grécia, Centro de Integração para Trabalhadores Migrantes – Programa Ecumênico para Refugiados, Federação Luterana Mundial, Comunhão Mundial de Igrejas Reformadas – região Europa, Conselho Metodista Mundial, ACT Aliança e CMI.
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Organismos ecumênicos pedem maior envolvimento dos países europeus no acolhimento de migrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU