02 Setembro 2020
Apesar da pandemia de covid-19, o Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos continua a transportar de avião imigrantes detidos mandando-os para países da América Latina e cidades rurais americanas mal equipadas para lidar com os surtos do vírus. É a conclusão que se lê no relatório, de 4 de agosto, produzido pela organização não governamental de direitos dos imigrantes Witness at the Border.
A reportagem é de Madeleine Davison, publicada por National Catholic Reporter, 01-09-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Com dados de um aplicativo que rastreia voos, o Witness at the Border identificou 1.428 prováveis voos pelo Serviço de Imigração e Alfândega – ICE entre abril e julho de 2020, durante a pandemia de covid-19, totalizando 2.808 desde o começo do ano até julho.
Estes números incluem voos que transportavam imigrantes detidos entre centros prisionais nos EUA e voos que os deportaram para locais na América Latina e no Caribe. Entre abril e julho, o grupo notou 258 voos de deportação para países latino-americanos.
Muitos deportados pelo ICE testaram positivo para a covid-19 ao chegarem a seus países, entre eles o Haiti, a Guatemala e a Índia, segundo o The Intercept.
“Enquanto a covid-19 corre solta dentro de nossas fronteiras, temos mostrado um completo descaso ao enviar o vírus para fora do país”, diz Karla Barber, da ONG Witness at the Border. “Sabemos que pessoas que testaram positivo foram colocadas nos aviões para locais que não contam com um sistema de saúde equipado para lidar com surtos da doença”.
Só em julho, o Witness at the Border identificou 29 voos sob o comando do ICE para o México, 18 para Honduras, 13 para a Guatemala e 9 para El Salvador, além de outros países. O número de voos de deportação de imigrantes para a América Latina e o Caribe caiu no fim início do ano, porém o número em julho foi apenas 10% menor do que em março, quando as medidas de confinamento entraram em vigor nos EUA.
Até 31 de agosto, o Serviço de Imigração não havia respondido a uma lista detalhada de perguntas que o National Catholic Reporter submeteu por e-mail. Em nota, a agência diz que segue as orientações dos Centros para o Controle de Doenças dos EUA.
O ICE não divulga publicamente os dados de suas operações aéreas de forma que os membros do Witness at the Border tiveram que usar um aplicativo chamado FlightAware, que permite rastrear a origem e o destino dos voos, bem como as empresas aéreas, disse Barber.
O grupo identificou cerca de duzentos locais de detenção ao longo dos EUA que provavelmente são pontos de origem dos voos do ICE, informou Tom Cartwright, um dos autores do relatório. O ICE tem contrato com várias empresas aéreas, incluindo Swift Air e World Atlantic Airlines.
O grupo Witness at the Border rastreou os voos dessas companhias a partir de aeroportos perto dos centros de detenção que já são conhecidos, e identificou aqueles que voavam para outras cidades com locais de detenção normalmente usados para as deportações.
Estes dados não são exatos e só contabilizam voos dentro dos EUA e para países latino-americanos e caribenhos, não incluindo voos para a Ásia, Europa e África, segundo Cartwright. O relatório também não informa o número de pessoas em cada voo. O aplicativo FlightAware não fornece esse tipo de dado nem o ICE.
Mesmo assim, os participantes da ONG Witness at the Border dizem que os dados levantados mostram como a política imigratória americana tem ajudado a disseminar a covid-19 para outros países, em geral mais vulneráveis.
Em maio, o jornal Miami Herald publicou que o ICE deportou imigrantes para o Haiti com o conhecimento de que alguns testaram positivo para a covid-19. O Haiti é um país com cerca de 120 leitos de UTI para uma população de 11 milhões, segundo o The Intercept.
Até o mês de abril, mais de 50% dos imigrantes deportados para a Guatemala testaram positivo para a covid-19 na chegada, segundo o jornal Texas Observer. O governo guatemalteco suspendeu várias vezes os voos de deportação dos EUA numa tentativa de pressionar este último a melhorar as condições de higiene e testagem, segundo informou o jornal.
A ONG Witness at the Border preocupa-se com a disseminação da covid-19 dentro dos centros de detenção e nas comunidades do entorno, muitas vezes localizadas em áreas rurais dos EUA com poucos leitos hospitalares, acrescentou Cartwright.
Até o dia 27 de agosto, o ICE havia confirmado um total de 5.300 casos de vírus entre os imigrantes detidos, com cinco mortes. A agência governamental também confirmou 45 casos entre os funcionários dos centros de detenção. Um desses locais, em Farmville, no estado de Virginia, viu 399 casos e uma morte, o que levou o governador Ralph Northam e defensores dos direitos dos imigrantes a virem público protestar, de acordo com o jornal Washington Post.
Entre abril e julho, a ONG identificou 726 voos nacionais não associados com voos internacionais de deportação, provavelmente sendo voos que levavam imigrantes detidos de um centro de detenção para outro.
“Basicamente, os centros de detenção são um prato cheio para a covid-19. Não tem como haver um distanciamento social e é muito difícil manter a higiene nesses locais”, disse Cartwright. “É um risco não só para os detentos, mas para os trabalhadores, equipe em comunidades em geral”.
A Witness at the Border começou em 2018 como quando o seu fundador, Joshua Rubin, viajou para o centro de detenção de Tornillo, no Texas, onde protestou contra o encarceramento de crianças migrantes. Ele e outros ativistas também realizaram vigílias contra a detenção de imigrantes em Homestead, na Flórida, e em Brownsville, no Texas, informou Rubin.
Em Brownsville, os ativistas começaram a observar os voos de deportação do ICE a partir do aeroporto local, informaram Rubin e Barber. Rubin disse que viu famílias algemadas sendo colocadas nos aviões e migrantes sendo obrigados a abrirem a boca enquanto os guardas os revistavam por contrabando. Ver crianças sendo levadas o levou às lágrimas.
“Estamos falando de pessoas que precisaram sair do próprio país, o que já é difícil de fazer, pessoas que passaram por muitas dificuldades”, diz Rubin. “Depois, elas são colocadas nestes aviões e mandadas embora. Meu Deus, nas primeiras vezes que vemos esse tipo de coisa, nosso coração quase para de bater”.
Barber falou que a maioria dos voos acontece no começo da manhã, antes do sol nascer, sob o manto da escuridão. Quando os funcionários do aeroporto perceberam o grupo Witness at the Border observando os voos, moveram tanques de petróleo para o local a fim de impedir a visão dos ativistas.
“Foi revelador que eles não queriam que víssemos”, disse Barber. “O significado foi que precisamos trabalhar ainda mais, intensificando os nossos esforços”.
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Voos de deportação ajudam a disseminar o vírus da covid-19, diz ONG - Instituto Humanitas Unisinos - IHU