03 Agosto 2020
A pandemia do coronavírus “abriu nossos olhos para as periferias em nosso meio”, especificamente para a contribuição dos trabalhadores migrantes em serviços essenciais, como assistência médica, o transporte, o saneamento e a agricultura, disse o cardeal Michael Czerny.
A reportagem é de Sarah MacDonald, publicada por Crux, 31-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O subsecretário da Seção de Migrantes e Refugiados do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral observou que, “paradoxalmente, tínhamos que ficar muito chocados e surpresos” durante o confinamento antes que “os nossos olhos começassem a se abrir”.
No Dia Mundial Contra o Tráfico de Pessoas, no dia 30 de julho, o prelado canadense participou de um webinar intitulado “Superando a indiferença a migrantes e refugiados”, organizado pela revista católica internacional The Tablet.
Ele disse aos participantes que muitos reconheceriam que foi somente quando as pessoas ficaram trancadas e que tudo chegou a “uma parada opressiva” que seus olhos se abriram para o fato de que algumas de suas necessidades mais básicas estavam sendo atendidas por trabalhadores migrantes.
“Aqui na Itália, foi um verdadeiro abrir de olhos para as pessoas o fato de perceberem quantas dessas pessoas existem, o tipo de trabalho que elas estão realizando e o tipo de situação em que elas estão vivendo”, disse o cardeal. “Eu tenho a sensação de que a opinião pública na Itália mudou em favor dos trabalhadores migrantes de uma forma notável ao longo desses meses. Se isso está afetando as políticas, eu não sei. Este ano de Covid-19, com o seu terrível número de sofrimentos e mortes, também pode ser encarado como um ano de revelação.”
O canadense de 74 anos, natural da Tchecoslováquia, cuja família fugiu de casa após a Segunda Guerra Mundial, também sugeriu que as restrições impostas ao culto público durante a pandemia da Covid-19 haviam arrancado a Igreja de algumas certezas ou suposições, como a relação entre a vida de fé e a paróquia territorial.
“Acho que a Covid-19 revelou que o fato de você morar neste quilômetro quadrado em particular não define a sua vida religiosa tanto quanto você pensava. Você se viu ‘indo à missa’ em algum lugar muito mais distante – talvez do outro lado do planeta – e se viu se relacionando com pessoas de maneiras novas que não se limitam à paróquia territorial.”
Ele se perguntou se o número de pessoas que estão abandonando a igreja é “uma indicação de que essa estrutura paroquial atingiu um tipo de limite em sua funcionalidade” e observou que a Covid-19 e os meios eletrônicos “conspiraram para nos dar um pontapé para o futuro que poderia demorar 20 ou 30 anos a mais para se desenvolver em circunstâncias mais normais”.
Em outras partes de sua conversa com o jornalista Christopher Lamb, o cardeal criticou a mídia pela sua ênfase contínua nas estatísticas e tendências sobre migrantes e refugiados, e por “insistir” na “crise global”. Os refugiados, sublinhou, são uma minúscula minoria daqueles que se deslocam todos os anos ao redor do mundo.
Discutindo o aumento da retórica anti-imigração entre os líderes políticos, ele disse: “Um dos maiores enigmas do nosso tempo é que a mesma sociedade em que as pessoas vivem de forma decente e cooperativa parece tolerar esse tipo de distorção da realidade. Eu acho que isso tem algo a ver com a evolução muito rápida da mídia, a ponto de termos perdido o rumo em termos daquilo que é verdadeiro, daquilo que é plausível e daquilo que é credível. Quanto mais chocante, de alguma forma mais credível. Eu não me lembro de o valor do choque ter sido alguma vez um critério válido para a verdade. No entanto, parece que, quanto mais ultrajante, quanto mais contrário soar, quanto mais irritado, de alguma forma é mais credível. Esse é um problema para todos nós, e eu acho que é realmente urgente encontrar uma maneira de resolver isso”.
Parte do problema, enfatizou ele, é que as pessoas não estão ouvindo as histórias humanas dos migrantes e refugiados. Se isso acontecesse, “a maioria das pessoas perceberia que eles estão transformando em bodes-expiatórios esse pequeno número de pessoas, que estão fazendo exatamente aquilo que todos nós faríamos se estivéssemos nas mesmas circunstâncias”.
Elas também entenderiam que essa pequena minoria que foi forçada a fugir das suas casas não representa uma ameaça ou “um perigo para a nossa economia, a nossa sociedade, a nossa civilização ou as nossas famílias, e que existem outros problemas muito mais sérios pelos quais os políticos são responsáveis e com os quais deveriam se ocupar”.
Questionado sobre o que os fiéis podem fazer para superar concretamente a indiferença aos migrantes e refugiados, Czerny apontou para o apelo do Papa Francisco em 2015 às paróquias e às comunidades religiosas para hospedar uma família. Ele citou o antigo programa de patrocínio comunitário do Canadá, que proporcionou à sua própria família a oportunidade de começar sua vida novamente depois que se viram em “uma situação cada vez mais desesperadora em 1948”.
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Czerny: pandemia fez as pessoas entenderem o papel dos migrantes como trabalhadores essenciais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU